segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Um grito cansado

Catalunha   Opinião
Luís Russo
29 out 2017 19:38

A proclamação da República Catalã é apenas o reflexo da exaustão de todos os outros caminhos possíveis para fazer representar, por via concertada, o mandato de quase ou ligeiramente mais da metade da população catalã — premissa que só se poderia verdadeiramente verificar através de um referendo reconhecido por Madrid, sem intimidações, sem urnas roubadas e com escrutínio internacional — que detém maioria no Parlamento da Catalunha (Parlament), em formato de coligação improvável, é certo, mas uma maioria tão legítima quanto a que temos na nossa Assembleia da República.

"Quando os cidadãos pedem um referendo porque querem opinar, a resposta não pode ser: 'tranquilos, não se preocupem, confiem em mim'. 
Que piada vem a ser esta? [...] Deitar-se-iam por terra todas as propostas de diálogo. [...] Esta é a voz dos cidadãos, senhores deputados, e é muito fácil ouvi-la. 
E convém fazê-lo".

Esta frase é de Rajoy, em 2006, quando reclamava a realização de um referendo em todo o Estado para a aprovação do Estatuto de Autonomia da Catalunha, e encarna o principal problema de que padece a gestão do braço de ferro entre Madrid e Barcelona: a utilização por parte do PP de qualquer argumento político que convenha a finalidade última de vencer a batalha territorial.

É um jogo, ambos (Generalitat e governo central espanhol) jogam e ambos querem vencer, sem espaço para concessões. 
A triste realidade é que quem não escolhe um lado acaba sempre por defender uma quimera: ou uma reforma constitucional que permitisse realizar um referendo mas em que seria o conjunto dos espanhóis que seriam consultados, o que não resolve a questão de base já que demograficamente a Catalunha é minoritária dentro de Espanha; ou posições como a do Podemos, defendendo um referendo reconhecido por Madrid, que se realize com garantias e onde se seduzam os catalães a permanecer em Espanha, mas sem apresentar propostas concretas de como permitir que esta opção (naturalmente impedida pela Constituição) acontecesse, tratando-se, no fim do dia, de um jogo perigoso de luz e sombra que serve mais propósitos eleitorais que uma verdadeira solução.

Mas nem sempre foi um jogo. 
Tempos houve em que se procurou uma via concertada, primeiro através da referida reforma do Estatuto da Catalunha, garantia de maior autonomia política em relação a Madrid, aprovada pelo Senado espanhol e Parlament, e referendada na Catalunha no princípio da década passada. 
No entanto, em 2010 o Tribunal Constitucional retirou alguns artigos do Estatuto e esvaziou de validade jurídica o reconhecimento da Catalunha como "Nação", o que, aliado à vitória do PP nas eleições de 2011, levou ao crescimento da pejorativamente chamada "fábrica de independentistas". 
Por fim, esta tornou-se um verdadeiro "complexo industrial" a partir de 2012 com as mobilizações multitudinárias que a partir desse ano se realizaram, materializando uma aspiração política não correspondida e que não encontrava espaço na esfera institucional.

Como em política é impossível ignorar metade da população indefinidamente, a Generalitat viu-se (a princípio relutantemente) obrigada a veicular a causa independentista, primeiro através de uma consulta não vinculativa em 2014, sendo que depois tiveram lugar as eleições de 2015, em que venceu uma maioria independentista. 
Por fim, e face à posição estanque do Estado de ignorar que esta gente sequer existe, dá-se agora o "rebentar da barragem" que representa o referendo unilateral e a Declaração Unilateral de Independência (DUI).

O Reino de Espanha amanheceu este sábado com um manancial de críticas ao que sucedeu no Parlament. 
Que os catalães querem a independência é algo com que podemos concordar ou não, mas, inegavelmente, nunca foi este o ponto central das aspirações de 80% dos catalães, que é o direito a serem ouvidos. 
Que o referendo não teve garantias; é tão verdade como mentira a foto profusamente partilhada nas redes do eleitor que votou quatro vezes, como a observação em primeira mão das pessoas que, como eu, no dia 1 de outubro, estiveram nas mesas de voto e verificaram que efetivamente existia um censo eletrónico, cuja fiabilidade é todavia impossível de apurar. 
Que o mandato popular que saiu do referendo não reflete uma maioria representativa da sociedade catalã; estima-se que tenham votado a favor da independência 40% dos eleitores catalães, cifra que é de resto o dobro da que votou no Governo que legitimamente governa Espanha (aproximadamente 7,9 milhões de votantes, numa população eleitoral de 37 milhões, ou seja, cerca de 21% dos espanhóis) e que aplica o artigo 155, que suspende a autonomia da região.


