segunda-feira, 27 de julho de 2015

“A Grécia tem de recuperar a capacidade de falar por si mesma

FUTURO DA GRÉCIA
Nuno André Martins  -  09 Abril 2015

James Kenneth Galbraith esteve na Grécia e em Bruxelas a dar apoio nas negociações ao ex-colega e amigo Yanis Varoufakis. 
Acredita que em breve mais países europeus vão seguir o exemplo dos gregos.





















“A Economia é extremamente útil como forma de dar emprego a economistas”. 
A frase é de um dos mais importantes economistas norte-americanos, John Kenneth Galbraith, um dos principais seguidores do lendário John Maynard Keynes e que protagonizou com Milton Friedman uma espécie de reedição do confronto de ideias entre Keynes e Friedrich Hayek.

Capricho do destino, um dos seus três filhos, James Kenneth Galbraith seguiu as pisadas do pai. 
Não só é um reconhecido economista norte-americano formado em Harvard, Yale e Cambridge, como partilha a sua inclinação política e opinião crítica em relação à disciplina a que ambos dedicaram grande parte da sua vida.

Foi como economista na Universidade do Texas que James Kenneth Galbraith conheceu Yanis Varoufakis, o expansivo economista grego transformado em ministro das Finanças, e com quem forjou uma amizade e parceria que o levou, em 2013, a assinar uma proposta de solução para a crise da zona euro, e que em fevereiro lhe abriu as portas para assistir na primeira fila ao desenrolar das tensas negociações entre a Grécia e o Eurogrupo que levaram ao acordo de 20 de fevereiro, que permitiu a extensão do programa grego por quatro meses.

Durante a semana que antecedeu esse acordo, esteve em Bruxelas e Atenas, juntou-se aos técnicos gregos e deu apoio na elaboração das propostas para negociação gregas, acompanhou o amigo Varoufakis e viu de perto, por um lado, o desânimo perante a forma de funcionamento de Bruxelas, e por outro, o entusiasmo do povo grego na defesa de uma nova forma de pensar.

Em conversa com o Observador, James Kenneth Galbraith diz que há países a serem mais duros com a Grécia por receios relativos à sua própria sobrevivência política, que a presença de Yanis Varoufakis é incómoda para os restantes ministros e que o Governo grego esteve vários anos ligado às máquinas, sem ideias próprias, e que em breve mais países europeus vão seguir o exemplo do povo da Grécia nas suas escolhas políticas.

Acompanhou de perto as negociações entre a Grécia e os credores. Quais acha que foram as maiores forças de bloqueio?

As instituições foram úteis em alguns aspetos, mas não em todos. Em particular, a relação com o Banco Central Europeu (BCE) tem sido bastante difícil, porque teve uma abordagem que tornou muito difícil a estabilização da economia grega. 
Na verdade, teve até o efeito contrário. 
Existiram também questões de procedimentos entre as instituições e as equipas gregas que afetaram os termos da discussão que teve lugar, sobre como ajustar à realidade o que o Governo grego e o eleitorado grego podiam aceitar. 
Tudo isto complicou a relação com as instituições e, depois, alguns ministros das Finanças são de governos que se sentem ativamente ameaçados pelo movimento político que o Governo grego representa e que, por isso, têm sido, por razões políticas, mais hostis nas concessões.

Estamos a falar de que países?

Penso que este foi especialmente o caso do representante espanhol, que tem sido particularmente sensível aos riscos políticos que fazer concessões ao Governo grego poderiam acarretar para si.

E os países que tiveram resgates, como Portugal?

A minha impressão é que o Governo português tomou a posição de que tinha sido mais virtuoso do que os gregos, apesar de o ajustamento grego ter sido consideravelmente mais dramático do que o português. 
Os irlandeses têm sido ligeiramente menos agressivos, mais conciliatórios, possivelmente porque as eleições na Irlanda só se realizarão mais tarde [Espanha e Portugal têm eleições em 2015].
























De Guindos e Varoufakis, uma relação conturbada

Esteve na Grécia em fevereiro. Acha que o povo grego ainda mantém o mesmo apoio ao seu Governo?

No período inicial, no início de fevereiro, quando lá estive, havia manifestações grandes e regulares de apoio ao Governo. 
Foi a primeira vez na história moderna que houve manifestações na Praça Sintagma sem intervenção da polícia. 
Isto também aconteceu nas ruas de Atenas e foi muito claro que havia um apoio popular muito forte. 
A minha impressão, de uma visão mais recente, é que esse apoio, apesar de já haver um pouco menos drama, pela posição básica do Governo continua muito forte e as sondagens refletem isso.

