quinta-feira, 25 de junho de 2015

Grexit: três motivos de alarme, para lá do euro


Catarina Falcão
24 Junho 2015

Uma saída da Grécia da zona euro teria ondas de choque muito para além da moeda única. 

Do poder da Rússia aos Balcãs, passando pela imigração, eis os alertas de eurodeputados e especialistas.

A queda de um líder, atraso nas adesões
Um primeiro-ministro entre a Rússia e a União Europeia
Migrantes já superam total de 2014

As consequências económicas de uma saída da Grécia da zona euro têm sido largamente publicitadas nas últimas semanas, mas para além destes impactos, há questões civilizacionais que se levantam quando se fala de uma possível separação da Grécia dos seus parceiros europeus. 
A Grécia é um país central nos principais problemas que atualmente a União Europeia enfrenta como a estabilidade dos Balcãs, as relações com a Rússia e a resolução dos dos desafios postos pelos migrantes que atravessam o Mediterrâneo.

“A Grécia está entre dois conflitos centrais para a Europa: o conflito da Ucrânia e a luta ao Estado Islâmico”, disse o eurodeputado Paulo Rangel ao Observador. 
Seja nos Balcãs e a legitimidade da democracia na região, seja nas controversas relações coma Rússia, Rangel defende que a situação da Grécia é “complexa”.

Este papel grego, segundo Ana Gomes, eurodeputada do PS, também entra nas contas de Angela Merkel quando se senta à mesa para negociar com Alexis Tsipras o acordo que vai permitir ao país cumprir os seus compromissos com o FMI e com as instituições europeias. 
“As razões geo-estratégicas para a permanência da Grécia, fazem a senhora Merkel tremer. 
É um assunto que vai para além dos ministros das Finanças dos 28, diz respeito aos projecto de paz que é a Europa”, disse a eurodeputado ao Observador, afirmando ainda que espera que “prevaleça o bom senso, para além das razões económicas”.

1. Balcãs, a vizinhança da Grécia
A queda de um líder, atraso nas adesões

A Grécia faz fronteira terrestre com a Albânia, a Macedónia, a Bulgária e a Turquia e, ficando a Sul dos Balcãs, foi durante muitos anos um dos países com maior relevância numa região marcada pela guerra recente, pelas disputas territoriais e pela influência omnipresente da Rússia. 
É também um dos maiores parceiros comerciais destes países, assegurando uma relativa estabilidade nas importações e exportações até há alguns anos. 
O declínio da Grécia nos últimos anos afetou os seus vizinhos e pode estar a pôr em causa o possível alargamento da UE àquela parte do continente.






















Em caso de saída do euro, Gledis Gjipali, presidente do Movimento Europeu da Albânia – think tank espalhado por toda a Europa que defende a progressiva integração do espaço europeu -, diz ao Observador que as consequências para a região seriam muito negativas, mais até a nível simbólico do que em termos económicos. “Acho que vai ter um impacto negativo especialmente no que diz respeito à imagem da Albânia e de toda a região. 
A nossa região já é vista como sendo pouco desenvolvida do ponto de vista económico e da própria democracia, havendo problemas conhecidos com a corrupção e o crime organizado. 
Uma possível saída só vai comprometer mais a nossa imagem e sugerir que esta parte do sul da Europa não está pronta para integrar o projeto europeu”, afirmou.

Os efeitos diretos da crise grega na Albânia fizeram sentir-se lentamente nos últimos anos, mas os impactos negativos são notórios. Antes da crise havia mais de 700 mil albaneses a viverem na Grécia e as suas remessas para as famílias que ficaram no país, eram um importante reforço da economia. 
No entanto, a falta de trabalho, fez com que muitos emigrantes decidissem voltar à Albânia onde apesar de haver desemprego, os custos de vida são mais baixos. 
Este rápido retorno de população pesa agora no magro orçamento albanês, já que foi preciso acomodar estas pessoas a nível económico e dos serviços.