Atravessou-se o Rubicão. 
No dia 9 deste mês e perante o pérfido silêncio da União Europeia, o porta-voz do PP referiu que desejava que no dia seguinte Puigdemont não declarasse a independência "porque talvez o que a declare acabe como o que a declarou há 83 anos". 
A referência é a Lluis Companys, Presidente da Generalitat fuzilado por Franco em 1940 por ter declarado o Estado Catalão integrado na República Federal Espanhola.

Este episódio serve apenas como mais um exemplo da forma como a maior parte de Madrid perceciona a unidade territorial de Espanha, tendo culminado na proclamação — sem quase nenhum efeito prático a não ser uma escalada viciosa de represálias e de desafeição civil e administrativa — de uma Republica Catalã, que mais não é que o grito cansado de uma gente que se fartou de viver num regime polarizado, pouco tolerante e herdeiro de um período de transição entre uma forma mais pesada e outra mais leve de autoritarismo.

Luís Russo estudou Ciência Política em Lisboa e Estudos Europeus na Bélgica. Desde 2012 que acompanha de perto a realidade catalã, tendo acompanhado o dia do referendo em vários colégios de Sabadell e Barcelona.

Catalunha: Procuradoria-geral acusa líderes do governo destituído de rebelião e sedição

Catalunha
MadreMedia / Lusa
30 out 2017 11:55

























O Ministério Público espanhol apresentou hoje acusações contra os principais membros do governo catalão por rebelião, sedição e fraude e contra a presidente do Parlamento regional e os membros da mesa que processaram a declaração de independência.

O procurador-geral do Estado espanhol, José Manuel Maza, anunciou que a acusação contra o presidente catalão destituído, Carles Puidgemont, e o seu governo foi apresentada junto da Audiência Nacional, enquanto a acusação contra Carme Forcadell e os membros da mesa foi dirigida ao Supremo Tribunal.

Esta mensagem acontece horas depois do presidente destituído da Catalunha ter publicado na rede social Instagram imagens em que aparece fotografado no interior da sede do governo, em Barcelona, com a mensagem: “Bom dia”.

O texto que acompanha a fotografia não especifica se a fotografia foi feita hoje ou se foi captada anteriormente.

O parlamento regional da Catalunha aprovou na sexta-feira a independência da região, numa votação sem a presença da oposição, que abandonou a assembleia regional e deixou bandeiras espanholas nos lugares que ocupavam.

Ao mesmo tempo, em Madrid, o Senado espanhol deu autorização ao Governo para aplicar o artigo 155º. da Constituição para restituir a legalidade na região autónoma.

O executivo de Mariano Rajoy, do Partido Popular (direita), apoiado pelo maior partido da oposição, os socialistas do PSOE, anunciou ao fim do dia a dissolução do parlamento regional, a realização de eleições em 21 de dezembro próximo e a destituição de todo o Governo catalão, entre outras medidas.

Em resposta, o presidente do governo regional destituído, Carles Puigdemont, disse não aceitar o seu afastamento e pediu aos catalães para fazerem uma “oposição democrática”, numa declaração oficial gravada previamente e transmitida em direto pelas televisões.


[Notícia atualizada às 15.58. Corrige o título para Procuradoria-geral.]
Catalunha
MadreMedia / Lusa
30 out 2017 13:13

























O presidente destituído do governo catalão, Carles Puigdemont, viajou para Bruxelas, capital belga, revelaram hoje fontes oficiais do Governo espanhol.

A informação, avançada pelas agências noticiosas Efe e Associated Press, foi confirmada uma hora depois de o procurador-geral, José Manuel Maza, ter anunciado a acusação contra os principais membros do governo catalão por rebelião, sedição e fraude e contra a presidente do Parlamento regional e os membros da mesa que processaram a declaração de independência.

Segundo o jornal espanhol La Vanguardia, além de Puigdemont, encontram-se também na Bélgica “outros membros do Governo destituído”.

O parlamento regional da Catalunha aprovou na sexta-feira a independência da região, numa votação sem a presença da oposição, que abandonou a assembleia regional e deixou bandeiras espanholas nos lugares que ocupavam.

Ao mesmo tempo, em Madrid, o Senado espanhol deu autorização ao Governo para aplicar o artigo 155º. da Constituição para restituir a legalidade na região autónoma.

O executivo de Mariano Rajoy, do Partido Popular (direita), apoiado pelo maior partido da oposição, os socialistas do PSOE, anunciou ao fim do dia a dissolução do parlamento regional, a realização de eleições em 21 de dezembro próximo e a destituição de todo o Governo catalão, entre outras medidas.