Com as decisões difíceis que têm pela frente, acha que conseguem manter esse apoio?

É impossível garantir isso, mas a geometria é favorável. 
A maioria não é assim tão grande que permita relaxar a disciplina em termos de política e essa disciplina tem sido muito boa até agora. 
Os principais intervenientes têm continuado a articular a sua visão num sentido que as pessoas consideram credível. 
Por isso, acho que as fundações para que se continuem juntos e com apoio, mesmo perante dificuldades consideráveis, ainda lá estão.

Já analisou o plano de reformas do Governo grego?

Primeiro que tudo, este é um Governo completamente novo e isso envolve mudanças significativas de pessoal ao mais alto nível num período muito curto de tempo. 
Quando a nova equipa se reuniu com os parceiros europeus pela primeira vez, houve dois tipos de questões: primeiro, foi preciso estabelecer quais os pontos que podiam e deviam ser diferentes em relação aos acordos anteriores. Nesses, estavam em particular medidas para o mercado de trabalho, privatizações e o saldo primário. 
Isso foi inserido de forma eficiente pela equipa grega e aceite pelo outro lado nas negociações de 20 de fevereiro .

Depois havia a questão de todos os outros pontos em que as partes já estavam em acordo, desde a administração pública às matérias fiscais, mas que a equipa grega tinha de apresentar com detalhe suficientemente persuasivo, e que propostas eram realmente estas. 
E estas eram áreas em que os anteriores governos não foram capazes de apresentar propostas. 
Agora, tínhamos uma nova equipa que tinha de entender o que queriam as instituições e os procedimentos, como recolher informação das análises das várias fontes e autoridades, e de construir um documento com uma proposta com credibilidade.

Uma grande parte das críticas feitas aos gregos, em especial na imprensa através de fugas de informação, nesse período depois de 20 de fevereiro, tem a ver com esses esforços até essa altura não serem adequados.
























Decisões do BCE têm sido alvo de muitas críticas do lado grego

Mas não existe fundo de razão para essas críticas?

Havia, claro, algum fundo de razão. 
É um trabalho muito exigente, que envolve um grande número de interações, que algumas ideias sejam consideradas e rejeitadas, outras acrescentadas em cima da hora. 
Depois disso ainda há que as passar pelo Governo, para garantir que o conjunto de programas está em linha com o que o Governo pode aceitar. 
Só na última quarta-feira de manhã é que o governo grego conseguiu finalizar o documento inteiro de forma convincente e enviá-lo para as instituições. 
Nessa altura ficou claro que eles tinham, de facto, dominado a capacidade de produzir um pacote credível de reformas.

Acha que o Governo fez o suficiente para conseguir um acordo?

As pessoas já tiveram tempo durante o fim de semana para ler o documento. 
Os desacordos sobre as políticas que existiam a 20 de fevereiro ainda estão lá, o governo não cedeu nas matérias que considera fundamentais, mas existe agora muito detalhe em certas partes do acordo que precisam de ser avaliados.

Nesta altura, a posição do governo grego, tendo cumprido a obrigação de apresentar um programa de reformas credível, é a de que é preciso avançar para o próximo passo, que é o de obter o financiamento necessário para implementar uma parte desse programa de uma forma que seja consistente com a recuperação económica. 
Se o financiamento chegar, então podemos avançar para a conclusão com sucesso da última revisão e de seguida a negociação de um novo contrato.

Estará a falta de experiência do Syriza a prejudicar a sua capacidade de negociar?

Vamos por as coisas de outra maneira: já lá vão alguns anos desde que o Governo grego fez o seu próprio trabalho no desenvolvimento das suas políticas. 
A principal fonte dos dois anteriores governos, talvez não a única mas a principal, na elaboração das propostas eram as próprias instituições. 
Elas sugeriam o que devia ser feito, as sugestões eram traduzidas para grego e levadas ao Parlamento. 
Este governo não trabalha assim. 
Por isso, não são só os membros do Governo que são novos, mas de uma forma mais geral a Grécia que tem de ser capaz de recuperar a capacidade de falar por si mesma e desenvolver as suas próprias ideias. 
E isso é muito mais difícil nestas circunstâncias.

Mas será que têm tempo que chegue para isso?

Eu penso que sim. 
Tiveram tempo suficiente, trabalhando 22 horas por dia, para construir um programa de reformas adequado. 
Agora, a questão é se as dificuldades de financiamento vão ser aliviadas para permitir que as reformas comecem a funcionar.

