segunda-feira, 13 de julho de 2015

Do "golpe de Estado" ao "cão espancado". E agora, Tsipras?

Alexandre Frade Batista
13/07/2015  -  15:13
O líder grego já regressou a Atenas. 
Da multidão que o ovacionou nas vésperas do referendo, nem sombra. 
Não admira. 
Na bagagem, Tsipras levou uma bomba.


















Alexis Tsipras já chegou a Atenas. 
Sem perder tempo, chamou o representante do Syriza no Parlamento, Nikos Filis, e o ministro das Finanças, Euclid Tsakalotos. 
Filis está do lado do Executivo. 
Quem não concordar com as medidas do líder deverá demitir-se imediatamente, afirmou já o parceiro de Tsipras, apontando aos dissidentes, designadamente os que já começaram a perfilar-se dentro da própria equipa governativa.

O primeiro-ministro encontrar-se-á mais tarde com Panos Kammenos, ministro da Defesa e parceiro de coligação através dos Gregos Independentes, no que poderá ser uma contagem de espingardas. 
"Apenas se enfrentarmos o destino de pé mataremos a morte", escreveu Kammenos no Twitter, realçando contudo: "Não se precipitem com conclusões, nada é adquirido".

"Golpe de Estado", "eleições antecipadas", "motim", "capitulação", "de predador a presa". 
Entre tantos ‘soundbytes' criados durante o dia de hoje em torno da proposta de acordo dos credores à Grécia, parece evidente que a estratégia do Governo de Alexis Tsipras está numa posição longe da glória. 
A Bloomberg cita dois responsáveis envolvidos nas negociações que designaram o ar do primeiro-ministro grego como de ‘beaten dog', ou, em tradução literal, "cão espancado".

A agência indica ainda que Tsipras revelou apreensão pela forma como seria recebido em Atenas e designou a noite/madrugada/manhã mais uma inquisição que uma negociação. 
A certa altura, o primeiro-ministro teve de dizer aos seus homólogos que não tinha mandato para vender metade do seu país. 

"Política de humilhação", acusa Varoufakis

Declarações que dão razão a Yanis Varoufakis. 
O ex-ministro das Finanças, na primeira entrevista após deixar o cargo, chamou "política de humilhação" ao que se passou em Bruxelas. 
"Isto nada tem a ver com economia. 
Nada tem a ver com colocar a Grécia no caminho para a recuperação. 
Isto é um novo Tratado de Versalhes, que volta a assombrar a Europa, e o primeiro-ministro sabe-o. 
Ele sabe que está amaldiçoado se o fizer e amaldiçoado se não fizer".

No relato que o Financial Times faz dos trabalhos desta madrugada, ficamos a saber que Tsipras e Merkel estavam em rota de colisão letal para as aspirações da Grécia se manter na zona euro, quando no último sopro das negociações se ouviu a voz de Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu. "Desculpem, mas vocês não saem da sala de maneira nenhuma", indicou o antigo primeiro-ministro polaco.

Tsipras, colocado perante a obrigatoriedade de colocação de activos gregos no valor de 50 mil milhões de euros num fundo sediado no Luxemburgo - ideia alemã, o lado que, em colisão com o francês, dizia que era assim, um acordo pela linha dura, ou o melhor seria a Grécia sair do euro durante cinco anos - recusou a "humilhação nacional". 
Termo que François Hollande assumiu como correcto para o que significaria para a Grécia esta atitude. 
Apesar de ter ganho parte da batalha - o fundo será criado, mas ficará em Atenas, sob supervisão europeia -, Tsipras foi "crucificado", garante um responsável da zona euro ouvido pelo Financial Times.

Nas reacções ao desenlace da cimeira, um dos deputados próximos de Tsipras, Yanis Balafas, já alertou que o Governo pode ruir. 
Citado pela Bloomberg, avisa que "parte dos responsáveis e deputados do Syriza não aceitam as tácticas seguidas pelo nosso primeiro-ministro". 
Ainda assim, Balafas admite que o pior cenário foi evitado. 
Por outro lado, o ministro grego do Trabalho, Panos Skourletis, considera que a oferta de resgate é inviável e que haverá eleições antecipadas este ano. 
Não há apoio entre os deputados da oposição que ajude à criação de um governo de unidade nacional. 
Apesar disto, escreve a Bloomberg, Tsipras garantiu aos líderes europeus que não aceitará rebelião.

Da linha dura do Syriza, a Plataforma de Esquerda - o líder desta tendência, Panagiotis Lafazanis, foi um dos que votou contra a proposta de acordo, na votação grega que durou até depois das 4 horas da madrugada de sábado -, começam a surgir sinais de que a chegada de Tsipras ao hemiciclo poderá não ser pacífica.

E se a aterragem em Atenas, proveniente de Bruxelas, foi pacífica, a noite poderá trazer os fantasmas da revolta popular. 
Para já, sabe-se que o partido de extrema esquerda Antarsya convocou a população para um protesto para esta noite, frente ao Parlamento.

Será ali, no Parlamento, que o primeiro-ministro terá de pedir na quarta-feira a aprovação do acordo que leva de Bruxelas. 
Na votação que durou entre a noite de quinta e a madrugada de sexta-feira, Tsipras teve parte da sua bancada contra si. 
A coligação detém 162 dos 300 lugares, mas no final da discussão, oito deputados que apoiam o Governo abstiveram-se, dois votaram contra a sete nem estiveram presentes.

"Escravidão social"

O site grego Iskra, que, segundo o site noticioso Enikos, está alinhado com a linha dura do partido no poder, afirma que "o novo acordo de resgate assinado por Alexis Tsipras é uma humilhação para a Grécia". 
O artigo fala de "escravidão social" que mantém o país em controlo colonial, sob tutela da Alemanha.

A mesma ideia de "colónia" é defendida por cá, onde Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda - partido nacional que mais se tem colado ao Syriza através de declarações de apoio e da presença em Atenas de vários dos seus dirigentes -, afirmou que a cimeira foi "um verdadeiro golpe de Estado" e que o entendimento final "não foi um acordo, foi uma imposição".

Se Alexis Tsipras conseguir fazer aprovar este acordo - que a maioria considera mais austeritário e duro que a proposta europeia levada a referendo na Grécia e que mereceu a oposição de mais de 60% dos cidadãos gregos que votaram - terá de aguentar pressão suplementar pelo menos até ao final da semana, quando a Alemanha votará este plano no seu parlamento.

A França, que revelou na madrugada de hoje uma posição de força contra a linha dura encabeçada pelo ministro alemão das Finanças - aquele que Varoufakis acusa hoje, no Twitter, de ter dito há meses que queria a Grécia fora do euro - levará a proposta a votação interna logo na quarta-feira.

"Há alívio e raiva em Atenas", escrevia o Guardian ao final da manhã. A essa hora ainda não era conhecida a decisão de manter os bancos gregos fechados até quinta-feira.

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