[Notícia atualizada às 13:46]

ERC e partido de Puigdemont admitem participar nas eleições de 21 de dezembro

CATALUNHA
MadreMedia / Lusa
30 out 2017 14:38
























Os dois principais partidos catalães, que aprovaram a declaração unilateral de independência da Catalunha, anunciaram que vão participar nas eleições autonómicas de 21 de dezembro, convocadas pelo governo em Madrid, mas considerando-as "ilegítimas".

Na sexta-feira, o Parlamento regional catalão aprovou uma resolução na qual se declarava a independência da região e, horas depois, o governo em Madrid anunciou as medidas ao abrigo da Constituição (artigo 155.º) para repor a legalidade na Catalunha: destituição de todo o governo regional, dissolução do parlamento regional e convocação de eleições autonómicas para 21 de dezembro, entre outras.

O porta-voz da Esquerra Republicana de Catalunya (ERC) anunciou hoje que o partido "vai encontrar forma de participar" nas eleições autonómicas de 21 de dezembro convocadas pelo governo em Madrid, ainda que as considere "ilegítimas".

"As urnas não nos dão medo", disse Sergi Sabrià após uma reunião da Comissão permanente nacional da ERC.

O dirigente da esquerda republicana catalã reafirmou a posição do partido de que as instituições catalãs "foram ocupadas de forma ilegal".

Sergi Sabrià qualificou a aplicação do artigo 155.º de "golpe de estado", mas justificou a ida do partido às urnas: "É preciso preservar esta república frágil e, ao mesmo tempo, rejeitar a usurpação que pressupõe" a intervenção do governo central na autonomia.

A ERC considera que a Catalunha já é uma república independente de Espanha, na sequência da aprovação no parlamento regional da Declaração Unilateral de Independência, que, no entanto, não foi reconhecida pelos Estados europeus, pelas instituições comunitárias, pela ONU, pela NATO, pelos Estados Unidos ou pela Rússia.

Já a coordenadora-geral do Partido Democrata Europeu da Catalunha (PDeCAT), Marta Pascal, explicou hoje que o partido a que pertence Carles Puigdemont - destituído na sexta-feira do cargo de presidente regional catalão - vai a eleições para enfrentar uma aplicação "miserável" do artículo 155.º.

Também Marta Pascal não explicou que fórmula vai o partido encontrar para concorrer, nomeadamente se vai fazer uma coligação com as outras formações independentistas.

Nas autonómicas antecipadas de 27 de setembro de 2015, o atual PDeCAT (na altura chamado Convergência Democrática da Catalunha, anteriormente conhecida como Convergência e União, CiU) foi a votos coligada com a ERC, numa plataforma conhecida como Junts pel Sí (JxSi, Juntos pelo Sim).

Marta Pascal, que falava no final da reunião do Comité Nacional do partido, disse que a ideia é "defender as instituições catalãs".

"Não temos medo das urnas, Mariano Rajoy. 
Lá nos veremos", desafiou.

domingo, 29 de outubro de 2017

“Puigdemont, ouve, nós também somos o povo”

REPORTAGEM
Sofia Lorena
Barcelona 29 de Outubro de 2017, 17:06
A manifestação encheu as ruas do centro de Barcelona

Pela segunda vez desde o referendo de 1 de Outubro, os catalães que defendem a unidade de Espanha voltaram a encher o centro de Barcelona. “Sinto-me catalã e espanhola. Não quero deixar de ser espanhola”.

Masi (“Maximiana é demasiado comprido”) começa por hesitar, mas no fim da conversa não resiste: “Meu Deus, é a minha primeira manifestação e acabo a dar uma entrevista”, exclama, bem-disposta.

Enquanto a conversa dura, vai-se surpreendendo com o “êxito do cartaz” que trouxe para a manifestação convocada pela Sociedade Civil Catalã (SCC) sob o lema “Todos somos Catalunha”. 
Não pára de passar gente que pede para o fotografar. 
É uma simples folha A5 com um dos lados dividido entre a bandeira de Espanha e a bandeira da Catalunha e a palavra “Todos”; do outro lado, “Maus governos dividem os povos (a culpa é do outro)”, escrito a marcador.

“Sim, claro que estava a pensar na Generalitat”, diz Masi. 
“Se fosse um bom governo tinha-me respeitado a mim, que não sou independentista. 
Só quero isso, um governo que nos una e que não me traia, culpando depois o outro, Madrid”, explica. 
“Em Madrid também não são bons”, atira o marido, que se afastou mas não resiste a ir ouvindo a mulher e a deixar escapar alguns comentários.

