O infoGrécia traduziu a entrevista a Eric Toussaint pela enviada especial do L’Humanité a Atenas, Rosa Moussaoui.
O coordenador científico da Comissão para a Auditoria e Verdade sobre a Dívida Grega defende que Alexis Tsipras tinha uma terceira opção, para além de aceitar a chantagem ou sair do euro.
Atenas tem realmente sido sujeita, nas últimas semanas, a um golpe de Estado financeiro como é reivindicado por muitos gregos e observadores estrangeiros?
Sim e não.
O que foi decisivo foi o resultado das decisões políticas tomadas pelas instituições políticas, embora com a cumplicidade óbvia dos interesses financeiros.
O golpe de Estado não foi diretamente liderado pelos poderes financeiros, mas pelas instituições, a Comissão Europeia e os chefes de Estado e dos governos da Zona Euro.
A Alemanha não foi o único país envolvido. Mariano Rajoy, em Espanha, ou Pedro Passos Coelho, em Portugal, para não falar do finlandês, do letão e de outros governos claramente neoliberais, queriam demonstrar às suas respetivas populações que as opções apresentadas aos povos europeus pelo governo do Syriza eram impraticáveis.
Assim, a principal motivação foi política.
Evidentemente que que o setor bancário privado e as empresas multinacionais também queriam mostrar que era impossível escapar às políticas de austeridade.
No entanto, é preciso lembrar que os principais credores da Grécia são instituições públicas; desde 2012, quando os bancos privados se conseguiram livrar da sua parte da dívida grega, que deixaram de ser a parte mais interessada.
A reestruturação da dívida que teve lugar permitiu-lhes livrarem-se dela confortavelmente.
Hoje, apesar da falência das políticas económicas que foram impostas à Grécia, a Comissão Europeia, o BCE e a e os países da Zona Euro são defensores de que a Grécia continue no caminho do neoliberalismo.
Lembremo-nos que o FMI também é uma instituição política.
Alexis Tsipras esperava garantias para a reestruturação da dívida em troca da sua capitulação às políticas de austeridade. Os credores concordaram apenas em agendar este ano uma discussão sobre a eventual reestruturação da dívida a partir de 2022. Porquê esta obstinação, se até o FMI já considera a dívida insustentável?
Acho que a reestruturação da dívida é viável antes de 2022.
Os credores dirão «nunca antes de 2022» porque sabem que este plano não vai funcionar e o pagamento da dívida vai ser insustentável.
Eles vão reestruturar esta dívida, desde que as reformas neoliberais sejam implementadas.
A dívida é uma forma de chantagem, um instrumento de dominação.
Basicamente, no caso grego, os credores não tão motivados pelo lucro, por mais importante que seja, mas por ensinarem uma lição ao seu próprio povo e aos povos de outros países periféricos de que não há como fugir a este modelo.
Quando Hollande diz «Reparem, nem Tsipras nem a esquerda radical conseguem escapar ao estrangulamento económico!» é uma forma de justificar a sua própria desistência em 2012 da promessa de renegociar o tratado europeu de estabilidade financeira.
Tinha Tsipras outra escolha face aos violentos ataques dos credores? A alternativa resumia-se a uma saída do Euro?
Não creio.
A escolha não era necessariamente entre o Grexit e a permanência na Zona Euro com um novo pacote de austeridade e a continuação do pagamento da dívida.
Era possível ficar na Zona Euro desobedecendo aos credores por meios legais.
As violações dos direitos humanos estão aqui em jogo.
As autoridades gregas deviam ter suspendido o pagamento da dívida, recuperado o controlo do Banco da Grécia (Antonio Samaras nomeou o seu atual governador, que não serviu os interesses do país) e criado uma moeda eletrónica complementar que poderia ter ajudado a lidar com a crise de liquidez, mantendo-se dentro da Zona Euro.
O Estado deveria também ter dado os passos seguintes:
1. Organizar uma liquidação ordenada dos bancos e transferir os ativos para o setor público (garantindo depósitos até € 100,000), assegurando simultaneamente a proteção dos pequenos acionistas e recuperando os custos da limpeza dos bancos através da riqueza dos maiores acionistas.
2. Reduzir o IVA sobre os bens e serviços básicos, reduzir os impostos das pessoas com menores rendimentos e cobrar impostos altos sobre o rendimento e a riqueza dos 10% mais ricos (em particular do 1% mais rico).
3. Parar as privatizações e reforçar os serviços públicos.
Após o parlamento grego ter adotado o acordo desastroso a 13 de julho, a perspetiva de uma saída voluntária do euro é óbvia.
Que não existe uma solução favorável para os povos dentro da Zona Euro é agora evidente para mais e mais gregos e outros povos europeus.
Em caso de saída voluntária da Zona Euro, as propostas anteriores continuam plenamente válidas e uma reforma redistributiva monetária deverá acompanhá-las.
O BCE, um dos mentores do golpe, está a inundar os mercados financeiros com liquidez e a aumentar a especulação. Pode a injeção de capital servir a economia real, as necessidades sociais e o desenvolvimento humanos?
Claro, mas isto não é o que o BCE tem andado a fazer!
Mario Draghi não é «independente».
Ele é a interface entre os maiores bancos privados e os governos da Zona Euro.
O BCE desestabilizou deliberadamente a economia grega para acomodar a sua, assim como outras propostas dos credores.
Éric Toussaint é professor universitário e porta-voz do CADTM (Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo).
« La BCE a déstabilisé l’économie pourr soumettre la Grèce aux exigences des créanciers» http://t.co/GvIt40m83c pic.twitter.com/dBq8fxW9We
— l'Humanité.fr (@humanite_fr) July 17, 2015
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