sábado, 2 de junho de 2018

Em Espanha espera-se pelo homem que ninguém esperava: Albert Rivera /premium

MOÇÃO DE CENSURA
João de Almeida Dias
30 Maio 2018


















Ciudadanos é a chave do fim de Rajoy. 
O partido de Albert Rivera ganhou o protagonismo e a confiança que o PP perdeu com a crise catalã e corrupção. 
Mas será capaz de avançar? 
Especialistas hesitam.

Albert Rivera tem nas suas mãos a possibilidade de mudar a vida política de Espanha — mas, para lá chegar, terá de deixar de ser quem é. Aos 38 anos, o fundador e líder do Ciudadanos é conhecido por ser um homem do centro — e, por isso, impreterivelmente comprometido com o meio-termo.

São vários os exemplos que para aí apontam. A começar por uma questão fraturante em Espanha como o debate Monarquia vs. República. “Eu considero-me republicano, mas respeito a Constituição espanhola e a monarquia parlamentar”, dizia no início de 2015. Na mesma altura já dizia que era “a favor da despenalização” do aborto, mas contrapunha que este “não é um direito”. Sobre os imigrantes não queria dar nem cidadania nem fechar-lhes as portas, mas antes conceder-lhes vistos de residência. E dizia ser “contrário às quotas de paridade” de género do parlamento — mas assumia como “objetivo” um parlamento igualmente distribuído entre homens e mulheres. O meio-termo fazia até parte do meio de transporte de eleição. Quando chegou a deputado regional, em 2006, Albert Rivera tratou de se “livrar” de ter motorista — mas não foi por isso que aderiu aos transportes públicos ou à bicicleta. Encontrou o equilíbrio no táxi, que designou como “o melhor carro oficial”.

Nem tanto ao mar nem tanto à terra, Albert Rivera e o Ciudadanos fizeram o seu caminho até chegarem a quarto maior partido de Espanha em dezembro de 2015. Dessa vez, viraram-se à esquerda deram a mão ao PSOE para formar governo — o que viria a fracassar, obrigando a novas eleições, em junho de 2016. À segunda tentativa, o Ciudadanos voltou-se então para a direita — e levou Mariano Rajoy ao seu segundo, e muito complicado, mandato como Presidente de Governo.

Agora, aproximadamente um ano e meio depois de ter dado a Mariano Rajoy o empurrão necessário para subir ao poder, Albert Rivera está em posição de derrubá-lo. Num discurso em que oficializou rutura do Ciudadanos com o PP, Albert Rivera disse que “a corrupção liquidou a legislatura”. Tradução: depois da sentença do caso Gürtel, o Ciudadanos deixa de sustentar o governo de Mariano Rajoy e quer o seu fim. Porém, o caminho para ali chegar não é assim tão simples.

A saída de cena de Mariano Rajoy ganhou contornos mais concretos na semana passada, quando o PSOE apresentou uma moção de censura contra o governo de Mariano Rajoy. Isto, na sequência da sentença do escândalo Gürtel, que culminou numa sentença onde a justiça declara que o Partido Popular teve “benefícios económicos significativos” daquele esquema de corrupção.

Mas há aqui um ‘mas’: Albert Rivera e o Ciudadanos não estão dispostos a apoiar a moção de censura do PSOE.

Primeiro, porque segundo a Constituição espanhola, os proponentes de uma moção de censura têm de apresentar um candidato para substituir o Presidente de Governo visado pela votação. E, neste caso, os socialistas decidiram escolher o seu líder, Pedro Sánchez, para suceder a Mariano Rajoy. Só que o Ciudadanos rejeita levar Pedro Sánchez ao poder, mesmo que temporariamente, propondo antes três nomes. São eles Nicolás Redondo (sindicalista histórico da UGT), Ramón Jáuregui (eurodeputado do PSOE) e Javier Solana (ex-ministro do PSOE e antigo secretário-geral da NATO). Para Albert Rivera, trata-se de três “pessoas independentes próximas do PSOE”. Ou seja, de meio-termo.
























Depois das eleições de junho de 2016, Albert Rivera deu a mão a um governo minoritário de Mariano Rajoy. Depois da sentença do caso Gürtel, retirou o seu apoio

Depois, porque apesar de se comprometerem com eleições antecipadas, os socialistas dizem que a principal prioridade é a “estabilidade” do país. Ou seja, no que depender estritamente do PSOE, não há qualquer data para eleições no calendário. Algo que o Ciudadanos também não aceita, exigindo a realização de eleições no Outono. Não imediatamente, nem para uma data a definir — algo a meio-termo.

