PORTUGAL - USA
Nelson Marques
23/Jun/2018
NÓS E OS KENNEDYS
JFK foi Presidente americano mais amado pelo mundo.
E a figura mais notável de um clã que, ao longo de três gerações, se cruzou com inúmeros portugueses.
Estas são as histórias do professor de vela, dos mordomos, das relações como Salazar e da visita de Ted ao Expresso em 1974.
Sem esquecer a lenda da quinta na Arrábida onde Jacqueline Onassis terá vivido.
Dos mordomos de Jackie à relação ambivalente entre JFK e Salazar, a saga do clã político mais popular dos Estados Unidos cruzou-se com Portugal e com os portugueses.
DIPLOMACIA duas semanas antes de ser assassinado, o Presidente dos EUA John F. Kennedy encontrou-se na Casa Branca com o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Franco Nogueira
Num cantinho da sua casa em Queens, Nova Iorque, João Crisóstomo, de 74 anos, tem um pequeno santuário dedicado a Jacqueline Kennedy Onassis, a viúva do antigo Presidente dos EUA John F. Kennedy e do armador grego Aristóteles Onassis.
“Chamo-lhe oratório”, revela com um sorriso.
Na prateleira de cima estão vários livros e revistas sobre a antiga primeira-dama.
Na do meio pode ver-se o tabuleiro onde era servido o seu pequeno-almoço e um artigo da revista “Mundo Português” onde Crisóstomo recorda o tempo em que conviveu com uma das mulheres mais icónicas do século XX.
Mais abaixo está o tapete onde Jackie fazia ioga, bem como várias cartas e cartões escritos por ela à mão e um par de fotografias.
Uma delas mostra-o no apartamento do 15º andar do número 1040 da Quinta Avenida onde Jacqueline viveu até à sua morte, em 1994.
De calças pretas, casaco branco e gravata, Crisóstomo aparece sorridente ao lado de um móvel que foi oferecido pelo general Charles de Gaulle.
A fotografia foi tirada no dia 24 de dezembro de 1985, antes do jantar de Natal, pela própria Jackie, que escreveu no verso: “Feliz Natal, caro Francisco [tratava-o assim, pelo segundo nome, para que não se confundisse com o do seu filho, John], para si e para toda a sua família.
Temos saudades suas e ficámos muito felizes por vê-lo de novo.
Obrigado por tudo o que fez para que a nossa festa fosse tão bonita.
Feliz Ano Novo.
Afetuosamente, Jacqueline Onassis”.
Crisóstomo foi mordomo de Jackie durante pouco mais de três anos, entre 1975 e 1979, mas nas duas décadas seguintes continuou a dar-lhe apoio em diversas ocasiões.
“Ia lá sempre que ela precisava, ainda hoje guardo a chave do apartamento [entretanto vendido]”, conta ao Expresso.
Quando chega a Nova Iorque, em 1975, está longe de imaginar que o seu destino se cruzará com o daquela mulher “extraordinária”.
Natural de Torres Vedras, trabalhava no Leme Palace Hotel, no Rio de Janeiro, quando um antigo professor lhe sugere que vá aos EUA tirar um curso de hotelaria.
Porém, depressa percebe que não tem qualquer possibilidade de pagar as propinas, “mais de 20 mil dólares na época, uma fortuna”.
Tinha viajado em vão.
APAIXONADOS o então senador e a sua namorada Jacqueline, ainda conhecida pelo apelido de solteira Bouvier, fotografados em Junho de 19532, na casa da família Kennedy em Cape Cod
Está decidido a regressar quando um amigo lhe diz que pode ter um trabalho para ele. Francisco Pereira é motorista do multimilionário banqueiro Edmond Safra, mas, ocasionalmente, trabalha para uma cliente da alta sociedade que tinha recentemente ficado viúva.
A entrevista fica marcada para dali a um mês, porque a mulher está em Skorpios, a ilha privada de Onassis no Mar Jónico.
Quando finalmente se encontraram, Crisóstomo fica “surpreendido e confuso” por ter pela frente Jackie O.
“Ela mostrou logo ser uma pessoa muito simples.
Digo sempre que foi uma primeira-dama em todo o sentido da palavra.
Fazia os grande sentirem-se mais pequenos e elevava os mais pequenos ao nível dela”.
