SOFIA LORENA,
em Barcelona 1 de Outubro de 2017, 22:52
Puigdemont abre a porta à declaração unilateral de independência já nos próximos dias. “Votámos, votámos”, é o grito mais ouvido agora entre os catalães. “Independência, independência”, repetem. Rajoy não está a ouvir.
O primeiro-ministro espanhol parece não ter-se dado conta, mas este domingo a Catalunha ficou mais longe do que nunca da Espanha pós-guerra civil e pós-franquismo.
“Fizemos o que tínhamos de fazer e cumprimos a nossa obrigação, actuando dentro da lei e sempre dentro da lei”, afirmou, ao início da noite.
Da boca de Mariano Rajoy não saiu uma palavra sobre os 847 feridos, alguns em estado grave, nem dele se ouviu a expressão carga policial.
Já se sabia que a distância política entre Barcelona e Madrid é cada vez maior do que a geográfica.
Mas este domingo bastava a Rajoy ter saído à rua, talvez bastasse ir à janela, e teria ouvido os manifestantes que se juntaram nas Portas do Sol de Madrid para condenar a repressão com que a Polícia Nacional e Guarda Civil desalojaram assembleias de voto por toda a Catalunha.
“Madrid está com o povo catalão”, cantou-se.
As imagens, essas já nunca vão desaparecer.
Foram vistas em Espanha e no resto do mundo.
Terão de passar anos até começarem a ficar menos nítidas nas mentes de muitos catalães. Agentes a lançarem civis de diferentes idades escadas abaixo, a arrastarem gente pelos cabelos, a deixarem senhoras de cabelo branco de rosto ensanguentado, a espancarem jovens e menos jovens ou a arrancar urnas de voto da mão de voluntários e eleitores.
Marta Torrecilla fazia parte de uma mesa de voto na escola Pau Claris, de Barcelona.
Há um vídeo onde se vê a ser arrastada pelo chão e depois por umas escadas, às mãos de membros da Polícia Nacional.
“Só estava a tentar defender as pessoas mais velhas”, explicou depois, ouvida por diferentes jornais e rádios.
“Nas escadas mexeram-me, com a roupa levantada, e depois partiram-me todos os dedos da mão, um a um.
É muita maldade.”
“Viste os vídeos da violência?
Eu já não consigo ver mais.
No fim, entraram em poucas escolas, mas onde foram portaram-se como bárbaros.”
Albert acordou domingo já muito nervoso, mal dormiu na verdade.
“Fui eu que trouxe as urnas”, conta, sentado na sala de aulas que foi assembleia de volta e quando a contagem está mesmo a terminar na escola Joan Miró, no bairro residencial de Eixample.
“Dei voltas e voltas antes de entrar.
Tinha as urnas em casa, mas só quiseram entregá-las de véspera.
Nem imaginas os nervos com que andada.
Nem nos deixavam levar os telemóveis para as reuniões”, descreve.
Albert aguentou até aqui mas não pode mais.
Baixa a cabeça e começa a chorar, é o momento de descompressão que adiou até poder.
slorena@publico.pt
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