O contexto em que tudo isto decorre é de valorização do Ciudadanos e, por outro lado, de queda dos dois partidos históricos de Espanha, PSOE e PP, pilares do outrora vigente bipartidismo.

Na última sondagem do CIS para o El País — publicada a 8 de maio, ou seja, antes da sentença do caso Gürtel — o PP surgia ainda em primeiro, mas com aquilo que seria o seu pior resultado de sempre, fixado nos 24%. Logo a seguir, em segundo, aparecia o Ciudadanos, com 22,4%. Depois, o PSOE com 20% e, por fim, o Unidos Podemos (soma do Esquerda Unida com o Podemos) com 19,6%.

Se o cenário não é positivo para o PP na sondagem do CIS do início de maio, então ficou verdadeiramente negativo com a primeira sondagem após a leitura da sentença do caso Gürtel, publicada no El Español e da autoria da SocioMétrica. Além de colocar o Ciudadanos em primeiro (28,5%), renegava o PP para quarto lugar, com 16,7%. Pelo meio, ficava o PSOE com 20,3% e o Podemos com 19,3%.

Nunca o Ciudadanos teve o poder tão próximo das mãos, levado pelas mãos de um homem que ninguém esperava — um jovem catalão que vingou em Madrid graças a uma mensagem liberal e centrista num país conservador e de alguns extremos.

Mas agora, para poder chegar ao poder, o Ciudadanos vai ter de fazer agora aquilo que (com a exceção da sua ação na Catalunha) nunca fez verdadeiramente a nível nacional: escolher um lado de forma inequívoca, pondo de lado o meio-termo do costume. Neste caso, tomar o lado do PSOE para derrubar o PP. Esta parece ser a única opção realista, uma vez que o Ciudadanos, por si só, não consegue apresentar uma moção de censura — são necessários 35 deputados para fazê-lo e o partido de Albert Rivera tem 32.

“O Ciudadanos está numa posição delicada”, diz ao Observador a politóloga espanhola Berta Barbet. “Por um lado não pode coligar-se contra o PP porque muitos dos seus eleitores vêm desse lado Mas ao mesmo tempo não pode dar apoio ao PP porque têm de parecer diferentes.”

Semelhante análise faz o politólogo Jorge Galindo. “O Ciudadanos tem um dilema irresolúvel. Se se distancia muito do PP, perde eleitores. No caso da corrupção, o Ciudadanos acredita que tem de ser duro, mas não ao ponto de dar força à esquerda. Por isso, vai ter de ser sempre um partido de meio-termo”, garante ao Observador, numa entrevista por telefone.

A esta realidade, Berta Barbet prefere chamar de “equilíbrio” em vez de “paradoxo”. “O Ciudadanos recebe votos dos eleitores que ideologicamente se sentem bem representados no PP, mas que estão cansados da gestão que o PP fez do tema da corrupção. Por isso, vão tentar mostrar que são mais limpos”, sublinha. “É típico de um partido que está a crescer e que, ao mesmo tempo que tenta marcar posição, sabe que não pode perder pessoas pelo caminho.”

Da Catalunha para (o resto de) Espanha

Se as eleições de 2015 e de 2016 tornaram o Ciudadanos num país imprescindível para a vida política de Espanha, foi na sua base que o Ciudadanos começou a criar a ideia de que pode vir a ser agora o maior partido do país. Com Albert Rivera em Madrid e Inés Arrimadas a liderar o partido a partir de Barcelona, na bancada parlamentar do Ciudadanos no parlamento regional catalão, o partido naranja roubou ao PP o protagonismo na gestão de uma mas maiores crises da democracia espanhola.

“A liderança do Ciudadanos na Catalunha é muito forte e o PP na Catalunha é muito débil. E como se trata de um tema que preocupa os espanhóis, e de forma homogeneizada, este foi um tema que correu bem ao Ciudadanos a nível local e nacional”, diz Berta Barbet, ela própria catalã. Prova disso foi a subida do Ciudadanos e a descida do PP nas eleições autonómicas antecipadas, celebradas em dezembro de 2017. Ao passo de os naranjas se tornaram no maior partido da região (o que não impediu que houvesse uma maioria de deputados independentistas) os conservadores passaram a ter apenas quatro deputados e foram o partido menos votado entre aqueles que entraram no parlamento regional.