E conseguirá a Europa tomar essas decisões a tempo?

Considerando a pressão de tempo que colocaram sobre o Governo grego, acho que que o Eurogrupo consegue, se operar ao mesmo nível de eficiência do Governo grego, decidir e relaxar os constrangimentos de tesouraria amanhã, isto se operarem com o mesmo nível de eficiência.

E acha que o são?

Não. 
Claro que não. 
Mas isto não precisa de ser feito até amanhã. 
O que precisa de acontecer é que o Governo grego consiga honrar os seus compromissos esta semana e na próxima. 
Depois disso há uma reunião do Eurogrupo no dia 24 e, aí sim, tem mesmo de haver uma decisão favorável ao programa.

Com os desenvolvimentos desde o início do programa, acha que os 7,2 mil milhões da última tranche são suficientes?

Não chegam para todo o ano, mas é suficiente para chegar ao verão, altura em que terá de haver uma negociação que permita tapar o buraco para 2015. 
Se ultrapassarmos este ano, o próximo ano e o ano a seguir são muito mais fáceis. 
A pior sequência de pagamentos é este ano.

Mas como é que se tapa esse buraco? Com mais um empréstimo?

O valor total das necessidades de financiamento é substancialmente superior aos 7,2 mil milhões de euros. 
Esse tem de ser tapado. 
Mas há várias formas de fazer isto. 
Podem-se emitir Bilhetes do Tesouro (dívida de curto prazo) para os bancos gregos comprarem, que podem ser usados como garantia junto do BCE. 
Pode-se pedir o apoio do Banco Europeu de Investimento… há muitas hipóteses. 
Além disso, uma economia em recuperação pode ajudar a tapar o buraco, mas para isso precisamos de passar de uma posição de ‘vamos conversar sobre como ultrapassar a questão do pagamento em abril, maio e junho’ para ‘podemos fechar um acordo para vários anos e que permita à economia grega recuperar’, e esse é o verdadeiro objetivo deste Governo. 
O problema é que há certos aspetos altamente experimentais nas políticas anteriores, e a experiência não resultou.

Como por exemplo?

As privatizações em massa não deram praticamente receitas. Porquê? 
Porque toda a gente sabe que se tentarmos vender tudo em bloco num leilão, ninguém nos vai dar nada por isso. 
É muito óbvio, qualquer microeconomista saberia que uma venda à pressa não é uma boa forma de conseguir receitas.

Podemos ainda falar teoricamente sobre reformas do mercado de trabalho, mas o facto é que quando cortaram o salário mínimo, nada aconteceu. 
Não foram criados mais empregos. 
Houve algum lucro extra, mas esse foi parar aos bolsos de alguns empresários, mais nada.

É claro que as experiências feitas por alguns dos anteriores governos não estavam bem fundamentadas e acabaram por ter consequências gravosas em alguns dos setores mais vulneráveis da sociedade grega. 
Foram cometidos erros, erros esses que são agora rejeitados pelo Governo. 
Essas partes da política vão mudar.

Mas as instituições também têm economistas qualificados. Se é um erro, porque acha que insistem?

Os bancos nos EUA também tinham economistas muito qualificados e recentemente quase nos levaram à catástrofe. 
Este não é um problema de qualificações. 
A economia não é uma ciência que aprenda com os resultados das suas experiências. 
É um corpo doutrinário e a resposta instintiva quando alguma coisa corre mal não é “isto foi má ideia, devíamos mudar”, mas sim dizer “esta ideia não foi implementada de forma eficiente, por isso devíamos intensificar os esforços”, o que acaba por aprofundar os erros na esperança de nos virem a dar razão no longo prazo.

A experiência já leva cinco ou seis anos e foi exatamente isso que levou o Syriza ao poder. 
O povo grego decidiu dizer “já experimentámos esse caminho e, tendo visto isto isso em prática, achamos que não funciona para nós”.

Muita tinta tem corrido sobre a relação conturbada entre o Governo grego e os parceiros europeus, em especial no Eurogrupo. Quem é que acha que tem sido o adulto na sala?

Houve uma discussão muito adulta em Berlim, entre o primeiro-ministro Alexis Tsipras e a chanceler alemã Angela Merkel. 
Essa conversa foi muito construtiva. 
E penso que iremos saber que houve uma discussão muito adulta em Washington entre Yanis Varoufakis e a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde. 
Eu acredito que existam adultos na discussão, mas o que se passa no Eurogrupo é diferente. 
É, digamos, um conflito de culturas.

