Aumento da idade da reforma e dos preços dos combustíveis são o que mais preocupa os russos na altura do Mundial.
Para o Presidente Putin, o Mundial pode ser usado para uma maratona diplomática.
Pavel Kudyukin vive em Kratovo, uma localidade a 50 quilómetros de Moscovo, e que era, até há pouco tempo, um nome que nada dizia aos portugueses.
Em Kratovo fica a sede do FC Saturn, o clube russo que em 2010 abandonou a primeira divisão por falta de fundos, mas nem esta entrada, ao estilo Wikipedia, seria suficiente para a maioria das pessoas conseguir apontar a localidade no mapa.
Acontece que por estes dias Kratovo se tornou a base de treinos de Cristiano Ronaldo e da seleção portuguesa de futebol e, por cá, o som do seu nome passou a ser familiar.
Kratovo não vai receber eventos do Mundial 2018, é apenas a base da seleção portuguesa, mas isso basta para ter uma grande concentração de forças de segurança.
E, ali, o aumento de policiamento nas ruas está para alguns russos como o excesso de turistas está para muitos lisboetas.
“O aumento das medidas de segurança acontecem essencialmente nas estações de comboio e de metro.
Em alguns casos são inúteis em termos de segurança, mas trazem sério desconforto aos cidadãos.
Nas ruas, o aumento do policiamento é à volta dos lugares onde o Mundial vai acontecer”, conta Pavel Kudyukin, co-presidente do sindicato Solidariedade Universitária, estrutura que defende os direitos dos funcionários do Ensino Superior.
“Eu vivo numa vila não muito longe de Moscovo, sede do Saturn, e a seleção portuguesa já cá está.
Por isso, encontramos polícia a cada 50 metros.
Para além disso, o trânsito nas ruas vizinhas está condicionado e os moradores só conseguem passar com permissões especiais escritas nos seus documentos”, conta Kudyukin.
Dmitry Sudakov, editor da versão inglesa do jornal Pravda, diz que o aumento do policiamento também se sente em Moscovo, uma das 11 cidades que vai receber jogos do campeonato.
“As medidas de segurança estão mais apertadas.
Há polícia em todo o lado.
A Rússia tem estado a melhorar os seus níveis de segurança depois de todos os ataques terroristas que o país já viu.
Hoje, não é possível entrar num comboio de alta velocidade de Moscovo para São Petersburgo sem que as malas sejam inspecionadas por um raio-X, por exemplo.”
O aumento da segurança é necessário, na opinião de Dmitry Sudakov, porque na sua história recente a Rússia viu diversos ataques terroristas e a população teme-os.
E embora diga que ninguém pode garantir que não irá acontecer um atentado, acredita que as forças de segurança estão a “fazer tudo o que podem para evitar qualquer tipo de atividades subversivas”.
Kirill Martynov fala com o Observador também a partir da capital russa, a única metrópole que tem dois estádios disponíveis para o Mundial.
É editor de política do Novaya Gazeta, um jornal russo conhecido pela cobertura crítica a Vladimir Putin e pelos trabalhos de investigação jornalística.
“Para mim, pessoalmente, estas medidas de segurança são bastante desagradáveis.
Há mais polícia na rua, e os passageiros com mochilas são sempre revistados.
Os meus colegas já escreveram sobre trabalhadores migrantes, das antigas repúblicas soviéticas, que foram torturados pela polícia.
As autoridades disseram que havia suspeitas de serem terroristas, mas sem terem qualquer prova contra eles, mas, claro, estamos a tentar estar seguros antes do Mundial.”
Para o jornalista de política, as medidas de segurança são duras, mas devem-se à “falta de profissionalismo” das autoridades.
“A segurança é mais imitada do que realmente oferecida.
As pessoas estão habituadas a isto na Rússia, ninguém se arma em rebelde se uma rua central estiver bloqueada pela polícia.