Tudo isto aconteceu à medida que, na generalidade de Espanha, o parlamento a merecer mais atenção passou a ser o da Catalunha — onde as intervenções de Inés Arrimadas cativam indecisos e unionistas — ao invés do Congresso dos Deputados em Madrid, onde Mariano Rajoy tem insistido em que a crise catalã não pertence à política, mas sim aos tribunais.

Na ausência de uma posição forte de Mariano Rajoy — cujo principal trunfo na Catalunha, o Artigo 155, lhe foi exigido ainda antes do referendo de 1 de outubro por Albert Rivera — o Ciudadanos cresceu com aquela que foi (e tem sido) a sua maior oportunidade. “O Ciudadanos tem agora uma janela de oportunidade semelhante à que o Podemos conseguiu ter no seu melhor momento, que foi a crise económica e o surgimento de vários escândalos de corrupção”, diz o politólogo Jorge Galindo. “Para o Ciudadanos, esse momento surgiu por causa de dois temas: a Catalunha e a corrupção. A corrupção é tanto um tema do Podemos como do Ciudadanos. Mas a a Catalunha é uma bandeira do Ciudadanos, onde tem uma presença forte e uma mensagem clara. Tudo isto ajuda-os a serem um partido de projeção nacional, porque a Catalunha é uma questão nacional da qual toda a gente fala.”

Assim, sintetiza Jorge Galindo, o Ciudadanos “encontrou esta combinação entre a questão da corrupção e o eixo nacional”, o que lhe permite ter entre a seu favor um terço de eleitores que antes votavam no PSOE e dois terços que tinham por hábito votar no PP.
























A subida do Ciudadanos e do Podemos, consagrada em 2015 e confirmada em 2016, pôs um fim um bipartidismo. Desde então, o Ciudadanos tem sido o fiel da balança

Nesta ascensão, o Ciudadanos tratou de puxar para si aquilo que até agora era um ponto de honra e orgulho do PP: a ostentação dos símbolos nacionais de Espanha e a apologia irredutível do patriotismo. A 20 de maio, Albert Rivera participou no lançamento da Espanha Cidadã (España Ciudadana, no nome original), uma plataforma patriótica encabeçada pelo partido naranja e com a participação de associações de cariz nacional.

“Que nenhum espanhol volte a pedir perdão por usar a sua bandeira, por falar a sua língua e por se sentir parte de um projeto comum”, disse Albert Rivera naquele dia, no Palácio de Congressos de Madrid. “Ao percorrer Espanha, não vejo ‘vermelhos’ e ‘azuis’, não vejo jovens e velhos, vejo espanhóis. Não vejo crentes e agnósticos, vejo espanhóis. Vamos unir-nos para recuperar o orgulho de pertencer a esta grande nação.”

A iniciativa não caiu bem no PP, onde soaram alarmes e surgiram críticas e queixas de conservadores que se sentiram ultrapassados pela direita por um partido recém-chegado. Em declarações ao El País, fontes conservadoras e também do governo de Mariano Rajoy demonstraram desagrado pela iniciativa de Albert Rivera, sobretudo nas menções que fez aos políticos do PP mortos em atentados da ETA. “Quando mataram Jesús Pedrosa em Durango, em 2000, tivemos de ir ao baú buscar uma bandeira de Espanha para a pôr em cima do caixão. Passávamos pelas aldeias e a nossa gente as tinha escondidas. Começávamos as reuniões beijando-as quase em segredo”, disse ao El País um deputado do PP basco. “Agora vem o Ciudadanos falar da bandeira. Nós defendiamo-la com os mortos!”, diz. Um membro do governo manifestou um desagrado semelhante, mas com ironia: “Agora foi o Ciudadanos que acabou com a ETA, que defendeu Espanha durante os últimos 40 anos na Catalunha. Agora ninguém é do PP, nem sequer Miguel Ángel Blanco”, disse, referindo-se ao político do PP sequestrado e assassinado pela ETA em 1997.