“No sul, junto à fronteira, foi preciso reforçar as escolas com mais professores e há problemas de integração já que os filhos dos emigrantes albaneses nasceram na Grécia e não sabem falar nem escrever a nossa língua”, indicou Gledis Gjipali.


Os maiores perigos de contágio à economia dos países vizinhos em caso de saída da Grécia da zona euro prendem-se com as relações comerciais e com os bancos gregos que operam nestes países. 
O governador do Banco Central da Macedónia já disse que o “país estava preparado e não haveria efeitos sérios de uma potencial saída da Grécia da zona euro”, relata ao Observador Andreja Stojkovski, investigador e diretor do MECT, um think-tank que advoga pela União Europeia junto da opinião pública da Macedónia.
























O Comissário Johannes Hahn, responsável pelo alargamento europeu, com o primeiro-ministro da Macedónia, Nikola Gruevsk, este mês ao anunciar a realização de eleições antecipadas.

Apesar de a Grécia ser o maior investidor estrangeiro na Macedónia, os setores do retalho e do petróleo – áreas preferenciais das empresas gregas que investem no país – não foram muito afetadas pela crise.

A Macedónia é uma das principais preocupações para o eurodeputado Paulo Rangel em termos de consequências geopolíticas da saída Grécia da zona euro, já que o país vive atualmente uma crise política que o eurodeputado caracteriza como “barril de pólvora”. 
“É um Estado muito parecido à Bósnia antes da guerra e pode tender para o lado da Rússia”, afirmou ao Observador.

O país, que está em processo de eleições antecipadas depois de um período conturbado em que a oposição bloqueou o Parlamento e escutas denunciaram casos flagrantes de corrupção no Governo, é um candidato à adesão à UE, mas as conversas são muitas vezes travadas pela própria Grécia devido a um conflito antigo com o país. 
O nome Macedónia causa um conflito entre os dois Estados há anos, levando a que a Macedónia seja formalmente conhecida como FYROM ou Former Yugoslav Republic of Macedonia nas organizações internacionais. 
A Grécia alega que o nome Macedónia é uma provocação e é uma interferência no seu território já que uma das suas províncias também se chama Macedónia.

Andreja Stojkovski diz que haverá “um passo positivo” da Grécia nas negociações com a Macedónia – paradas em consequência da crise – já este mês quando Nikos Kotzias, ministro dos Negócios Estrangeiros grego, visitar o país este mês de junho.

A crise na Grécia não afetou a vontade da Macedónia de integrar a União Europeia. 
“A nossa sondagem, cujos resultados foram divulgados esta terça-feira, mostra que o apoio à UE é de 67%, A percentagem é ainda maior quando se fala nos benefícios económicos de pertencer à UE e esta é a instituição em que dos macedónios mais confiam, logo a seguir ao Exército e à NATO”, revelou o investigador. 
Há na opinião pública até a crença de que uma saída da Grécia da zona euro pode enfraquecer a sua posição e assim retirar os entraves à adesão da Macedónia. 
“Este é um argumento ignorante e não é apoiado pelas principais figuras políticas”, defende Stojkovski.

No caso da Albânia, Gledis Gjipali diz que a Grécia é um dos principais defensores da integração do país na União e que a sua saída UE, vai enfraquecer os aliados da região. 
Segundo Stojkovski, países como a Eslovénia tentaram ocupar o papel de líder económico e político, mas sem sucesso, especialmente devido às suas condições económicas. 
Já a Bulgária, país também membro da União Europeia, não é visto pelos restantes países da região como sendo capaz de assumir esta responsabilidade, em parte devido à grande influência que a Rússia ali exerce

“Há um sentimento eslavo muito forte nesta região. 
O Montenegro conseguiu cortar aos laços com a Rússia, mas foi o único. 
A Rússia mantém relações muito fortes com a Sérvia e Merkel já discutiu isto como o primeiro-ministro Aleksandar Vučić”, diz Stojkovski, defendendo que as ligações com a Rússia podem não parecer fortes, mas apenas “abertamente”, já que pode haver um problema geo-político entre o Ocidente e Rússia num curto horizonte de tempo.