Como assim?

Até agora temos tido entre os ministros das Finanças um grupo que, de forma geral, tem uma certa visão da realidade e uma certa linguagem para a discutir. 
Por exemplo, a palavra ‘reformas’ quer dizer um conjunto muito específico de coisas que todos eles subscrevem. 
E então chega um representante de um novo governo, um ministro das Finanças que é um economista com um discurso muito articulado, claro e realista, sem medo de apresentar uma visão diferente de uma forma muito lúcida.

Obviamente, que isso é muito incómodo para os outros ministros das Finanças, que na sua maior parte não são assim, não têm a mesma tradição de exposição rigorosa, que na sua maioria são figuras políticas nacionais, algo que Yanis Varoufakis não é. 
Ele é sem dúvida uma presença incómoda. 
É um problema a que os seus colegas ministros das Finanças têm de se adaptar.

























A relação do ministro das Finanças grego com os homólogos da zona euro não tem sido fácil

É muito crítico da forma de funcionamento do Eurogrupo. Acha que a decisão deve ser retirada deste fórum?

Eu acho que é muito importante que os principais líderes deem orientações rigorosas sobre a direção a seguir porque, mesmo dentro do Eurogrupo e entre as instituições, há pequenas agendas que estão a ter um papel importante. 
Algumas destas agendas são políticas, de governos que se sentem ameaçados por alternativas anti-austeridade. 
Outras são agendas de poder, que questionam a relação entre as instituições e os governos nacionais.

É inquestionavelmente difícil a adaptação a uma voz divergente num corpo gerido por consenso, mas, especialmente num ambiente de crise, a divergência é fundamental, é o que nos pode salvar do desastre. 
Eu acho que foi providencial para a Europa que o povo grego tenha eleito um governo capaz de levantar questões que deviam ter sido levantadas há anos e nos próximos meses, outros povos irão fazê-lo na Europa.

Muito se fala da sustentabilidade da dívida pública grega. Também é da opinião, como o seu ex-colega, que tem de ser reestruturada?

O problema da dívida grega, assim que conseguirmos ultrapassar o problema do financiamento no curto prazo , vai deixar de ser a questão mais imediata com que temos de lidar. 
Assim que ultrapassarmos este problema de liquidez, a próxima questão é implementar os elementos do programa de reformas e conseguir recursos e investimento.

No futuro, a questão vai voltar a surgir, mas, ainda assim, penso que pode ser resolvida tecnicamente. 
Por exemplo, se os empréstimos bilaterais forem trocados por obrigações ligadas ao desempenho da economia [uma posição defendida por Yanis Varoufakis], para que os gregos possam pagar quando começarem a criar riqueza. 
Seria uma forma razoável de o fazer. 
Há várias formas de resolver as questões de dívida e que não têm de ser feitas com a pressão de tempo sob a qual foram conduzidas estas negociações.

Finalmente, acha que a Grécia pode sair do euro?

Não vai acontecer, pelo menos por decisão e instigação do governo grego. 
Se alguma coisa acontecer será porque os gregos foram forçados pelos parceiros europeus e isso é algo que a liderança dos principais países da Europa, em particular a Alemanha, está determinada a evitar. 
Acho que a hipótese de isso acontecer é muito pequena, mas depende da capacidade de a liderança da União Europeia conseguir controlar as outras tendências dentro das instituições.

É também muito importante que o BCE dê meios ao governo grego de financiar as suas obrigações, porque o Governo, se faltar dinheiro, não é o pagamento de pensões que não vai honrar. Considero que há riscos, mas que eles podem ser geridos se as instituições assim o decidirem.

Mas se as negociações correrem mal, acha que alguém pode ganhar com isso?

A vida continua, apesar das contrariedades monetárias, mas contrariedades deste tipo saem caro e causam disrupções.

Em 2012 dizia que o problema da Europa não se resolvia com o ‘bom comportamento’ dos países da periferia, mas sim com ações decisivas das maiores economias. 
Três anos depois, acha que isso foi feito?

Não. 
Acho que isso ainda tem de acontecer. 
Nos últimos anos foram dados passos que ajudaram a evitar a desagregação da zona euro, como a reestruturação da dívida grega, a abordagem ‘o que for necessário’ do BCE, mas em termos de criar bases para uma estabilização sólida das economias da periferia, isso ainda não foi feito. 
Tem de haver apoio material e concreto dos principais países.

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