Os politólogos ouvidos pelo Observador falam tanto do sentido de oportunidade de Albert Rivera — e, por arrasto, do Ciudadanos — como das condições especiais do partido, que lhe permitem rapidamente içar ou recolher velas, conforme a direção dos ventos políticos. “Albert Rivera tem um olfato político muito apurado, consegue perceber em cima dos acontecimentos onde e como pode obter ganhos”, diz Jorge Galindo. E Berta Barbet acrescenta: “O Ciudadanos é um partido com bases fracas, mas com uma liderança forte. Os que estão no topo do partido podem dar guinadas ideológicas muito rápidas. Há um ano e meio não diríamos que o Ciudadanos estaria a apontar  dedo ao PP por falta de patriotismo”.

Rajoy morto, zombie ou… sobrevivente?

Ao longo da sua carreira política, Mariano Rajoy tem tido o prazer de navegar contra uma maré de previsões que, de tempos a tempos, apontavam para a sua morte política. “A primeira morte de Mariano Rajoy foi quando perdeu com Zapatero em 2004”, relembra Jorge Galindo, entre gargalhadas. Desde então já passaram 14 anos, dos quais sensivelmente metade com Mariano Rajoy a liderar o governo — primeiro com maioria absoluta, depois com o apoio parlamentar do Ciudadanos e outros mais pontuais, como o Partido Nacionalista Basco (PNV, na sigla espanhola).  Pelo meio, Mariano Rajoy aplicou um duro programa de austeridade, governou um país em recessão e com um desemprego descontrolado e viu alguns dos seus mais próximos aliados dentro do PP a serem condenados a penas de prisão por corrupção.























Esta é a segunda moção de censura contra o governo de Mariano Rajoy. A primeira foi proposta pelo Podemos, em 2017 (Pablo Blazquez Dominguez

Agora, Mariano Rajoy enfrenta a sua segunda moção de censura (a primeira aconteceu em 2017, promovida pelo Unidos Podemos, com a maioria do parlamento a garantir a continuação do governo do PP) e também a mais complicada. Segundo o El Confidencial, o PSOE conta neste momento com 175 votos a favor do derrube de Mariano Rajoy (onde, além dos deputados do Unidos Podemos, se contam vários independentistas) e 170 votos contra (onde, salvo uma mudança de última hora, se contam os 32 deputados do Ciudadanos). Ficam a sobrar os 5 do PNV que, neste contexto, servirá de fiel da balança.

“O PNV é a parte mais débil da confiança de Rajoy, mas não quer dizer que lhe falhe”, diz Jorge Galindo. Ainda recentemente, o PNV garantiu ao PP a aprovação dos orçamentos (do Estado e regionais) no Congresso dos Deputados. Além disso, sublinha que o partido basco tem mais tendência para acreditar no pouco que o PP de Mariano Rajoy lhe dá, do que no muito que o PSOE de Pedro Sánchez lhe pode prometer. “Pedro Sánchez pode prometer-lhes tudo, desde um acordo na Catalunha e até termos mais agradáveis para o País Basco, que no final o que os independentistas lhe vão pedir é referendos e indultos. E isso o PSOE nunca lhes vai dar. Com o PP, ao menos já sabem com o que contam”, diz.

“Sempre perguntámos: como é que ele se aguenta. E a verdade é que se aguentou”, diz Jorge Galindo. “Rajoy não se vai demitir por iniciativa própria. Depois, sempre foi muito ágil na hora de fazer fracassar qualquer tipo de rebelião dentro do próprio partido. Por isso, não há nada que o empurre efetivamente para fora do poder. Nem dentro do partido, nem fora”, acrescenta Berta Barbet.

Ainda assim, Jorge Galindo não acredita que o talismã da sorte seja eterno. “Os maiores desafios ao rajoyismo foram durante o seu primeiro mandato, em que tinha maioria absoluta. Agora não, agora está em maioria simples. Por isso, esta legislatura agora será, se sobreviver, uma legislatura zombie.”

Quando questionado sobre o que prefere Albert Rivera, entre um Rajoy Presidente de Governo zombie ou Pedro Sánchez no poder, o politólogo não hesita em responder: “Claro que prefere o Rajoy Presidente zombie. Além de eleições antecipadas, é o melhor que o Ciudadanos pode ter. Um Rajoy zombie, que se queima aos poucos, como num cozinhado lento.” Albert Rivera já terá o avental de cozinheiro vestido. Entre desligar o fogão e aumentar a chama ao máximo, deverá preferir o lume brando. Uma solução de meio-termo, portanto.

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