ÁLVARO DOMINGUES
17 de Outubro de 2017, 7:11
Estamos no século XXI, o Conde Duque de Olivares já morreu, o Franco também e a história não acabou.
Tirando os reis dos contos de fadas, há outros que não devem nada à sua absoluta inutilidade para os altos cargos que detêm ao serviço do povo.
Ballester chamava rei pasmado a um desses: tinha visto uma mulher nua num bordel e queria ver também a rainha sem roupa.
A santa inquisição fazia-lhe a vida negra.
Outro rei de agora, caixa castelhana de ressonância do mais primário autoritarismo e centralismo, invoca moinhos de vento legalistas e constitucionais para turbinar a poeira onde nos querem confundir acerca do que é a democracia como coisa unicamente pendurada numa constituição e nas leis como se fossem as tábuas do profeta escritas directamente pelo desígnio da divindade, ou isso, ou o caos.
Não é.
Espanha é um mosaico cultural feito de formações históricas diversas e colado à força pela hegemonia castelhana, a repressão militar, o catolicismo fanático e a mistura dinástica do sangue azul.
É escusado agitar os fantasmas românticos do nacionalismo ou admitir que só existe um nacionalismo, que é castelhano e está centrado em Madrid.
Estamos no século XXI, o Conde Duque de Olivares — muitos reinos mas uma só lei — já morreu, o Franco também e a história não acabou.
Em 1640, o absolutismo monárquico castelhano perdia Portugal e arriscava-se a perder a Catalunha, os Países Baixos e Nápoles e ainda a procissão vinha no adro.
Felipe IV, o gordo, o grande, o rei planeta estava numa embrulhada.
Por isso continuava a fazer filhos bastardos.
No complicado xadrez da Europa de então jogava-se a hegemonia entre a França (inimiga de Espanha) e a Inglaterra.
Portugal e a Catalunha estavam dentro desse jogo.
Sem capacidade para tudo, Madrid apostava na Catalunha, em armas desde Junho do mesmo ano de 1640 e aliada com o rei de França.
E hoje?
A Europa transformou-se numa molhada amorfa, politicamente correcta assobiando para o lado com o argumento de que o assunto catalão é um assunto interno.
O rei, pasmado com a situação, chove no molhado repetindo a missa dos novos condes duques madrilenos.
Os mercados — a única coisa que realmente tem poder — não gostam de instabilidades e porque são muito estáveis, como se sabe, vão fazendo a sua vidinha mudando sedes de bancos e empresas de Barcelona para fora.
A política vive, apesar de tudo, e há a rua, as redes sociais, a TV, a imprensa, o Parlamento, a Generalitat, as ramblas, as praças, os votos, a voz.
Não existem assuntos internos no mundo de hoje.
Existem apenas assuntos e melhor seria que fossem tratados de maneira menos opaca por políticos que tivessem estatuto para tal.
Há muito quem pense que os mercados e as suas mãos visíveis bastam para o povo se governar e que política é ruído.
Os mercados são feitos de dinheiro enlouquecido.
São perigosos e não deviam andar sós.
O mesmo reino que em 1640 se separou de Espanha — coisa ilegal e anticonstitucional, claro — não quererá oferecer uma plataforma diplomática, um chat, uma mesa, um café e um crema catalana, uma “geringonça”, sei lá, para aclarar assuntos externos e internos, europeus, ibéricos?
Porque se queixa depois que a Europa está choca?
Porque não ajuda a tentar provar que a Europa existe toda partidinha como sempre?
Geógrafo; Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto
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