Apesar de ter trabalhado num hotel, o português não tinha qualquer experiência como mordomo.
“Na verdade, nem sabia bem o que isso era”, admite.
Por isso, propõe ficar dois meses à experiência.
Ela aceita.
Três semanas depois, enquanto ele lava a loiça, a governanta pergunta-lhe se gosta do trabalho.
A senhora Onassis está pronta para assinar o contrato.
“Foi a minha primeira medalha”, diz com orgulho.
Fica a viver num quarto do apartamento, mesmo em frente ao reservatório de água onde a viúva de Kennedy e Onassis corria todas as manhãs, depois de tomar o pequeno-almoço que ele lhe servia (cereais, ovo cozido, pão integral com manteiga, iogurte e fruta) e de passar os olhos pelo diário “The New York Times”.
Após o exercício, ela tomava um duche, arranjava-se e seguia de táxi para a editora Doubleday, que dirigia, levando com ela um ligeiro almoço.
Pelas cinco da tarde regressava a casa, lia a correspondência que o mordomo lhe deixava no móvel da entrada, bebia um chá preto (por vezes comia também uma peça de fruta) e recebia uma massagem ou ia correr no Central Park.
Saía geralmente para jantar fora — quando os filhos estavam, jantavam em família — e deitava-se pelas 22h.
Crisóstomo ia para a cama por volta da meia-noite.
Às 6h, já estava de pé.
“Era intenso, mas fazia-o com toda a satisfação, nunca senti que abusassem de mim.
Os portugueses tinham essa fama de trabalhadores que não olhavam a sacrifícios.
Naquela época, há 20, 30 anos, eram a elite dos mordomos de Nova Iorque”.
É possível que o apreço de Jacqueline pelos trabalhadores lusos estivesse também associado às suas raízes.
A antiga primeira-dama fora criada na Hammersmith Farm, em Newport, Rhode Island, cerca de 100 quilómetros a sul de Boston, uma região com uma grande comunidade de portugueses, muitos dos quais trabalhavam como pescadores, agricultores e empregados domésticos.
Também o seu primeiro marido, John F. Kennedy, cresceu rodeado de emigrantes portugueses em Cape Cod, no Massachusetts, alguns dos quais terão trabalhado na propriedade da família em Hyannis Port.
Um dos pescadores mais populares da região, Manuel Zora, lendário contrabandista marítimo durante a Lei Seca, gabava-se de ter ensinado o futuro 35º Presidente dos EUA a velejar no “Victura”, o barco que JFK recebeu no seu 15º aniversário.
O DEDO DO MORDOMO EM FOZ COA E EM TIMOR
Crisóstomo não foi o único português ao serviço de Jackie.
Na casa de casa de campo dos Kennedys em New Jersey, o mordomo e a cozinheira eram o casal Celestino e Alice Esteves.
E quando o emigrante de Torres Vedras quis procurar um trabalho que lhe permitisse passar mais tempo com os filhos, foi outro compatriota, Efigénio Pinheiro, quem lhe sucedeu durante duas décadas, até à morte de Jacqueline.
Em testamento, ela deixou-lhe 25 mil dólares, o equivalente hoje a mais de 35 mil euros.
O mordomo ficou então ao serviço de John John Kennedy, filho de Jackie e JFK, até à morte deste e da mulher em 1999 num acidente de avião.
Após a tragédia, Pinheiro regressou a Portugal com Friday, o cão do casal.
Nunca quis falar à imprensa.
Militante de várias causas, foi a partir da casa dos Kennedys na Quinta Avenida que João Crisóstomo pôs em marcha a sua campanha internacional para travar a submersão das gravuras de Foz Coa.
“Quando li a notícia no ‘New York Times’ disse ao John Jr. que queria fazer uns contactos.
Naquela altura nem havia internet, então ele disse-me que podia ir lá para casa e utilizar o escritório.
Foi de lá que mandei faxes para todo o mundo, para o Patrick Kennedy [filho de Ted Kennedy e então congressista], para os jornais ‘The Times’ e ‘Le Monde’, estabeleci ali o meu quartel-general.
Um dia, eram 3 da manhã e recebi um telefonema.
Era um jornalista de ‘Le Monde’”.