O marido de Masi veio da Extremadura, como ela, há muitos anos. 
A diferença é que “ele veio porque tinha trabalho”, ela “por capricho”. 
“Sabes quando és nova e queres dinheiro para comprar as tuas coisas? 
Pois, vim para cá com a minha irmã, arranjei trabalho e comprei o que queria. 
Depois, voltei à minha terra, uma aldeia, e não aguentei. 
Pensei, ‘agora vais viver aqui, depois do que já viste?”.

Masi chegou há 45 anos e tem 66. 
“Eu sinto-me catalã e espanhola. 
Não quero deixar de ser espanhola. 
Mas foi a Catalunha que me deu tudo, com o meu trabalho claro, foi aqui que fiz a minha vida, tive as minhas duas filhas. 
Também não quero deixar de ser catalã…”, explica.
Muitos diziam-se orgulhosos de serem catalães e espanhóis

As filhas de Masi “são mais ou menos independentistas, ainda não têm experiência de vida suficiente”. 
Nas últimas semanas, em almoços de família, já houve zangas. 
“Acabaram bem porque são minhas filhas. 
A semana passada uma ameaçou ir embora, mas lá nos acalmámos. 
O meu marido até foi para a cozinha”.

O motivo da discussão foi o referendo inconstitucional de 1 de Outubro, quando votaram, segundo a Generalitat, 43% dos eleitores catalães e 90% disseram “sim” a uma nova república, a mesma que 70 deputados (de um parlamento de 135) declararam na sexta-feira, horas antes de Madrid iniciar a aplicação do artigo 155, destituindo o governo catalão, dissolvendo o parlamento e marcando eleições para 21 de Dezembro.

“Vamos votar no 21”, foi uma das frases ouvidas entre o Passeio da Gràcia e a Gran Via, o fim do percurso oficial, onde se ergueu o palco, com muita gente que começou a andar a partir da avenida Laietana ou da praça Urquinaona sem nunca conseguir furar entre a multidão e alcançá-lo.

“Votaremos” em Espanha

Uma semana depois do referendo, a 8 de Outubro, a SCC reunia pela primeira vez um mar de gente: mais de um milhão, segundo os organizadores; 350 mil, de acordo com a Guardia Urbana. 
Desta vez, o percurso escolhido deixava claro que a organização esperava uma multidão ainda maior – a Guardia Civil fala em 300 mil pessoas, mas a SCC garante que foram mais de 1,3 milhões.

Era muita, muita gente, num ambiente mais festivo e descontraído do que o de há três semanas, talvez por já saberem que “não estão sós”. 
Talvez por se sentirem aliviados com a aplicação do artigo 155 e já não se considerarem governados por quem não sentem representá-los. 
Voltou a gritar-se Carles “Puigdemont para a prisão” e “golpistas”, mas cantou-se mais “Que viva Espanha”, “Espanha unida, jamais será vencida” ou “Não queremos passaporte”.

“Votaremos”, em catalão, terá sido a palavra de ordem mais ouvida. 
Uma espécie de outro lado do espelho, nesta Catalunha profundamente dividida. “Votaremos” era o que gritavam os independentistas quando Mariano Rajoy garantia que o referendo de dia 1 não se ia realizar.

Cuspidelas e “traidores”

Alguns analistas descreveram a marcha de dia 8 como uma espécie de “desbloqueio de um trauma do franquismo”. 
Ainda se ouviram gritos de “Somos espanhóis, não somos fachos”. 
E ainda se viram no Passeio da Gràcia ou nas ruas transversais grupos de extrema-direita como a Democracia Nacional (com faixas que não permitem confusões e até T-Shirts onde se lê Waffen SS, nome da unidade de elite de combate das SS na Alemanha nazi).

Umas dezenas de manifestantes mais exaltados aproximaram-se dos Mossos (a polícia catalã) estacionados à frente de duas carrinhas na Ronda de San Pere, a rua que une a praça Urquinaona à da Catalunha (uma das laterais do Corte Inglês) para gritar ofensas e lançar cuspidelas. 
“Trapero para a prisão”, gritaram, em referência ao recém-deposto comandante dos Mossos. 
“Traidores” ou “Filhos da puta” foram outras frases que os agentes ouviram em silêncio, enquanto alguns manifestantes”. 
“Eles não são todos iguais”, diziam, ou “Só cumpriam ordens”.























“Eles”, acreditam estas pessoas, não os defenderam quando deixaram que se votasse no dia 1, enquanto a Guardia Civil e a Polícia Espanhola desalojavam assembleias de voto a golpes de bastão. 
Outra diferença: nas concentrações independentistas, os helicópteros da polícia são apupados; aqui, são aplaudidos.

