Nuno André Martins
04/07/2015
Ganhe o 'Sim' ou o 'Não', não se espera uma vantagem folgada de qualquer lado.
Gregos contra gregos, jovens contra mais velhos, pobres contra ricos.
Que país será a Grécia na segunda-feira?
Manifestações nas ruas de Atenas, em especial na praça Sintagma, já fazem parte do quotidiano da capital da Grécia, mas à medida que o referendo se aproxima o número de pessoas é cada vez maior, de cada lado.
Com as sondagens muito próximas, as paixões estão cada vez mais acesas e, independentemente do resultado, há quem receie que do referendo saia um país dividido.
Ricos contra pobres, jovens contra os mais velhos, esquerda contra direita.
Em Atenas, a divisão parece cada vez mais evidente.
Na sexta-feira, duas manifestações juntaram-se na capital.
O ‘não’ juntou-se na icónica praça Sintagma, o ‘sim’ no Estádio Olímpico.
Dezenas de milhares de pessoas em cada uma das manifestações, mas com um olho no que se passava no outro lado.
“Somos mais.
Somos muito mais.
No domingo vamos ganhar”, diz Panos, um engenheiro de 36 anos, sem emprego desde o início da recessão.
Este apoiante do ‘não’ acompanhava a manifestação do ‘sim’ através de uma televisão num muitos dos cafés nas ruas que levam à praça Sintagma, com cerca de uma dezena de pessoas.
Como se de uma final de um campeonato de futebol se tratasse, todos tinham os olhos postos na manifestação do lado, e, como que por turnos, iam-se revezando entre acompanhar os gritos de guerra – “oxi, oxi, oxi” – com as dezenas de milhares de pessoas na praça Sintagma e colocar um olho na manifestação do outro lado.
“Queremos a nossa dignidade de volta.
A Grécia é nossa, não do FMI”, atira Dimitra, uma professora de 37 anos, também desempregada.
“Estamos fartos.
Todos os anos nos querem tirar mais e mais.
Já não temos mais para nos tirarem.
Deixem-nos em paz”, diz, visivelmente irritada.
Mas entre as fileiras do ‘não’ há também muitos jovens.
Alguns vêm pelos pais, outros pelo seu futuro.
Grande parte está no desemprego e vê o euro como o mal do país, os credores como o vilão de um filme de ação onde acreditam que Varoufakis e Tsipras vão acabar por prevalecer.
“Varoufakis é o primeiro ministro a defender os nossos interesses e eles [os ministros europeus] estão a tentar afastá-lo.
Não vão conseguir.
No fim a Grécia vai dar-lhes uma lição”, diz Artemis, uma jovem de 25 anos, que não conseguiu emprego desde que saiu da universidade, só um estágio de poucos meses.
E quem está do outro lado?
“Os ricos, os ministros corruptos.
Esses é que querem o euro.
Nós é que sofremos.
Nós é que sabemos o que é a austeridade”.
Pelas ruas de Atenas encontramos alguns apoiantes do ‘sim’.
Alguns aproveitam para votar contra o Governo, outros dizem que é um voto pela responsabilidade.
Pelo meio, críticas ao outro lado: “Quem é que sofreu mais cortes? Foi a classe média.
Já quase não há classe média.
Cortaram-me o salário.
Cortaram a pensão aos meus pais.
E estes [Governo] fizeram o quê?
A Grécia está cada vez pior”, diz Stavros, 46 anos, professor de matemática numa escola de Atenas.
“Os jovens de hoje em dia têm mais educação, mais acesso à informação.
Todos têm telefones com internet, estão sempre em cima de tudo o que acontece.
E ainda assim vão votar ‘não’.
Não devia ser assim”, contrapõe.
Porque acontece isto?, perguntamos: “Compreendo que aconteça porque há muito desemprego jovem, mas a culpa é do populismo deste Governo”.
Do lado do ‘sim’ há quem acuse o Governo de partir a população. “Tsipras e Varoufakis estão a meter-nos uns contra os outros.
Não somos ricos contra pobres.
Corruptos contra honestos.
Este referendo não vai trazer solução nenhuma, só mais divisão.
As pessoas estão cada vez mais exaltadas, todas as discussões são políticas e se continuar assim, tenho medo do que acontecerá depois do referendo”.
Nikos, 55 anos, já não trabalha desde que sua loja fechou, mas apoia o ‘sim’.
Porque não está do outro lado, perguntamos.
“Não se trata de ricos ou pobres.
Acha que isto está melhor do que com o anterior Governo?
A Grécia mudou.
