CIMEIRA EUA-COREIA DO NORTE
João Ruela Ribeiro
11 de Junho de 2018, 6:31
O caminho até à aguardada cimeira de Singapura não foi fácil, mas pela primeira vez líderes dos EUA e da Coreia do Norte vão estar frente a frente.
Há um mar de desentendimentos que os separam, portanto o melhor é que nem um nem outro entrem em detalhes.
Estávamos no Verão de 2016, em plena campanha eleitoral para as presidenciais norte-americanas, quando Donald Trump fez mais um dos seus comentários desconcertantes, ao afirmar estar disponível para se reunir com o líder norte-coreano Kim Jong-un para comerem “um hambúrguer a uma mesa de reuniões”.
Dois anos depois, Trump irá tornar-se no primeiro Presidente dos EUA a encontrar-se pessoalmente com um líder da Coreia do Norte.
Os hambúrgueres não estão confirmados.
Depois de meses de expectativa, e alguns percalços, o olhar do mundo vai estar concentrado na ilha de Sentosa, ao largo de Singapura, na esperança de vislumbrar uma saída diplomática para uma das principais crises de segurança do planeta.
Nem Trump nem Kim querem regressar a casa sem anunciar uma vitória e, para tal, a ausência de pormenores no final do encontro pode ser a melhor receita.
A cimeira realizada em Singapura esta terça-feira é fruto de uma conjugação inédita de vários factores.
No ano passado, a Coreia do Norte acelerou o desenvolvimento do seu programa nuclear, multiplicando testes balísticos e fazendo o ensaio da bomba mais potente do seu arsenal, em Setembro.
Pela primeira vez, o regime dava a indicação de ser capaz de atingir directamente o território norte-americano – embora vários especialistas mantenham reservas sobre as reais capacidades norte-coreanas.
Confrontado com uma ameaça superior vinda de Pyongyang comparada com aquela que enfrentaram os seus antecessores, Trump respondeu inicialmente com declarações inflamadas em que prometia “fogo e fúria”.
A escalada parecia terrivelmente inevitável.
Por essa altura, um grupo de analistas do Pentágono calculava que havia um risco de 40% de eclosão de um conflito militar, diz a Atlantic.
Mas em Seul também havia uma nova Administração, liderada por Moon Jae-in, determinada a abrir uma janela de diálogo com o Norte.
A diplomacia olímpica dos Jogos de Inverno criou um ambiente propício para um apaziguamento e a tendência de Trump para derrubar dogmas – a Economist utiliza esta semana uma bola de demolição para ilustrar a política externa da Administração Trump – fez o resto, ao aceitar um convite que estava há décadas em cima da mesa, mas que nenhum outro Presidente tinha arriscado aceder.
O caminho para Singapura foi sinuoso e a realização da cimeira chegou mesmo a estar em risco.
Depois de declarações azedas entre ambos os lados,Trump anunciou através de uma carta dirigida a Kim o cancelamento do encontro, de forma tão abrupta como o tinha aceitado.
De Pyongyang vieram palavras menos exaltadas e rapidamente a agenda ficou reposta.
Na verdade, nunca nenhum dos lados quis dar como perdida a cimeira.
“Deparados com cada obstáculo, ambos os líderes mantiveram os seus esforços para manter o encontro”, escreve o analista do Instituto Brookings, Ryan Hass.
As expectativas de que Kim e Trump possam alcançar uma solução diplomática para a crise nuclear coreana são tão elevadas que nenhum dos dois poderia pagar os custos políticos de ser visto como o culpado por a cimeira nem sequer se realizar.
Problema nuclear
O grande elefante que vai estar na sala com Trump e Kim chama-se desnuclearização. Ambos dão indicações de que este é um objectivo do processo negocial, mas o seu significado em cada lado da mesa diverge.
“Não há qualquer indicação que Washington e Pyongyang tenham alcançado uma definição compatível de desnuclearização”, diz Jonathan Pollack, também do Brookings.
Os EUA querem o desmantelamento total e irreversível das capacidades nucleares norte-coreanas, mas para a Coreia do Norte a possibilidade de poder ameaçar os EUA e os seus aliados são uma garantia de sobrevivência do regime, da qual dificilmente abrirá mão.
“É claro que se podem negociar acordos, mas tenho a certeza que os norte-coreanos vão fazer tudo para garantir que o âmago das suas capacidades nucleares se mantém intacto”, diz ao PÚBLICO a analista do Stimson Center em Washington, Jenny Town.
Trump tem acenado com a possibilidade de oferecer incentivos económicos, e possivelmente aliviar as sanções, à Coreia do Norte se as negociações correrem bem.
O Presidente dos EUA fala frequentemente no quão “próspero” pode ser o país nessa eventualidade.
Mas não é certo que este seja o método mais eficaz para convencer Kim Jong-un.
As sanções têm tido algum impacto na economia norte-coreana, especialmente depois de a China as ter começado a aplicar de forma eficiente, mas a ideia de se tornar dependente da ajuda financeira norte-americana é incompatível com a ideologia do regime.
A professora da Universidade Feminina Ewha, em Seul, Kim Seok-hyang, lembra que “o Norte tem de justificar porque vai o seu líder encontrar-se com Trump, o chefe dos imperialistas americanos”.
“O que os norte-coreanos querem realmente é uma relação política fundamentalmente diferente” com os EUA, diz Jenny Town, que também não acredita que o alívio de sanções “não é o objectivo principal” de Kim.
Isso passa pela normalização de relações e pela construção de um ambiente de confiança. “Eles querem sair [da cimeira] como um actor mundial reconhecido, em paridade com as grandes potências”, afirma a analista que é uma das editoras do site 38 North.
Trump e Kim chegam a Singapura em posições negociais diferentes, mas com uma missão semelhante: mostrar internamente que alcançaram uma vitória.
Para isso, nos últimos tempos as mensagens públicas têm sido recalibradas para moderarem as expectativas.
Town considera que estamos num “momento melhor” do que antes do cancelamento da cimeira.
“Há menos promessas de que iremos ter já um acordo”, sublinha.
A analista nota que parece existir alguma “flexibilidade” por parte da Casa Branca em relação ao timing da desnuclearização, quando há poucos meses se falava de um processo imediato.
No fim do dia, o mais provável é que a cimeira acabe por ser inconclusiva e Town acredita que seria “muito irrealista” esperar um desfecho diferente.
“As conclusões da cimeira devem ser princípios gerais que forneçam um mandato, que indiquem as questões que devem ser resolvidas, uma linha temporal geral e um compromisso para o fazer”, observa a investigadora.
Se tudo correr bem, o histórico encontro de Singapura será apenas o lançamento de um longo processo – e não o seu fim.
joao.ruela@público.pt
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