2. Relações com a Rússia

Um primeiro-ministro entre a Rússia e a União Europeia

“O problema da Grécia, não é grego, é europeu. 
Quando se deve muito a alguém, então o problema já não é nosso, é de quem nos emprestou dinheiro – e essa é a leitura correta sobre este assunto”, brincou Putin depois do encontro da última sexta-feira com Tsipras em São Petersburgo. 
Apesar de ter subido ao poder num momento em que as relações entre a União Europeia e a Rússia estão de costas voltadas devido aos confrontos na Ucrânia, o primeiro-ministro grego não tem hesitado a recorrer à Rússia nos momentos de maior pressão por parte de Bruxelas.




















Neste último encontro, o primeiro-ministro grego saiu da Rússia com a promessa da extensão do gasoduto Turetskiy Potok, que passará pela Turquia e pela Grécia, trazendo gás vindo da Rússia diretamente para a Europa. 
Para a eurodeputada Ana Gomes, trata-se de uma afronta ao projeto da União da Energia que está a ser preparada pelos 28 de modo a diversificar as fontes de combustíveis e diminuir as dependências da UE face à Rússia. 
“O comportamento da Europa está a dar trunfos a Putin e a Grécia está a jogar esse caminho”, afirmou a eurodeputada ao Observador.
Se a UE quer que a Grécia pague as suas dívidas, devia estar interessada em que a economia grega cresça. Deviam aplaudir-nos. Qual é o problema de criar postos de trabalho na Grécia?”, disse Putin
O acordo para o gasoduto foi firmado entre os dois líderes na sexta-feira e a Grécia pode lucrar milhões em pagamentos de trânsito do gás, ganhando já com o investimento inicial da construção da estrutura do gasoduto, no qual a Rússia vai investir cerca de 2 mil milhões de euros. 
O Turetskiy Potok apareceu como alternativa ao mega gasoduto South Stream que deveria atravessar o Mar Negro, passando pela Bulgária e depois abastecer diretamente toda a Europa. 
A rota alternativa do gás russo é a Turquia e uma extensão posterior à Grécia para que o gás chegue à mesma à Europa. 
Este projeto deverá começar a ser construído já em 2016.

A proximidade da Grécia à Rússia tem implicações em matérias que ultrapassam a questão económica. 
“A proximidade à Rússia levanta dúvidas quanto à fidelidade da Grécia à NATO”, defende o eurodeputado Paulo Rangel em declarações ao Observador. 
O social-democrata reforça esta ideia dizendo que a Rússia está a criar um eixo da Crimeia à Grécia, passando pela Roménia – eixo que se agrupa também devido à religião ortodoxa, que é a principal nestes territórios. 
“A Rússia não tem capacidade económica e financeira para resgatar a Grécia, mas financia partidos no Ocidente e pode corromper políticos. 
A orientação da Grécia para a Rússia seria muito complexa para a Europa”, conclui o eurodeputado.

Esta proximidade entre Tsipras e Putin não preocupa só a Europa, nomeadamente Angela Merkel (que pretende a rápida resolução do conflito na Ucrânia e o rápido restabelecimento das fronteiras entre a Rússia e o país), chegando aos Estados Unidos. 
Este fim de semana, Jack Lew, secretário de Estado do Tesouro norte-americano, avisou Tsipras que deveria chegar a acordo com os seus credores, já que as primeiras e piores consequências da crise recairiam desde logo no povo grego. 
Por agora, a Grécia já deu um sinal importante, precisamente esta semana, ao não vetar a extensão das sanções comerciais dos 28 contra a Rússia – uma medida que só poderia ser prolongada com o acordo de todos os Estados-membros.