Longe destes momentos mais duros, a manifestação decorreu em tom de festa. 
A maioria dos cartazes improvisados falava de “paz e serenidade” ou continha mensagens directas ao líder da Generalitat deposto. 
“Puigdemont, não representas o povo da Catalunha” ou “Puigdemont, ouve, nós também somos o povo”, por exemplo, e houve ainda mais bandeiras de Espanha (vendiam-se a cinco euros no meio da multidão, mas bastava hesitar um pouco para o preço descer para três euros).

Estudantes e desemprego

José Luque, 55 anos, e a mulher, Maria Dolores, de 53, vieram com a irmã desta e o marido. 
Manifestaram-se pela primeira vez a 8 de Outubro e voltaram a sair à rua “para que se veja que somos a maioria, parece que só percebem assim”, diz José. 
“Agora reivindicamos o nosso direito à democracia”

O casal espera que não se passe nada de grave nas próximas semanas. 
“Há muita tensão, é preciso que não chegue à rua”, afirma José. 
“A mim dão-me medo os estudantes universitários. 
Querem democracia e respeito para eles mas não respeitam os outros”, acusa Dolores, a propósito dos membros do grupo Universidades pela República que impediram alguns estudantes de entrar nas aulas num dia de greve da semana passada.

“Enchem a boca para falar de repressão e de Franco, como se soubessem o que isso quer dizer”, acusa José. 
“Eu era pequeno mas lembro-me do que eram manifestações reprimidas, quando chegavam nos autocarros e espancavam sem ver quem, fossem avós ou crianças”, acrescenta, bandeira de Espanha atada ao pescoço, como o resto da família.

José trabalha na editora Planeta, que já transferiu a sua sede de Barcelona a Madrid. 
Maria Dolores está numa empresa de cosméticos, a Maymo, que “acaba ser comprada por um catalão, um destes”, diz, “destes” em vez de independentista. 
“Agora, vai levar a fábrica e a empresa para Figueres [Norte da Catalunha] e eu preparo-me para ir para o desemprego”.


slorena@publico.pt

JOÃO LOURENÇO DEU MURRO NA MESA E O BNA… ACORDOU

POLÍTICA
REDACÇÃO
26 DE OUTUBRO DE 2017
























O Fundo Monetário Internacional (FMI) vai prestar assistência técnica ao Banco Nacional de Angola (BNA) no processo de adequação da instituição “às normas e boas práticas internacionais”, anunciou o banco central. A seguir logo se verá.

Segundo o BNA, o acordo para o apoio do Fundo surge após negociações no âmbito da implementação do Plano de Adequação do Sistema Financeiro Angolano às normas internacionais, cujo incumprimento levou ao fim das relações com bancos correspondentes, em 2016, agravando a crise cambial que o país vive, cortando o acesso da banca à compra de dólares (divisas).

Na prática, o BNA necessita de ser reconhecido como autoridade monetária de supervisão pelas congéneres, europeia e norte-americana (Banco Central Europeu e Reserva Federal), para poder retomar estas relações e o acesso à compra de divisas.

A assistência técnica solicitada pelo banco central angolano ao FMI vai prolongar-se por dois anos e visa o “fortalecimento” da supervisão bancária, a prevenção do branqueamento de capitais e o combate ao financiamento do terrorismo, “cujo objectivo primordial é a retoma das relações com os bancos correspondentes”.

De acordo com o BNA, o FMI informou que vai avançar com a prestação da assistência técnica, “tendo como base o fortalecimento do quadro jurídico angolano” na Estratégia Nacional de Prevenção de Branqueamento de Capitais e Combate ao Financiamento do Terrorismo.

Também envolve a “revisão e melhoria da regulamentação e normas” sobre esta área, bem como o “reforço da adopção das boas práticas de supervisão baseada no risco, tendo como finalidade a recuperação da credibilidade e o restabelecimento das relações com os bancos correspondentes e autoridades financeiras internacionais”.

“A referida assistência poderá ser extensiva à Unidade de Informação Financeira (UIF), no concernente à sua estrutura e criação de ferramentas para o seu desenvolvimento”, explica o BNA.

A assistência que será prestada pelo FMI surge na sequência de acções de formação e capacitação de trabalhadores do BNA, principalmente, das áreas de supervisão e política monetária, nas academias e institutos de formação dos bancos centrais da Inglaterra, Portugal, França, Suíça, Itália, Alemanha e África do Sul, além da Reserva Federal dos Estados Unidos da América.