E penso que a polícia recebeu ordens para tratar os fãs estrangeiros de forma correta.
Os jornais moscovitas até escreveram que houve uma ordem oficiosa da polícia a pedir aos carteiristas que não roubem nada durante o campeonato.”
Nas redes sociais, nas contas de quem escreve com o alfabeto cirílico, há uma pergunta que surge como um pop-up, uma e outra vez: as medidas de policiamento vieram para ficar?
Pavel Kudyukin diz que é difícil fazer uma previsão dessas, mas acredita ser “muito provável”.
José Milhazes, o jornalista português que durante anos foi correspondente em Moscovo, cidade para onde se mudou em 1977 para estudar História da Rússia, acredita que essa é uma visão que apenas os mais cépticos terão.
Lembra que a Rússia é um país enorme e a maioria não notará o aumento do policiamento, já que os jogos só vão acontecer nos estádios de menos de uma dúzia de cidades.
A Rússia atravessa 11 fusos horários diferentes, faz fronteira com 16 países e nos seus 17 milhões de quilómetros quadrados Portugal caberia 185 vezes.
É por isso que quando Pavel Kudyukin diz que a sua vila fica mesmo ao lado de Moscovo, apesar de o caminho entre as duas ser feito em quase uma hora de automóvel, ele fala verdade.
Cinquenta quilómetros para os russos não são o mesmo que 50 quilómetros para os portugueses.
E é a esta grandiosidade de território, que faz da Rússia o maior país do mundo, a que Milhazes se refere quando diz que apenas uma minoria sentirá o aumento das medidas de segurança.
“Já no sentido de continuidade do aparelho repressivo, em relação à oposição política, ele sempre existiu na época de Putin.
Claro que a experiência do Mundial pode contribuir para que as autoridades tomem novas medidas, mas penso que para o Presidente russo é muito mais importante que tudo corra bem e que nada, nada, nada de mal aconteça a ninguém.
Até acho que a segurança vai ser reduzida depois do Mundial porque manter um aparelho deste tipo é uma fortuna.
A Rússia não tem dinheiro para manter 700 mil polícias na rua”, sustenta Milhazes.
Apesar disso, José Milhazes reconhece que há algum desconforto com o policiamento.
“Há extraordinárias medidas de segurança que estão a ser tomadas em todas as cidades onde se vão realizar jogos.
Os habitantes queixam-se de que a polícia passa a vida a pedir e a verificar documentos e isso cria incómodos.
Em Ekaterimburgo há pessoas que vivem dentro do perímetro de segurança e que só podem entrar quando mostram o carimbo que têm no passaporte, já que só assim podem provar que residem naquele lugar.”
Mas está a polícia a exceder-se nas medidas de segurança ou não?
As opiniões variam entre quem acha que com mais segurança está mais seguro, como diz Milhazes, e os que acham que ela está a ser de mais.
Uma das situações que mais indignação causou nas redes sociais envolvia a detenção de estudantes da Universidade de Moscovo que picharam uma futura zona de adeptos estrangeiros, no perímetro adjacente ao campus com a inscrição “Não à Zona de Fãs”.
“O caso dos estudantes não tem nada a ver com segurança, tem a ver com o facto de estarem a ser despejados do seu campus e a serem forçados a fazer exames mais cedo do que o suposto para que aquela zona perto da Universidade de Moscovo seja usada para os adeptos”, conta o editor de política do Novaya Gazeta.
“Isto é terrível, e em qualquer país a Universidade iria proteger os seus estudantes numa situação destas.
Temos uma investigação criminal sobre um filólogo de 18 anos por protestar contra a zona de fãs.
E os seus professores continuam em silêncio”, explica Kirill Martynov.
“A inscrição já foi lavada e não há nenhum dano real”, acrescenta Pavel Kudyukin, que estudou História na mesma universidade estatal que José Milhazes, a Lomonossov, e na mesma década de 70.
