segunda-feira, 6 de julho de 2015

Varoufakis e Eurogrupo. A história de uma relação (muito) complicada

Nuno André Martins
06 Julho 2015

Ministro das Finanças pediu demissão após referendo que até deu vantagem ao não, mas não sem antes mandar mais farpas aos seus agora ex-colegas, dizendo que exigiram a sua saída.
















Pouco tempo passava desde que os resultados eram conhecidos e davam o Syriza como vencedor nas eleições de 25 de janeiro e já o seu amigo Sony Kapoor lhe dava os parabéns. 
Yanis Varoufakis demitiu-se e sai como começou, instigando paixões fortes.

Conhecido comentador da esquerda grega nas televisões internacionais, Yanis Varoufakis começou por ser visto como uma lufada de ar fresco. 
Doutorado em economia, especialista em teoria dos jogos, com grande parte da sua formação feita em Inglaterra, foi recebido como tal. 
Os comentadores diziam que Varoufakis iria trazer qualidade a um fórum onde reinava a formalidade. 
Sem gravata, camisa de fora das calças e muita confiança, de capacete em riste e sempre nas câmaras a chegar na sua mota, assim começou o seu caminho.

Durou pouco até chegar o primeiro de muitos conflitos com o Eurogrupo e os restantes membros da troika. 
Cinco dias depois das eleições de janeiro de 2015 que deram a vitória ao Syriza, o presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem, foi à Grécia reunir-se com Varoufakis. 
No final, a tensão foi evidente. 
Varoufakis garantia que o Governo grego não iria pedir uma extensão do programa que terminava naquele mês (acabou por pedir) e que não negociava com a troika, “só com parceiros oficiais”. 
A tensão foi mais que evidente e Dijsselbloem mal esperou para acabar de ouvir a tradução e saiu rapidamente, dizendo apenas ao ministro: “acabaste de matar a troika”.



















Dijsselbloem abandona a conferência de imprensa após dizer a Varoufakis: "mataste a troika"

A 2 de fevereiro, Yanis Varoufakis começa um dos seus périplos destinados a tentar convencer ministros e investidores que a Grécia estava em boas condições. 
O resultado não foi o melhor. 
Em Londres, apresenta os primeiros traços das ideias económicas do novo Governo. Reestruturação da dívida à cabeça. 
Não foi confiança aquilo que os mercados começaram a sentir.

Dois dias depois, era a vez de o Banco Central Europeu tomar uma das decisões que mais condicionou tudo o que viria a seguir. 
Depois de uma reunião do ministro das Finanças grego em Frankfurt, com Mario Draghi, o BCE anunciou que iria deixar de aceitar que os bancos comerciais da zona euro dessem como garantia nos empréstimos junto do BCE dívida pública grega. 
A decisão, explicava o BCE, acontecia porque não havia perspetiva de o programa ser concluído com sucesso, pouco mais de uma semana depois de o Syriza chegar ao poder.

No dia seguinte, o primeiro de muitos duelos com Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças da Alemanha. 
Do encontro entre os dois só saiu discórdia, até sobre a própria discórdia. 
Questionado sobre no que tinham concordado, Schäuble disse que acordaram em discordar. 
Varoufakis responde de imediato, afirmando que nem nisso tinham concordado.



















Schäuble e Varoufakis: Desacordo à primeira vista

Mas foi em Bruxelas que Yanis Varoufakis conheceu os seus mais fortes opositores. 
Nas primeiras negociações para estender o programa da Grécia, que terminava no final de fevereiro, a reunião correu de tal forma que no fim o Eurogrupo acabou como nunca tinha acabado. 
Dijsselbloem foi à habitual conferência de imprensa, mostrando cansaço e exasperação, afirmando que pouco tinha a dizer porque a Grécia nem havia dado acordo para um comunicado conjunto de todos os ministros. 
O Eurogrupo partia-se pela primeira vez entre a Grécia e os restantes 18 membros.

O acordo até acabaria por chegar, apenas para continuar a conversar, quatro dias depois. A 20 de fevereiro, o Eurogrupo estendia o programa, que a Grécia não queria que se chamasse programa por mais quatro meses. 
A troika deixou de se chamar troika, mas continuou a trabalhar como tal. 
As negociações passavam de Atenas para Bruxelas.

Mas as divisões eram já claras. 
Do outro lado, Varoufakis criticava alguns ministros por tentarem minar o acordo, especialmente os países mais pequenos, como teria sido Portugal e o foi, certamente, a Espanha. 
De Guindos, ministro das Finanças espanhol, foi dos mais críticos do colega grego no Eurogrupo. 
Com o tempo, depois de assumir a candidatura à presidência do Eurogrupo, moderou o discurso. 
Mas Espanha continuou a ser dos mais fortes opositores. 
Política?

A Grécia tinha agora até abril para apresentar um desenho das propostas que queria implementar se quisesse receber os 7,2 mil milhões de euros da última tranche do empréstimo, mas a cada reunião os ministros queixavam-se de falta de progressos. 
Yanis Varoufakis insistia nos seus pontos. 
Troika e Europa não cediam.

Pelo meio, polémicas em casa. 
Uma sessão fotográfica com a mulher para a revista francesa Paris Match foi muito criticada pela alegada ostentação numa altura em que o povo grego sofria. 
Surgiram notícias de problemas fiscais com casas da sua mulher, Danae Stratou, e a notícia, confirmada pelo próprio, de que teria sido atacado, juntamente com a sua mulher, por um grupo de anarquistas nas ruas de Atenas.