“É resultante do trabalho realizado pelo Conselho de Administração do BNA, no intuito de aumentar a confiança nas instituições financeiras e no sistema financeiro angolano, condição imprescindível para a melhoria da credibilidade e do ambiente de negócio, redução do risco reputacional, risco de crédito e investimento, de forma a adequar as instituições às normas e práticas internacionais”, refere o banco central.

A instituição é dirigida desde 2016 pelo jurista Valter Filipe, mas o trabalho do banco central foi criticado já este mês pelo novo Presidente angolano, João Lourenço, que avisou que o BNA deve cumprir “de forma competente” o seu papel enquanto entidade reguladora do sistema bancário.

“Não descansaremos enquanto o país não tiver um banco central que cumpra estritamente e de forma competente com o papel que lhe compete, sendo governado por profissionais da área”, afirmou o chefe de Estado, num discurso que foi entendido como uma crítica à actual Administração do BNA.

Segundo o Conselho de Administração do BNA, a assistência técnica do FMI deverá contar com o apoio da Associação Angolana de Bancos (ABANC) e das instituições financeiras.

“Só desta forma poderemos ter um Banco Central reconhecido como autoridade monetária de supervisão e uma banca comercial como motor da economia, através do crédito e outros produtos e serviços bancários, para o aumento da produção nacional e da exportação, da estabilidade financeira, do crescimento económico, da prosperidade das famílias e das empresas angolanas”, conclui o comunicado.

Eis, na íntegra, comunicado do BNA:

“No âmbito da implementação do Plano de Adequação do Sistema Financeiro Angolano às normas e boas práticas internacionais, fruto do trabalho de diplomacia financeira iniciado em 2016 e com o objectivo de se adequar às normas e boas praticas internacionais, o BNA encetou vários contactos com o FMI, tendo solicitado assistência técnica, para o fortalecimento da supervisão bancária e prevenção do branqueamento de capitais e combate ao financiamento do terrorismo, cujo objectivo primordial é a retoma das relações com os bancos correspondentes.

Neste quadro, o FMI informou estarem asseguradas as condições para a prestação da assistência técnica ao BNA, tendo como base o fortalecimento do quadro jurídico angolano no que respeita à Estratégia Nacional de Prevenção de Branqueamento de Capitais e Combate ao Financiamento do Terrorismo, a revisão e melhoria da regulamentação e normas sobre o assunto, reforço da adopção das boas práticas de supervisão baseada no risco, tendo como finalidade a recuperação da credibilidade e o restabelecimento das relações com os bancos correspondentes e autoridades financeiras internacionais.


A referida assistência poderá ser extensiva à Unidade de Informação Financeira (UIF), no concernente a sua estrutura e criação de ferramentas para o seu desenvolvimento.

Importa realçar que o BNA em consonâcia com as boas práticas bancárias, tem desenvolvido acções de formação e capacitação dos seus trabalhadores, principalmente, das áreas de supervisão e política monetária, nas academias e institutos de formação dos bancos centrais da Inglaterra, Portugal, França, Suíça, Itália, Reserva Federal dos Estados Unidos da América, Alemanha e Reserve Bank da África do Sul, com o objectivo de adequar as competências necessários dos Recursos Humanos, as normas e boas práticas internacionais.
Esta assistência técnica, que se irá efectuar num período de cerca de dois anos, é resultante do trabalho realizado pelo Conselho de Administração do BNA, no intuito de aumentar a confiança nas instituições financeiras e no sistema financeiro angolano, condição imprescindível para a melhoria da credibilidade e do ambiente de negócio, redução do risco reputacional, risco de crédito e investimento, de forma a adequar as instituições às normas e práticas internacionais.
O Conselho de Administração do Banco Nacional de Angola regozija-se com esta aceitação pelo Fundo Monetário Internacional – FMI, que deverá contar com o apoio da Associação Angolana de Bancos – ABANC e de todas as instituições financeiras para o êxito desta missão do FMI, pois só desta forma poderemos ter um Banco Central reconhecido como autoridade monetária de supervisão e uma banca comercial como motor da economia, através do crédito e outros produtos e serviços bancários, para o aumento da produção nacional e da exportação, da estabilidade financeira, do crescimento económico, da prosperidade das famílias e das empresas angolanas.”

sábado, 28 de outubro de 2017

Líder destituído fala aos catalães no mais normal dos sábados

INDEPENDENTISMO NA CATALUNHA
Sofia Lorena 
em Barcelona 28 de Outubro de 2017, 23:00
Seria um sábado normal, não fossem os cidadãos que se aproximaram de Puigdemont, chamando-lhe “president”

“Oposição democrática” à intervenção de Madrid na Catalunha, pede Puigdemont. O dia depois de todas as votações foi uma espécie de folga do turbilhão das últimas semanas. 
Resta saber quanto vai durar.