A mesma universidade que está agora envolvida na polémica.
“Um dos estudantes, Dmitry Petelin, tinha estatuto de suspeito num processo criminal por vandalismo.
E esta sexta-feira o nosso piquete de solidariedade para com os estudantes foi proibido pelas autoridades da cidade.
Entretanto, nesse mesmo dia, 8 de junho, ocorreram dois eventos.
Primeiro, a procuradoria decidiu parar o processo criminal contra Petelin.
Segundo, no nosso piquete composto por uma só pessoa, o co-presidente do nosso sindicato Solidariedade Universitária, o Andronik Arutyunov — é professor assistente de matemática no Instituto de Física e Tecnologia de Moscovo — foi detido pela polícia.
Na manhã seguinte, o tribunal impôs-lhe uma multa de 20 mil rublos (270 euros) por ‘violação das regras de acções em massa’.
Em massa!
Onde há contacto com a polícia, há risco de haver problemas.”
O problema do lixo e das lixeiras tem levado a muitos protestos dos cidadãos russos
1 - Lixo, idade da reforma e o preço da gasolina
Enquanto na imprensa ocidental as notícias sobre a Rússia estão ligadas às sanções económicas impostas ao país, ao caso Skripal e ainda à alegada influência nas eleições norte-americanas que deram vitória a Donald Trump, os problemas que afetam o dia a dia dos russos são outros.
O aumento da idade da reforma, a subida do preço dos combustíveis e o lixo que se amontoa à volta de Moscovo são os assuntos mais discutidos nos cafés.
Muito mais do que histórias de jornalistas que morrem e renascem como o ucraniano Arkady Babchenko ou greves de fomes como a de Oleg Sentsov, mas já lá chegaremos.
“De uma forma geral, as pessoas têm grande orgulho no país e no seu Presidente.
Por isso, o Mundial é uma grande oportunidade para a Rússia mostrar uma versão verdadeira dos eventos, nomeadamente que não é de forma alguma uma ditadura — um disparate, porque tem processos democráticos — e que não é culpada de qualquer das acusações que lhe são feitas”, diz o britânico Timothy Bancroft-Hinchey, fundador e diretor da versão portuguesa do jornal Pravda desde 2002.
“A maioria dos russos está, em primeiro lugar, preocupada com os preços da gasolina.
Ultimamente, os preços têm subido muito e neste país, se a gasolina se torna mais cara, tudo o resto se torna mais caro também”, conta Dmitry Sudakov, também do Pravda.
Pavel Kudyukin concorda.
Mas lembra que os aumentos foram travados, para já, por uma medida administrativa que terá efeitos temporários.
O aumento de outros bens de consumo, principalmente nos custos de transporte, conta, poderá, ainda assim, trazer problemas à agricultura durante o período de colheita.
José Milhazes faz uma análise semelhante e ressalva que, apesar dos preços dos combustíveis na Rússia serem muito mais baratos do que em Portugal, também os seus salários são menores do que os dos portugueses: “Claro que a questão do preço do gasóleo é um problema tremendo porque bate nos bolsos dos russos — apesar de o preço ser muito mais barato do que em Portugal, está acima dos 50 cêntimos por litro, mas o salário médio também não chega aos 600 euros, quase igual ao nosso mínimo.
Isto bate muito forte nos russos, principalmente nos condutores de camiões que já têm feito bloqueios.
São problemas muito maiores do que o futebol.”
E são estas preocupações, muito mais do que as de política externa, envolvam elas a proteção de Putin a Bashar al-Assad na Síria ou o acordo nuclear com o Irão, que estão diariamente na cabeça dos russos, como explica o co-presidente do Solidariedade Universitária.
“Na verdade, as pessoas comuns na Rússia não se preocupam muito com assuntos externos, há algum medo ‘arquetípico’ de guerra e há desconfiança para com o mundo exterior.