O momento decisivo acabou por chegar em Riga, capital da Letónia, quando os ministros se reuniram no Eurogrupo informal. 
Era neste Eurogrupo que a Grécia devia apresentar o seu programa de reformas e, a partir daí, começar a implementar o prometido. 
Mais uma vez, não houve progressos. 
Varoufakis foi à reunião fazer mais um longo discurso. 
Do outro lado, os ministros começaram a evidenciar exasperação e frustração.

Sem nada para apresentar, alguns países mais pequenos começaram a pedir um plano B. A Eslovénia fez a sugestão, a Eslováquia e a Lituânia apoiavam a discussão, enquanto a troika se queixava da falta de progressos. 
Letónia e França, até aqui mais defensora da Grécia, também teceram fortes críticas, enquanto outros ministros nem falavam sobre o tema com medo de aparecerem nas notícias.

Varoufakis saiu da reunião com as orelhas a arder e nem sequer se juntou aos ministros das Finanças no tradicional jantar oferecido pela presidência rotativa da União Europeia. Foi jantar com amigos no centro de Riga: “São unânimes no ódio em relação a mim. 
E eu dou as boas-vindas ao seu ódio”, escrevia no twitter. 
O Governo grego dizia que a culpa era dos jornalistas que atacavam o seu ministro, mas o mal estar confirmava-se.















Foi depois de Riga que a situação mudou. 
O presidente do Eurogrupo foi falar com Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego, para lhe dizer que os ministros não queriam continuar a negociar com Yanis Varoufakis. 
A sua presença no Eurogrupo tinha-se tornado disruptiva. 
Tsipras não demitiu Varoufakis, mas escolheu um novo líder para as negociações com a troika , agora chamada Grupo de Bruxelas, ou apenas “instituições”. 
A escolha de Euclid Tsakalotos foi bem recebida na Europa, mas Varoufakis garantia que continuava a mandar.

Seguiram-se dois meses de intensas negociações, encontros do Eurogrupo, cimeiras extraordinárias, programas seguidos de outros programas, propostas seguidas de mais propostas. 
Se, a início, as notícias apontavam para uma melhoria no clima de negociações, a verdade é que os progressos não foram suficientes.

Depois de várias aproximações nas reuniões técnicas, o ministro das Finanças grego surgiu na reunião do Eurogrupo a apresentar propostas e a ler discursos que os restantes participantes diziam não fazerem qualquer sentido. 
No final, como já esperavam, todo o discurso era publicado na íntegra por Varoufakis. 
Até reuniões foram gravadas, num fórum que é suposto ser fechado.

Numa das últimas reuniões com Yanis Varoufakis, o governante disse que não apresentava mais propostas à troika e foi fazê-lo ao Eurogrupo, que já tinha avisado que qualquer proposta teria de passar pela troika. 
Depois de mais uma longa exposição, os ministros não discutiram a proposta e mandaram Varoufakis entregar o documento à troika para que fosse avaliado. 
O grego, visivelmente irritado, queixou-se que a Europa não o quis ouvir. 
A Europa disse que as ideias eram vazias.

Mas o reinado de Yanis Varoufakis não terminaria sem mais um incidente inédito. 
Após o anúncio de Alexis Tsipras de que convocaria um referendo, com o tempo a acabar para se conseguir uma extensão e com os ministros das Finanças da zona euro a juntarem-se mais uma vez em Bruxelas para tentar um acordo de última hora, o governante grego abandonou a reunião antes de ela acabar.

Com o referendo a avançar e o governo grego a fazer campanha pelo “não”, os ministros suspenderam a reunião e voltaram a reunir-se para discutir as implicações da falta de acordo. 
Mas Varoufakis já não fez parte dessa reunião. 
O grego queixou-se da falta de democracia do Eurogrupo, mas a zona euro já se reunia sem o membro que muitos diziam que devia deixar de o ser.

Pelo meio, ainda houve algumas picardias com Christine Lagarde, diretora geral do FMI. 
Ao início até parecia haver uma relação cordial entre os dois, com muitos sorrisos para as fotogragias, entre o casaco de cabedal de Lagarde e o cachecol Burberry do ministro grego, que muita polémica criou. 
Até que Lagarde alegadamente cumprimenta Varoufakis numa das últimas reuniões dizendo: “a criminosa veio dizer olá”. 
Isto depois do Governo grego ter acusado o FMI de ter praticado atos criminosos na Grécia.




















Christine Lagarde e Yanis Varoufakis, em Bruxelas

Yanis Varoufakis fez uma intensa campanha pelo “não”, dizendo, até, que preferia “cortar um braço” a assinar um acordo que não previsse o alívio da dívida pública grega. 
Garantiu que, com a vitória do “sim” se demitiria. 
Mas foi o “não” que o deitou abaixo do Governo.

No final, foi igual a si próprio. 
Demitiu-se com uma publicação no seu blogue, depois de garantir que o “não” grego iria mudar a Europa. 
Na hora do abandono, lançou mais algumas farpas aos ministros europeus: “Pouco depois do anúncio dos resultados do referendo, deram-me conhecimento de uma certa preferência de certos participantes do Eurogrupo, e ‘parceiros’ relacionados, pela minha… ‘ausência’ das reuniões. 
Uma ideia que o primeiro-ministro considerou potencialmente benéfica para o ajudar a chegar a um acordo. 
Por essa razão, abandono hoje [segunda-feira] o Ministério das Finanças”.
























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