Se há quatro semanas, véspera do referendo inconstitucional sobre a independência, alguém dissesse aos catalães que nada de especial ia acontecer neste sábado, 28 de Outubro, poucos acreditariam. 
Menos ainda se sonhassem que na véspera o seu parlamento autonómico tinha aprovado a “proclamação da República catalã como Estado independente e soberano”.

“O que é que se vai passar? 
O que eu vejo é que não se passa nada”, diz Marta, 25 anos, que veio da Cantábria visitar a amiga Anna, a viver em Barcelona há três anos. 
Estão sentadas num dos bancos em redor da praça mais central da cidade, a da Catalunha, e a descrição de Marta não podia ser mais rigorosa – se esquecermos as televisões que fazem directos com vista para os pombos que habitualmente ocupam o lugar principal da praça.

Dificilmente se imaginaria um sábado mais normal em Barcelona, um dia depois da proclamação da independência e da aprovação da intervenção de Madrid na Catalunha, o temido artigo 155 da Constituição. 
Nas Ramblas há o sobe e desce do costume. 
De repetente, ouvem-se sons de uma banda. 
É uma manifestação de um grupo de defesa dos transexuais.

Quando disse aos pais que vinha a Barcelona este fim-de-semana, eles tentaram dissuadi-la. 
“Quando se está longe, a ver da televisão, parece que há uma guerra”, diz Marta. 
A calma antes da tempestade?

“Não deixa de ser estranho, depois da festa que os independentistas fizeram, e hoje nem se vêem esteladas [a bandeira com a estrela dos soberanistas]”, nota Anna, nascida na Extremadura. 
Sim, é estranho. 
Mas há pouco neste processo que não o seja.

Anna conta que consegue falar com os colegas de trabalho, mesmo com um que vota na CUP (Candidatura de Unidade Popular, o mais à esquerda dos partidos independentistas), e com o namorado, catalão, sobre política. 
“Às vezes, nas conversas, há momentos mais tensos, mas fica tudo bem.” 
Anna quer ficar a viver em Barcelona: “Gostava muito, estou muito bem aqui, mas preferia viver em Espanha.”

“Oposição democrática”

Na verdade, Anna vive em Espanha. 
Ou então já não, se ouvirmos os dirigentes catalães. 
“O Parlament cumpriu com o que os cidadãos votaram a 27 de Setembro [de 2015], quando a maioria saída das urnas encomendou a proclamação da independência”, disse Carles Puigdemont, nas escadarias da sede da Generalitat em Girona, numa intervenção transmitida em directo na televisão catalã.

O Governo de Mariano Rajoy queixou-se à TV3 por ter chamado “presidente” a Puigdemont, horas depois de assinado o decreto que destitui o governo catalão.

Certo é que Puigdemont falou como presidente – e vários dos seus conselheiros (equivalente a ministros) deram provas de que continuam a trabalhar, mesmo que os Mossos d’Esquadra lhes tenham retirado a escolta habitual.

Puigdemont não ignorou que “o Conselho de Ministros espanhol acordou a destituição de todo o governo da Catalunha e a dissolução do parlamento”. 
Mas são, diz, “decisões contrárias à vontade dos cidadãos do nosso país que sabem perfeitamente que numa sociedade democrática são os parlamentos que elegem ou destituem os presidentes”. 
Posto isto, pede a todos que defendam a nova república através da “oposição democrática” ao artigo 155.

Puigdemont falou de Girona, cidade de que foi autarca e onde nunca deixou de viver, antes de almoçar fora e de se passear pelas ruas com a mulher. ~
Um sábado em tudo normal, não fossem os cidadãos que se aproximaram, chamando-lhe “president” e gritando “Catalunha livre”. 
O cenário não podia ser mais perfeito. Girona está pejada de esteladas.

“Independência para quê?

Na praça da Catalunha de Barcelona, Inés, Roger e Paul começam por avisar que são “um pouco diferentes”. 
Ela não é nem deixa de ser independentista, ainda não se decidiu. 
“Acho que havia muita gente iludida e esperançada e agora vai cair-lhes tudo em cima. Muita gente deverá ser detida”, antecipa a jovem de 17 anos.