Pode até ser algum tipo de mania de perseguição nacional, do estilo: ‘A Rússia é um país rico em recursos naturais, e todos gostavam de nos conquistar’.
Mas, naturalmente, as principais preocupações são sobre os problemas do dia-a-dia — empregos instáveis, inflação, salários baixos, se há a possibilidade de dar boa educação às crianças, como não adoecer e assim por diante”, diz-nos Kudyukin.
Na Rússia, o salário mínimo é de 9.489 rublos (128 euros) e o ordenado médio ronda os 38 mil rublos (514 euros).
Em janeiro de 2018, Vladimir Putin prometeu subir o valor do salário mínimo nacional de forma a igualá-lo ao índice mínimo de subsistência — a quantia mínima necessária para um cidadão cobrir todas as suas necessidades vitais e que se encontra nos 11.163 rublos (151 euros).
Na altura da promessa, que ainda não foi cumprida, Putin recandidatava-se ao seu quarto mandato presidencial que venceria com mais de 70% dos votos.
Entre o comum dos cidadãos, não é este mas um outro anúncio do Presidente russo que causa mal-estar: uma eventual mexida na idade da reforma.
Pavel Kudyukin não nega que o aumento da idade da aposentação está no topo das preocupações, mas diz que não é a única em termos laborais.
“O Governo quer aumentar a idade da reforma — 63 anos para as mulheres, 65 para os homens — e isso é uma preocupação central em termos de políticas sociais.
Mas também há sérios problemas com as condições laborais que têm estado a piorar para quem trabalha na educação e no setor da saúde e isso tem consequências negativas para a qualidade do ensino e dos cuidados de saúde.
Para além disto, tem havido estagnação nas receitas da maioria da população.”
Na Rússia, 13% da população vive abaixo da linha da pobreza.
Este número traduz-se em 20 milhões de pessoas, o dobro da população portuguesa, número já considerado “alarmante” por Putin.
Outros dados oficiais mostram que as dívidas põem quase 8 milhões de russos na falência. A desvalorização do rublo, as sanções económicas e a inflação, que afeta o preço de bens essenciais, têm tornado a vida mais difícil na Rússia.
Saber que poderão passar mais anos a trabalhar é só mais uma acha na fogueira.
Kirill Martynov fala mesmo na falência do sistema de pensões, um problema que diz ainda não ter sido interiorizado pela maioria dos seus conterrâneos.
“A idade da reforma é um problema sério.
A reforma do sistema de pensões, que foi levado a cabo depois do colapso da União Soviética, tem falhado nos últimos anos e o Estado não tem dinheiro para pagar a um número crescente de reformados.
A conclusão honesta é que não haverá pensões estatais na Rússia, mas poucas pessoas se aperceberam disto.”
Outro problema importante, apontado por Pavel Kudyukin e Kirill Martynov, é ambiental.
“Na região de Moscovo, os depósitos de lixo têm levado a tumultos.
E os impostos também estão a subir.
Em geral, diria que a população está preocupada com o crescimento da pobreza.
Há menos russos que podem, hoje em dia, viajar até à Europa ou enviar os seus filhos para terem alguma educação.
E isto é um problema para a classe média, as pessoas pobres tentam apenas sobreviver”, sublinha o editor de política do Novaya Gazeta.
Durante o Festival Europeu de Cinema em Berlim, o irlandês Mike Downey lembrou a situação de Oleg Sentsov
2 - A fome de Sentsov, o renascimento de Babchenko e a campanha anti-Rússia
Uma semana antes do início do Mundial, a Novaya Gazeta fazia manchete com a greve de fome de Oleg Sentsov.
Desde 14 de maio, há 31 dias, que o cineasta ucraniano está em greve de fome numa cadeia russa pedindo não só a sua, mas a libertação de todos os presos políticos do seu país.
E ao fazer uma greve de fome total, há um risco real de Sentsov morrer durante o Mundial.
