segunda-feira, 2 de outubro de 2017

O dia em que Espanha perdeu a Catalunha

CATALUNHA
SOFIA LORENA, 
em Barcelona 1 de Outubro de 2017, 22:52


























Puigdemont abre a porta à declaração unilateral de independência já nos próximos dias. “Votámos, votámos”, é o grito mais ouvido agora entre os catalães. “Independência, independência”, repetem. Rajoy não está a ouvir.

O primeiro-ministro espanhol parece não ter-se dado conta, mas este domingo a Catalunha ficou mais longe do que nunca da Espanha pós-guerra civil e pós-franquismo. 
“Fizemos o que tínhamos de fazer e cumprimos a nossa obrigação, actuando dentro da lei e sempre dentro da lei”, afirmou, ao início da noite. 
Da boca de Mariano Rajoy não saiu uma palavra sobre os 847 feridos, alguns em estado grave, nem dele se ouviu a expressão carga policial.

Já se sabia que a distância política entre Barcelona e Madrid é cada vez maior do que a geográfica. 
Mas este domingo bastava a Rajoy ter saído à rua, talvez bastasse ir à janela, e teria ouvido os manifestantes que se juntaram nas Portas do Sol de Madrid para condenar a repressão com que a Polícia Nacional e Guarda Civil desalojaram assembleias de voto por toda a Catalunha. 
“Madrid está com o povo catalão”, cantou-se.

As imagens, essas já nunca vão desaparecer. 
Foram vistas em Espanha e no resto do mundo. 
Terão de passar anos até começarem a ficar menos nítidas nas mentes de muitos catalães. Agentes a lançarem civis de diferentes idades escadas abaixo, a arrastarem gente pelos cabelos, a deixarem senhoras de cabelo branco de rosto ensanguentado, a espancarem jovens e menos jovens ou a arrancar urnas de voto da mão de voluntários e eleitores.

Marta Torrecilla fazia parte de uma mesa de voto na escola Pau Claris, de Barcelona. 
Há um vídeo onde se vê a ser arrastada pelo chão e depois por umas escadas, às mãos de membros da Polícia Nacional. 
“Só estava a tentar defender as pessoas mais velhas”, explicou depois, ouvida por diferentes jornais e rádios. 
“Nas escadas mexeram-me, com a roupa levantada, e depois partiram-me todos os dedos da mão, um a um. 
É muita maldade.”

“Viste os vídeos da violência? 
Eu já não consigo ver mais. 
No fim, entraram em poucas escolas, mas onde foram portaram-se como bárbaros.” 
Albert acordou domingo já muito nervoso, mal dormiu na verdade. 
“Fui eu que trouxe as urnas”, conta, sentado na sala de aulas que foi assembleia de volta e quando a contagem está mesmo a terminar na escola Joan Miró, no bairro residencial de Eixample.

“Dei voltas e voltas antes de entrar. 
Tinha as urnas em casa, mas só quiseram entregá-las de véspera. 
Nem imaginas os nervos com que andada. 
Nem nos deixavam levar os telemóveis para as reuniões”, descreve. 
Albert aguentou até aqui mas não pode mais. 
Baixa a cabeça e começa a chorar, é o momento de descompressão que adiou até poder.

slorena@publico.pt

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