Por coincidência, o artigo do diário francês foi publicado no mesmo dia que outro, do inglês “The Times”.
Crisóstomo conseguira falar com o dono do jornal londrino, Rupert Murdoch, através do mordomo deste, também português.
Quando António Guterres chega ao Governo de Portugal, o projeto da barragem é enterrado.
Causas João Crisóstomo (1, numa foto tirada pela própria Jackie Kennedy) foi mordomo da antiga da antiga primeira-dama no apartamento da quinta avenida de Nova Iorque, (2 e mobilizou vários membros da família, como Patrick Kennedy, (4, ao meio) para causas como as gravuras de Foz Coa e Timor-Leste; John Kennedy, (3 recebe um grupo de emigrantes açorianos na Casa Branca
O mordomo de Jackie, que mais tarde foi maître de um banco, usou também a sua rede de influências para apoiar a causa de Timor-Leste.
Criou o LAMETA (Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor-Leste) e, com o apoio de Patrick Kennedy, fez chegar uma petição ao então Presidente dos EUA, Bill Clinton, pedindo-lhe que pressionasse a Indonésia a aceitar a realização de um referendo. Numa carta enviada à Casa Branca a 9 de julho de 1997, o então congressista escreve: “Caro Sr. Presidente, envio-lhe várias petições sobre a autodeterminação de Timor-Leste que foram enviadas para o meu gabinete e que lhe são destinadas.
Como pode ver pelo número de signatários este é um assunto importante para muitos americanos.
Obrigado pela sua atenção para este importante assunto internacional de direitos humanos”.
LISBOA NO CAMINHO DE JOE KENNEDY
A relação dos Kennedys com Portugal é antiga.
O patriarca, Joseph “Joe” Kennedy, pai de John, Robert e Ted Kennedy (todos membros da dinastia política da família) e de seis outros filhos, foi embaixador no Reino Unido entre 1938 e 1940, até ter esgotado a paciência do primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, e do Presidente americano Franklin Roosevelt com a sua oposição à entrada dos EUA numa guerra que, mais tarde, lhe levaria o filho mais velho (Joseph Jr.) e feriria outro (John).
Determinado a renunciar ao cargo e acenando com a possibilidade de apoiar o candidato republicano à Casa Branca, Wendell Willkie, Joe deixa Londres em outubro de 1940.
Com o filho John, o motorista e um jornalista, viaja então num avião cedido pelo Governo britânico para Lisboa, onde, com uma vintena de passageiros, embarcaria num Boeing 314, conhecido como “Atlantic Clipper”, rumo a Nova Iorque.
Devido a uma tempestade no Atlântico, a viagem — que incluiu escalas na Horta e nas Bermudas — é adiada duas vezes, forçando-os a ficar três dias na capital portuguesa, noticia na época o jornal “The New York Times”.
O que terão feito durante esse tempo é um grande mistério, admite Frédéric Lecomte Dieu, biógrafo da família e curador da exposição “The Kennedy Years”, inaugurada esta semana em Lisboa.
“É provável que ele [Joe Kennedy] se tenha encontrado com algumas pessoas, mas não se conhecem os pormenores”.
O que se sabe é que recebe nessa altura uma carta do Presidente dos EUA que “acabaria por ser decisiva no desfecho da sua carreira política”.
Conhecedor da oposição de Kennedy a qualquer ajuda militar ou económica ao Reino Unido, Roosevelt pede-lhe discrição.
Não deve fazer qualquer declaração pública até que os dois se encontrassem em Washington.
Kennedy cumpre com o que lhe é pedido.
“Não tenho nada a dizer-lhes, rapazes”, afirma aos jornalistas que o esperam no aeroporto. Depois do encontro com o Presidente, anuncia a renúncia ao cargo de embaixador e, surpreendentemente, assume que vai apoiar a reeleição de Roosevelt, um volte-face que alguns historiadores atribuem à ambição de concorrer ele mesmo à Casa Branca quatro anos depois e esperar que o apoio lhe seja devolvido.
Porém, poucos dias depois das eleições desse ano, a publicação de uma entrevista onde critica ferozmente os políticos britânicos e afirma que tudo fará para manter os EUA fora da guerra sentencia as suas ambições políticas.