Com toda a atenção e solidariedade que o seu caso despertou na imprensa internacional, com manifestações de apoio ao cineasta até durante o Festival de Cannes, a sua morte seria uma mancha na imagem que a Rússia está apostada em passar para o exterior.
“Está tudo feito para que durante o campeonato não haja manifestações racistas, anti-Ocidente, ou o que for.
Putin quer que tudo corra numa base de amizade e cooperação, como se dizia na velha União Soviética”, defende Milhazes.
“Os olhos estão todos na Rússia.
Os fãs de diferentes países vão estar sob controlo, por exemplo.
Se alguns grupos extremistas russos se puserem em complicações com fãs de outros países, é porque o regime permite.
Mas claro que pode haver imprevistos.
Pode acontecer alguma coisa fora da Rússia, mas ligada à Rússia.
Neste momento é como dizia o João Pinto, prognósticos só no fim do jogo.”
Entre os imprevistos está, claro, a morte de Oleg Sentsov, argumenta o jornalista português.
“São as tais circunstâncias imprevisíveis.
O cineasta está numa greve de fome total, pode morrer durante o Mundial, mas isso não vai fazer com que a seleção portuguesa volte para casa.
Pode haver um ou outro jogador que se solidarize, mas…
Os médicos já prometeram que o vão alimentar à força se chegar a hora H.
Se ele morrer depois do campeonato, se calhar já ninguém se vai interessar.”
Embora no Facebook ou no Instagram as fotografias de Sentsov nunca tenham deixado de aparecer desde o início da greve de fome, Kirill Martynov diz que este caso é mais um fenómeno das redes sociais e que apenas um pequeno grupo de pessoas que se importa com a sua vida.
Pavel Kudyukin assente: “Infelizmente, esses eventos não são muito interessantes para a maioria dos meus concidadãos.
A greve de fome de Oleg Sentsov é mencionada apenas por uma minoria de pessoas politicamente ativas.
Nem todo mundo percebe que há o problema de as autoridades russas se recusarem a reconhecer Sentsov, e outros presos políticos da Crimeia, como cidadãos da Ucrânia.
Após a anexação da península, a cidadania da Rússia foi imposta a todos os seus habitantes e, do ponto de vista da administração da Rússia, significa que eles perderam a cidadania ucraniana.
É um absurdo, porque o Estado pode dar sua cidadania a uma pessoa, mas não pode privá-la da cidadania de outro Estado.”
Já Dmitry Sudakov acredita que poucos são os russos que saberão o nome do cineasta ucraniano: “Tenho certeza que muitos nem sabem quem é Sentsov, especialmente no verão, quando a maioria está é preocupada com as suas dachas [casas de verão], com os seus jardins e as férias.”
“Os media ocidentais cometem um erro enorme ao rotular como ‘líder’ da oposição qualquer pessoa que aparece à margem da sociedade russa.
O líder da oposição é o líder do partido com segundo maior percentagem de votos, neste caso o Partido Comunista.
Manifestações de marginais que não pagam o que devem ao fisco na Rússia não atraem ninguém.
Parece que no Ocidente estes tipos de pessoas são considerados heróis”, acrescenta o colega de Sudakov no Pravda, Timothy Bancroft-Hinchey.
Para além de Sentsov, também a a morte e renascimento de Arcady Babchenko deu que falar nos media de todo o mundo.
Neste caso, há muitos russos que acreditam que a postura da Ucrânia em todo este processo fez mais bem do que mal à imagem de Putin, contrariamente ao que os serviços secretos ucranianos teriam desejado.
No seu jornal, Kirill Martynov escreveu um artigo de opinião bastante crítico questionando onde estava a ética do jornalista russo que participou numa operação dos serviços secretos ucranianos, forjando a sua morte.
O intuito era capturar os autores de ameaças de morte ao jornalista russo, tido como incómodo para Vladimir Putin.