3. Rotas migratórias

Migrantes já superam total de 2014

Só desde o início de 2015, a ilha grega de Leros, muito próxima da Turquia, já recebeu mais de 3.500 pessoas – cerca de metade do número total da sua população – vindas em barcos de borracha e insufláveis. 
Na sua maioria vêm da Síria e do Afeganistão e cada um paga cerca de 1.000 euros aos traficantes turcos pela viagem. 
Os preços desta travessia arriscada têm vindo a diminuir ao longo dos anos e neste momento a ilha não tem condições para alojar todos os migrantes que ali chegam diariamente. 
Este drama repete-se um pouco por todas as ilhas gregas, onde diariamente chegam mais de 1.000 pessoas em busca de asilo na União Europeia.

Tal como em Leros, várias ilhas gregas estão confrontadas com o mesmo problema, levando a tensões constantes entre os habitantes e quem foge aos conflitos que assolam as suas terras natais. 
Os centros de acolhimento e as forças marítimas, habituadas a resgatar e acolher algumas centenas de migrantes na última década, não têm capacidade para dar resposta aos milhares de pessoas que chegaram desde o início de 2015.


























Atenas tem vindo a chamar a atenção para este problema, ameaçando até dar passagem aos migrantes sem qualquer verificação, “inundando” Berlim com imigrantes, como chegou a referir Panos Kammenos, ministro da Defesa, em março. 
Entretanto, o plano da Comissão Europeia para as migrações, que inclui a introdução de quotas entre os 28 para reinstalar migrantes noutros países, aliviando assim a Grécia e a Itália, parece ainda não ter solução. 
Em visita a Atenas no fim de maio, Dimitris Avramopoulos, comissário das Migrações – de nacionalidade grega -, disse que “a Europa está ao lado Grécia e solidária para resolver os desafios iminentes e substanciais” das migrações. 
Foi então discutida a ativação de um mecanismo de emergência para a relocalização imediata de migrantes que aguardam a resolução dos seus pedidos de asilo na Grécia. 
Os detalhes desta medida deverão ser acertados no Conselho Europeu desta quinta-feira, que tem as migrações como um dos principais pontos de discussão.

Este é também o desejo dos migrantes, já que os relatos recolhidos pelos jornais locais e pelas agências noticiosas denotam que a maior parte das pessoas que chegam à Grécia não tem este país como destino final – antes a Alemanha, a França ou a Áustria. 
“Nós queremos ir mais longe para países como Alemanha, Suíça, França, qualquer lugar, mas não queremos ficar na Grécia. 
A Grécia é apenas um ponto de passagem”, disse um migrante paquistanês detido num centro de acolhimento na ilha de Kos à Sky News.
























O cenário que está a frente não parece melhor: a ONU já veio dizer que os números de migrantes vão continuar a subir. 
“É expectável que o número de pessoas continue a aumentar durante o verão, altura em que as condições climatéricas fazem com que a travessia entre a Turquia e as ilhas gregas seja menos perigosa”, disse William Spindler, porta-voz do gabinete de António Guterres, Alto-comissário da ONU para os refugiados na semana passados. 
A seguir a Itália, o gabinete do antigo primeiro-ministro português já veio dizer que a Grécia é a situação mais preocupante, não só devido ao aumento no número de imigrantes, mas às fracas condições económicas do país para acolher quem chega.

A mesma rota, apelidada de Mediterrâneo Leste, também atinge Chipre. Kyriakos Georgiou, investigador na Universidade de Nicósia, relata ao Observador que ao contrário do que acontece na Grécia, a receção de imigrantes tem decrescido, já que com a crise financeira que atingiu o país em 2013, os benefícios para os migrantes foram cortados de forma abrupta. 
Georgiou explicou que o facto de ser uma ilha e de os migrantes “não terem possibilidade de relocalização” para o continente europeu, também tem demovido quem se arrisca no Mediterrâneo.

Pode daqui inferir-se que risco teria uma saída da Grécia do euro nesta tragédia mediterrânica? 
A União está a arriscar “a segurança do Mediterrâneo” e a receção dos refugiados no país, entende Ana Gomes, eurodeputada socialista.

Sem comentários:

Enviar um comentário