Mas foi para pior”.
“Não sou apoiante do PASOK, nem da Nova Democracia, nem de nenhum dos outros corruptos que estiveram no Governo nos últimos quarenta anos.
Votei no Syriza, não tenho problema em dizer isso.
Mas isto está cada vez pior.
Ficar sem pensão?
Se isto continuar assim nem casa vou ter dormir”, diz, sentado num passeio, enquanto passam por si jovens com cartazes a defende o ‘não’ às costas.
Votar o quê?
‘Nai’ ou ‘oxi’.
Mas a quê?
Com uma semana entre o anúncio e a realização do referendo, todos têm uma opinião, todos têm uma posição.
Mas saberão os gregos o que estão a votar?
“Deve ser o plano de acordo aceite, que foi submetido pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e pelo Fundo Monetário Internacional ao Eurogrupo a 25.06.2015 e é composta por duas partes, que constituem a sua proposta unificada?
O primeiro documento é intitulado ‘Reformas para a Conclusão do Presente Programa e Mais Além’ e o segundo ‘Análise Preliminar à Sustentabilidade da dívida” é a pergunta do referendo.
No boletim, o ‘não’ defendido pelo Governo aparece primeiro, e em baixo o ‘sim’.
E conhecem os gregos as propostas?
O que vão votar no sábado?
“Eu vou votar contra a austeridade.
Vou mostrar que apoio o meu Governo, que não quero esta Europa”, diz Dimitra.
“Mais vale sairmos do euro”.
Dentro ou fora do euro, parece ser para muitos a questão do referendo, ainda que apresentada de outra forma.
O Governo grego tem-se apressado a dizer que não vai sair do euro e mesmo que até pode questionar legalmente tal saída, já que os tratados europeus não contemplam uma saída da zona euro por um país, mas a mensagem não terá chegado a todos os gregos.
“Eu não quero sair do euro.
Acho que vai ficar tudo pior.
E por isso vou votar ‘sim’”, diz Nikos.
Anastasia, estudante de 24 anos, acha que se votar ‘não’ é dar a hipótese à Grécia de ter um melhor acordo: “A Europa vai ter de ajudar-nos.
É do interesse deles.
Se não pagarmos a dívida são eles que perdem dinheiro, por isso temos de mostrar que estamos contra o que nos estão a fazer há cinco anos.
Com um ‘não’ forte vamos conseguir melhor”.
Esta parece ser a opinião do ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, que ainda esta sexta-feira em declarações à SIC durante o protesto do ‘não’, dizia que que com um resultado forte os gregos poderiam combater a falta de democracia do Eurogrupo.
Na Europa, a opinião não é a mesma.
Depois do referendo, dizem os responsáveis europeus, o acordo em cima da mesa não será o mesmo, mas um mais duro.
Saberão mesmo os gregos o que estão a votar?
E depois do referendo?
Com tamanha divisão, com tanta paixão envolvida, como será a Grécia depois do referendo?
Referências à guerra civil da segunda metade da década de 40, após a segunda Guerra Mundial, já fazem parte do discurso de muitos, até dos mais jovens nascidos já muito longe desses tempos mais conturbados.
“Com um ‘sim’ ou com um ‘não’, receio que o país continue dividido. A menos que o ‘sim’ seja muito forte, o que não me parece que vá acontecer, acho que o Syriza vai continuar agarrado ao poder.
E aí?
As coisas só vão ficar piores.
Ou saem logo, ou ganha o ‘não’ e somos empurrados para fora do euro e as coisas ficam feias”, diz Yannis, um jovem empresário de 34 anos.
“Já tivemos violência no passado.
Carros e lojas atacadas, confrontos com a polícia, e agora todos falam em guerra civil, até os mais novos que não fazem ideia o que foi.
Não vamos entrar em guerra civil, isso é um grande exagero, mas acho que haverá violência quando perceberem que não há soluções mágicas”, acrescenta.
Do lado do ‘não’, há quem ache que o referendo só vai unir o país: “Vamos unir-nos contra a ditadura europeia.
Na segunda-feira seremos um povo só, tenho a certeza.
Os corruptos europeus e os oligarcas são quem tem de ter medo”, diz Artemis.
Mesmo que alguns se vejam gregos para entender a pergunta, domingo é dia de referendo.
As urnas fecham às 17h de Atenas (15h em Lisboa).
Resultados só depois das 21h de Lisboa, sem sondagens.
Até lá fica a expetativa sobre quem ganha, numa disputa da qual muitos duvidam que possa sair um vencedor.
Sem comentários:
Enviar um comentário