Nunca mais se livrará da fama de reacionário e de simpatizante nazi.
Daí em diante usa a sua imensa fortuna e os contactos privilegiados para impulsionar a carreira política dos filhos.
O mais velho, Joseph Kennedy Jr., fora desde cedo preparado para ser o primeiro presidente de origem católica dos EUA, mas, numa trágica ironia, acaba por ser, em 1944, uma das vítimas da guerra a que o seu pai se opusera.
As expectativas da família em chegar ao poder são então depositadas no segundo filho, John Fitzgerald, que acaba mesmo por vencer as eleições presidenciais de 1960.
O APOIO AOS REFUGIADOS AÇORIANOS
A carreira política de JFK cruza-se com Portugal ainda antes da sua chegada à Casa Branca.
Em 1958, enquanto senador do Massachusetts, ele é um dos responsáveis por conseguir que os EUA abram a porta a 2500 famílias afetadas pela erupção do vulcão dos Capelinhos, no Faial.
Na sequência da pressão exercida por vários políticos açorianos locais, o senador John Pastore, um democrata de origem ítalo-americana natural de Rhode Island, propõe ao Congresso o “Azorean Refugee Act” (Lei dos Refugiados Açorianos).
Três semanas depois, Kennedy junta-lhe o seu apoio.
“Sendo filho de um emigrante irlandês, de origem católica, era mais sensível às questões relacionadas com a discriminação e a integração das populações emigrantes — ele era a prova de que a integração era possível, ainda que não frequente”, relembra Daniel Marcos, autor do livro “A Erupção dos Capelinhos: Janela de Oportunidade para a Emigração Açoriana”.
Encontros em 1974, o Senador Ted Kennedy veio a Lisboa a convinte de Mário Soares (5 e esteve no Expresso à conversa com os responsáveis de várias publicações 1: do lado direito da foto, Francisco Pinto Balsemão está ladeado, à sua esquerda, por Marcelo Rebelo de Sousa e Rudolfo Iriarte e, à direita por Jean Kennedy Smith, irmã de Ted, e José Carlos Vasconcelos; do lado esquerdo de Ted, (à esquerda da foto) estão Leonardo Ferraz de Carvalho, Joaquim Letria e António Pedro Ruella Ramos Ramos; carta enviada por Salazar a John Kennedy em Setembro de 1963, 2; JFK e o então embaixador de Portugal nos EUA, Luís Esteves Fernandes, na Casa Branca 3; O poruguês Edmundo Luís 4, Procurador da Justiça no caso da morte da Secretária de Ted Kennedy
A oposição pública de Kennedy à então lei de emigração — muito restritiva, dando predominância à entrada de emigrantes vindos de países ricos, protestantes, do norte da Europa — e o facto de 1958 ser um ano de eleições intercalares terão, segundo o professor do Departamento de Estudos Políticos da Universidade Nova de Lisboa, contribuído também para o empenho do então senador.
“Sendo a maioria do eleitorado dele no Massachusetts de origem emigrante (gregos, polacos, irlandeses, italianos e, em menor número, portugueses), o apoio a esta lei poderia ter um retorno político claro, não só para ele, mas também para os seus colegas de partido que se candidatavam nestas eleições”.
Anos mais tarde, em 1963, um grupo de luso-americanos vai à Casa Branca agradecer-lhe. Entre eles está Olivia Goulart, então com 11 anos, que oferece a JFK uma placa em madeira esculpida pelo avô. “Lembro-me de que estava muito entusiasmada por conhecer o Presidente.
Ele era muito alto.
Fez-me algumas perguntas sobre a escola e deu-me um pin do “PT 109” [o barco torpedeiro que tinha sido capitaneado por ele na II Guerra Mundial e que foi afundado em 1943 no Pacífico] e uma caneta”, recorda ao Expresso a agora terapeuta familiar.
O DIÁLOGO SURDO COM SALAZAR
A entrada de Kennedy na Casa Branca, no início de 1961, conduz a uma subida da temperatura das relações com Portugal, marcando o período mais difícil desde a II Guerra Mundial.
O mais jovem Presidente da história dos EUA, de 43 anos, não faz segredo do seu apoio à independência e autodeterminação das novas nações africanas, uma visão que colide com a política colonial de Salazar.
