OPINIÃO
ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX
2 de Outubro de 2017, 13:29
A dura investida do poder centralista de Madrid sobre os catalães é um erro que vai sair caro à unidade do Reino de Espanha.
Catalunha.
Um erro de palmatória que, curiosamente e no essencial, uniu, nestas semanas, o governo de Rajoy e a oposição do PSOE. A dura investida do poder centralista de Madrid sobre os catalães é um erro que vai sair caro à unidade do Reino de Espanha.
Digo Reino, apesar de um silêncio ensurdecedor do Rei Felipe VI, que é ou deveria ser o garante da unidade espanhola.
Na verdade, reprimir a ideia independentista e o acto referendário foi estúpido.
Aquilo que restava de uma abordagem mais racional e pacífica terá passado, vulcanicamente, para uma paixão feita de emoções tão divergentes no alfa como convergentes no ómega.
Provavelmente, um referendo antes feito na serenidade e na natural aceitação da opção popular maioritária teria dado uma vitória ao “Não” à independência.
Tal resultado não digo que mataria, mas anestesiaria durante muito mais tempo a ânsia e precipitação independentistas.
Assim, foi o contrário.
A agitação incendiou as partes, a violência foi desproporcionada, a jigajoga referendária não passaria numa auditoria séria (além de que, no compulsivo unanimismo gerado, o voto no “Não” esteve à partida limitado senão mesmo censurado).
Agora será apenas uma questão de tempo — a única variável que passa a estar em jogo — para a independência.
Famílias divididas, amigos separados, gerações apartadas, eis o resultado social de tudo isto.
Afinal, já neste século houve referendos independentistas, sem dramas, na Escócia e no Quebec, em que o “Não” saiu vencedor.
Ou um outro em que Montenegro se separou da Sérvia.
Tudo num registo democrático que não deixou sequelas inultrapassáveis.
Não pretendo julgar da bondade ou não da independência catalã.
Haverá, por certo, argumentos válidos e respeitáveis de um lado e do outro.
Que sempre deverão ser vigorosamente discutidos e escalpelizados.
Mas também isso corre o risco de já não contar para o futuro.
Em 24 de Setembro, o diário El País intitulava uma longa análise sobre esta situação de “mitos e falsidades do independentismo”.
Embora sendo uma posição de parte e comprometida, há alguns aspectos que retive como interessantes para ajuizar sobre o caso.
Por exemplo, o facto de os catalães terem sido os que, em 1978, mais apoiaram a Constituição (90,46%), que agora é a barreira legal para o avanço independentista.
Um outro relaciona-se com a apregoada síntese de uma “Espanha que nos rouba e que fora dela seremos mais ricos”.
Sobre esta afirmação, há cálculos e artimanhas para todos os gostos.
Todavia, se as contas oficiais de 2014 evidenciam que a Catalunha é contribuinte líquida no seio de Espanha (9892 milhões de euros, correspondentes a 5,02% do seu PIB), também nos dizem que fica atrás da região de Madrid (19.205 milhões de euros, ou seja, 9,8% do seu PIB).
Um ponto delicado é o de uma Catalunha independente querer continuar na União Europeia e na zona euro.
Com a secessão, todos os Estados-membros teriam de aprovar o seu ingresso. Incluindo a Espanha...
Não se vê, pois, como tal poderia acontecer.
A propósito deste tema, uma nota final sobre o caminho tortuoso da política externa da União Europeia (e, em algumas situações, também da NATO).
O caso mais ignóbil foi o do Kosovo.
Ainda que de maioria albanesa, o Kosovo era uma província da Sérvia.
Por razões da guerra surda Ocidente-Rússia, a UE e a NATO acharam que o melhor era bombardear e ajoelhar Belgrado.
Já em 1992 haviam apoiado vivamente o referendo independentista na Bósnia, com consequências bem dramáticas.
Que coerência e autoridade têm face à Catalunha?
Por isso, agora, nem uma palavra sobre Espanha e sobre a Catalunha.
Perdida na sua errática política, a União faz-de-conta umas vezes e bombardeia outras vezes.
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