Mais uma vez, nas redes sociais, as discussões eram fortes e dividiam-se entre dois pólos: os que estavam felizes por o jornalista estar afinal vivo e os que consideravam que o melhor era ele ter continuado morto, já que o seu renascimento põe em causa todos os ditos assassinatos políticos que já terão acontecido até hoje.
José Milhazes acha que o tiro saiu pela culatra à Ucrânia: “A morte e o renascimento do Babchenko é a prova do idiotismo acabado dos dirigentes ucranianos, aquilo é uma cambada de bandidos que estão no poder do país, e que têm estas ideias peregrinas de fazer operações completamente impensadas, que são boas para os russos.
Para a próxima vez, ninguém acredita, é como a história do Pedro e do lobo.”
Aliás, o português diz que “a propaganda russa” já está a aproveitar a oportunidade, dizendo que a Ucrânia poderá invadir as regiões separatistas do Leste, para recuperar esses territórios, durante o campeonato do mundo.
Esta segunda-feira, relata o jornalista, já se dizia que os ucranianos iriam mandar abaixo um helicóptero com uma delegação da União Europeia que ia visitar o leste da Ucrânia para depois acusar os separatistas russos de serem os autores do atentado.
A Ucrânia, acredita Milhazes, não é a única a fazer favores inesperados à Rússia e o Mundial pode ser um momento muito importante para o Presidente russo.
“Putin tem agora oportunidade de ouro em todos os sentidos.
O Ocidente, sem que o presidente se mexa, faz-lhe favores absolutamente únicos.
É o caso do que aconteceu no G7, quando Trump veio dizer que devem receber a Rússia de volta.
Para Putin é ouro sobre azul.
Ele anda a dizer que o seu objetivo não é voltar — claro que é mentira — mas imagine que ele regressa imposto pelo Trump.
É uma vitória enorme.”
O G7, que esteve reunido no fim-de-semana de 9 e 10 de junho e de onde saiu uma foto viral que ilustra bem o mal-estar entre os participantes, é composto pelo Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos.
Anteriormente chamado de G8 contava também com a presença da Rússia, mas a sua participação no grupo foi suspensa em 2014 no auge da crise da Crimeia.
E estas campanhas anti-Rússia ou anti-Ocidente, que variam consoante o ponto cardeal de onde olhamos para elas, preocupam os russos?
Milhazes acha que não: “Os cidadãos vão continuar a acreditar que há uma campanha anti-Rússia, porque a propaganda vai continuar na mesma, a não ser que haja uma viragem muito grande no campo internacional.
A campanha anti-Ocidente vai acalmar um bocadinho durante o Mundial e não vai haver hostilidade aberta em relação aos estrangeiros para não estragar a imagem do país.”
Este cenário, recorda Milhazes, já aconteceu na União Soviética nos Jogos Olímpicos de 1980, altura em que também foi montada uma enorme operação de charme.
“A única coisa que estragou aquilo foi a invasão do Afeganistão que levou ao boicote de parte dos países.
A essência, naquela altura, era mostrar que a União Soviética era uma grande potência, que era superior ao mundo capitalista nos desportos e Putin está a repetir essa política.
Está a tentar mostrar um país mais forte, militarmente e no sentido de organização.
Claro que o futebol russo não é capaz de mostrar resultados como mostravam os outros atletas soviéticos, mas a ideia de o país receber bem, ser hospitaleiro, não haver hostilidades é muito importante para o regime.
E tudo vai ser feito com muito cuidado, porque se acontecer alguma coisa é uma escandaleira que pode manchar o campeonato.”
De Moscovo, as palavras de Dmitry Sudakov vão exatamente no sentido de haver essa campanha contra a sua terra-mãe.
“A Rússia foi muito demonizada nos media ocidentais.
Mas quando as pessoas comuns chegarem aqui para o Mundial vão ver que tudo é muito diferente do que é escrito pela imprensa.