“Eu não falo com ninguém sobre isto. 
Só com os meus pais”, diz Roger, olhos azuis e pele tão morena como ruivo é o cabelo de Paul, a mesma cor de olhos. 
“Eu também, só em casa”, afirma Paul, o único a admitir os ocasionais “comentários menos simpáticos” da parte de colegas independentistas. 
“Tentamos não dar nas vistas. 
Mas ontem [sexta-feira] foi impossível”, conta Inés. 
“Com a declaração uns estavam eufóricos, outros indiferentes”.

“Vai doer-lhes muito”, diz Inés, a falar dos soberanistas. 
"Daqui a uma semana imagino que rebente, que possa ser uma espécie de guerra”, antecipa Paul.

“Não temos nem queremos ter a razão da força. 
Nós não”, disse Puigdemont, que falou com uma bandeia europeia e outra catalã atrás de si. 
Em Barcelona, no topo do Palácio da Generalitat, a bandeira de Espanha continua ao lado da catalã.

Na praça de Sant Jaume, em Barcelona, já não se festeja a independência. 
Há uma só estelada, colada à parede da câmara, de frente para o Palau, onde se lê “Por um país com direitos”. 
Está junto às tendas e aos caixotes da “Acampada por um país com direitos”, movimento que já se estende a 14 cidades, conta Josep. 
Querem falar de “despejos, precariedade, de gente a dormir debaixo de cartões”. Trouxeram cartazes e folhetos para distribuir onde perguntam: “Independência para quê? Espanha para quê?”

slorena@publico.pt

O que se segue na Catalunha?

INDEPENDENTISMO NA CATALUNHA
REUTERS
27 de Outubro de 2017, 23:22
























Proclamada a independência, Mariano Rajoy aplicou o artigo 155.º da Constituição espanhola, demitiu o governo catalão e convocou eleições autonómicas para Dezembro. 
O que se pode esperar?

O Governo espanhol demitiu nesta sexta-feira o executivo catalão, dissolveu o parlamento da Catalunha e convocou eleições autonómicas antecipadas para 21 de Dezembro.

O que se segue nos próximos dias?

Controlo directo
Mariano Rajoy demitiu o governo catalão incluindo o seu presidente, Carles Puigdemont, e o seu "vice", Oriol Junqueras, e assumiu o controlo directo da região.

Os ministros do Governo central vão assumir os poderes directos da administração catalã até às eleições, a 21 de Dezembro.

Eleições
Não é claro se as eleições antecipadas vão resolver a crise.

Uma sondagem publicada no domingo pelo jornal El Periódico diz que umas eleições antecipadas irão provavelmente ter resultados semelhantes aos do sufrágio em 2015, quando a coligação pró-independência formou um governo minoritário.

Desobediência civil
Os principais grupos separatistas da Catalunha apelaram a uma desobediência civil generalizada. Também instruíram os funcionários públicos a desobedecer às ordens de Madrid e a responder com resistência pacífica. Não é claro, no entanto, se estes apelos vão ser atendidos.

Uso da força
O Governo de Espanha disse já que não vai realizar quaisquer detenções, mas não é certo como vão as autoridades reagir se a administração regional se recusar a deixar as suas funções.

Polícia
Um dos principais problemas no controlo directo está relacionado com a polícia catalã, os Mossos d’Esquadra.

O director-geral dos Mossos foi entretanto demitido por Rajoy.

Mas um grupo nos Mossos, a favor da independência, já informou que não vai seguir as instruções do Governo central e não vai usar a força para remover ministros ou deputados do poder.

Alguns agentes disseram à Reuters que a força de 17 mil homens estava dividida entre aqueles que defendem a independência e os que estão contra.

Os Mossos, cujo chefe está acusado do crime de sedição, terão de agir sob ordens directas dos novos líderes. Se for considerado necessário, os operacionais da polícia catalã poderão ser substituídos pela Polícia Nacional.

Finanças
O ministro da Economia já aumentou o seu controlo sob as finanças regionais, para bloquear a utilização de fundos estatais para organizar uma campanha separatista, e começou a pagar directamente por serviços essenciais.

Na sequência das medidas apresentadas por Rajoy, Madrid vai ter o controlo financeiro total.

Muitas empresas admitiram sob condição de anonimato que receiam que um novo departamento do tesouro catalão possa a começar a cobrar impostos, e que pretendem mudar a localização da sua sede para fora da Catalunha, tal como já aconteceu com milhares de outras empresas nas últimas semanas.

É também possível que alguns catalães pró-independência deixem de pagar os seus impostos ao Governo espanhol.

Comunicação social pública
O Governo espanhol afirmou inicialmente que iria controlar a televisão pública catalã de maior audiência, a TV3, mas acabou por desistir do plano.

A comunicação social deverá desempenhar um papel importante durante a campanha para as eleições antecipadas na Catalunha.