E esperamos que a maioria dos estrangeiros adore estar aqui.
Por isso, acho que o Mundial vai ser muito positivo para a Rússia no meio de todos os escândalos que, ultimamente, o Ocidente tem zelosamente arranjado para o nosso país.”
Timothy Bancroft-Hinchey concorda com esta análise e insiste que tem havido muita difamação na imprensa internacional contra a Rússia e o seu Presidente, um homem que, segundo o jornalista britânico, é respeitado pela grande maioria dos russos: é visto como um patriota que zela pelos interesses do povo.
“O Mundial vai ser visto por muitos como a maneira de mostrar a Rússia como ela é: um país ‘normal’ como qualquer outro, não uma ditadura, não um país homofóbico — esta questão gira à volta da questão de proibir a mostra de imagens pornográficas e homossexuais a menores, mais nada —, mas sim um país acolhedor, cheio de cultura, de oportunidades, amizade e boa vontade.
Muitos russos sentem-se magoados por esta onda de mentiras na imprensa mundial.”
Tal como noutras questões, também aqui encontramos duas escolas de pensamento.
A posição de Kirill Martynov e Pavel Kudyukin é diametralmente oposta à dos jornalistas do Pravda.
“Nos últimos anos, muitos políticos têm falado na questão de isolamento da Rússia.
Para os apoiantes de Putin, o Mundial é a prova de que não há isolamento algum.
Para os seus opositores, e para mim pessoalmente, a celebração do desporto na Rússia é um paradoxo político.
Estamos em guerra com os nossos vizinhos, temos centenas de presos políticos encarcerados, mas o mundo inteiro está contente por vir jogar futebol connosco.
Para a nossa política interna, há duas interpretações possíveis.
A primeira sugere que o Mundial está a proteger o regime de Putin de ações muito duras, levando a uma liberalização temporária.
A segunda é que as medidas de segurança não serão levantadas depois do Mundial e um regime policial será implementado no país depois de o último jogador de futebol ter voltado para casa”, refere o editor de política do Novaya Gazeta.
Já o co-presidente do Solidariedade Universitária, defende que muitos russos acreditam na propaganda de Putin sobre uma campanha anti-Rússia, “se é que sequer pensam nisso”. Na sua opinião, a melhor maneira de melhorar a imagem do país no exterior seria mudar a política externa e doméstica e não com um campeonato de futebol.
3 - Está na hora de tentar o xeque-mate diplomático
Se há países que já assumiram um boicote ao Mundial russo, outros há que parecem disponíveis para se sentar nas tribunas.
É certo que não haverá quaisquer membros da família real ou políticos britânicos na Rússia a assistir ao Mundial.
O anúncio, feito por Theresa May, chefe do governo britânico, levou a uma onda de solidariedade entre outros países.
Polónia, Islândia, Dinamarca, Suécia, Austrália e Japão também não terão altos dirigentes presentes, todos pelo mesmo motivo: acreditam que foi o Kremlin quem orquestrou o envenenamento do agente duplo russo, Sergei Skripal, com um agente nervoso em território britânico.
Já Angela Merkel, chanceler alemã, não descarta a possibilidade de viajar até Moscovo, assim como Emmanuel Macron.
O presidente francês pondera assistir ao jogo se a seleção do seu país chegar às semifinais.
E sobre a viagem e os diferendos com Putin, Merkel afirmou: “Se não falarmos um com o outro, dificilmente encontraremos alguma solução.”
É por isso que José Milhazes acredita que enquanto nos relvados se jogar futebol, nas bancadas, os altos dirigentes políticos vão mover-se no tabuleiro de xadrez político.
“Este campeonato pode ser interessante nesse sentido, por ser de uma diplomacia intensa, por poder ser aproveitado como uma maratona diplomática.
Alguns dirigentes de países importantes para a Rússia vão lá estar.
Macron e Merkel poderão lá estar e isso significa que está presente a União Europeia. Por isso, muitos analistas dizem que este momento pode servir para uma certa aproximação entre a Europa e Rússia, num momento, depois do G7, que estão todos chateados com o Trump", defende Milhazes.
Os contactos informais podem ser valiosos, já que permitem a Putin aproximar-se de outros políticos que, noutras circunstâncias, não estariam tão à mão de semear, diz o jornalista. “Parece que há uma possibilidade de Portugal jogar com a Rússia e não excluo a possibilidade de o nosso Presidente se encontrar com Putin, nem que seja durante 5 minutos na tribuna.
E estar de uma forma diferente, informal, pode criar um ambiente que desanuvie a tensão. Vai lá estar a seleção do Irão.
E se lá for o aiatolá Ali Khamenei ver o jogo?
E se se sentar ao lado da Merkel?
Até podem falar do acordo nuclear que o Trump decidiu anular.
Podemos ter ali uma espécie de cimeiras que poderão servir como elo de ligação para discutir questões internacionais”, explica José Milhazes.
No caso de Portugal, nos três jogos de apuramento da seleção, a presença política está garantida: Ferro Rodrigues assistirá à primeira partida, Marcelo Rebelo de Sousa à segunda e António Costa à terceira.
Mas lembra Milhazes: se, em termos de golos, é difícil saber quais serão os golos, também na diplomacia é difícil saber quem será campeão.
“Na diplomacia, não há só vencedores e vencidos, há empates.
E a taça não vai só para casa de um.”
4 - E o futebol, senhores? Ninguém quer saber do futebol?
Há sete jogos que a seleção russa não ganha uma partida de futebol.
E quando entrar em campo para disputar a Arábia Saudita, no jogo inaugural desta quinta-feira, há um recorde que já está batido: há 84 anos que não acontecia o anfitrião do Mundial de Futebol estar há seis meses sem vencer um jogo.
Por isso, há uma distinção a ser feita.
Na opinião de Dmitry Sudakov, os russos estão satisfeitos por receber o Mundial, mas a seleção nacional é mais alvo de críticas do que de aplausos.
“O futebol é um dos jogos mais populares, se não o mais popular na Rússia.
No entanto, não diria que os russos estão orgulhosos do futebol, porque a seleção não tem jogado muito bem.
Há muitas críticas aos jogadores e há quem diga que o futebol russo é uma desgraça. Mas se a Rússia vencer algo, o triunfo nacional será esmagador.”
Embora nem todos sejam adeptos de futebol, Sudakov diz, por exemplo, que o hóquei no gelo é maior motivo de orgulho para os russos, e que o Mundial é uma oportunidade de mostrar o orgulho no país mais do que na seleção.
E por ali, acredita, não haverá protestos como aconteceu com o Brasil, no Mundial de 2014, porque todos “amam o futebol”.
“A nossa situação é muito diferente da brasileira.
A maioria das pessoas não vê problemas no Mundial, estão orgulhosas dele.
Consideram que o campeonato é mais uma confirmação da grandeza da Rússia, que começou com os Jogos Olímpicos de Sochi, há quatro anos e meio”, acrescenta Kirill Martynov.
A confirmação chega com sotaque britânico: “Diria que, globalmente, os russos abraçam o Mundial como uma maneira de mostrar que a Rússia é fixe, que os russos são bacanos, que gostam de se divertir, adoram brincar, adoram o ar livre, adoram festas e churrascos e no verão passam a maior parte do tempo nas florestas, ou nas dachas, a cultivar pepinos e tomates para fazer pickles e compotas.
Muita gente está mais virada para isso do que para os estádios de futebol.
Mas eu, que faço os relatórios de desporto no Pravda.
Eu, prevejo uma final Portugal vs. Brasil, 2-1 vence Portugal”, afirma Timothy Bancroft-Hinchey.
E os golos, serão de quem?
“Quaresma e CR7, de quem mais haveria de ser?”
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