Ainda como senador, abre a porta do seu gabinete a líderes e nacionalistas africanos, como Holden Roberto, da União das Populações de Angola (UPA), a quem estava ‘prometida’ a presidência de uma Angola independente.
“Chamem-lhe nacionalismo, chamem-lhe anticolonialismo, chamem-lhe o que quiserem, África está a viver uma revolução”, tinha anunciado durante a campanha eleitoral.
Logo após a eleição presidencial, num telegrama enviado a 9 de novembro de 1960 para Lisboa, o embaixador português em Washington, Luís Esteves Fernandes, regista os seus receios.
Para o diplomata, a ascensão de Kennedy ao poder significaria a “adoção de uma política anticolonial subordinada ao princípio da libertação de todos os territórios dependentes” e uma “nova era” no relacionamento entre os dois países.
O embaixador não tinha ilusões: nada seria como dantes na relação com a potência mais poderosa do Ocidente.
“Salazar representava o ‘velho’ mundo das potências europeias e dos seus impérios coloniais, das ditaduras do período anterior à II Guerra Mundial, de uma Europa que, no fundo, se ressentia da hegemonia americana e da organização bipolar do sistema internacional.
Kennedy representava uma nova geração, uma lufada de ar fresco na própria política norte-americana, o ‘espírito’ dos anos 60.
Aquilo a que se assiste a partir daí é a um choque frontal entre estas duas conceções”, explica Luís Nuno Rodrigues, autor do livro “Salazar-Kennedy: A Crise de Uma Aliança”.
A 15 de março de 1961, no mesmo dia em que é lançada a primeira ofensiva da UPA de Holden Roberto, os EUA colocam-se do lado do grupo crescente de países africanos e asiáticos que nas Nações Unidas condenam o colonialismo português.
Meses depois, anunciam que deixarão de vender a Portugal armamento que pudesse ser utilizado fora do âmbito da NATO.
Os dois anos seguintes são, porém, marcados por um desanuviar deste ambiente, com um regresso dos americanos a um posicionamento mais moderado.
A chave desta ambivalência está nos Açores: o acordo para a utilização da base aérea e naval das Lajes, assinado em 1957, cessava no final de 1962 e Salazar não hesita em usá-lo como arma negocial.
Num clima de agudização da Guerra Fria, a manutenção da base torna-se prioritária, como constantemente lembrarão o Pentágono e o Departamento de Defesa. JFK não se pode dar ao luxo de hostilizar o velho aliado da NATO.
Esta realidade é acentuada pela crise de Cuba, em 1962, com a instalação de mísseis soviéticos apontados aos EUA.
Quando a crise rebenta, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Franco Nogueira, está Washington para encontros com Kennedy e vários oficiais da Administração americana.
Anos mais tarde, nas suas memórias, considera que esse foi o momento decisivo da renovação do acordo dos Açores e o progressivo silenciamento dos americanos sobre as colónias portuguesas.
“Inesperadamente, e parecendo remota, a crise de Cuba constitui o dobrar de uma esquina nas relações bilaterais luso-americanas...
No pavor de perder o uso da base dos Açores, o Departamento de Defesa impõe, com pressões crescentes, a moderação e até o parcial abandono das políticas radicais da Casa Branca e do Departamento de Estado”.
A LENDA DA COMENDA
Em maio de 1965, ano e meio após o assassínio de JFK, Jackie viaja com os dois filhos, Caroline e John Jr., para Londres, onde marca presença no memorial que a Rainha Isabel II dedicou a JFK em Runnymede, o local da histórica Magna Carta.
Depois da cerimónia, é esperada na Casa Branca para o batismo do Jardim Este com o seu nome, mas declina o convite.
Ao invés, segundo revela Jan Pottker no livro “Janet and Jackie: The Story of a Mother and Her Daughter, Jacqueline Kennedy” (“Janet e Jackie: a História de Uma Mãe e da Sua Filha, Jacqueline Kennedy”), instala-se numa villa à beira-mar no sul de Portugal, como tinha sido noticiado a 18 de abril desse ano pelo “Boston Globe”.
Se esteve realmente em Portugal — e onde — permanece uma incógnita, pois não existem registos oficiais da sua passagem pelo país.
Recentemente, chegou a ser noticiado em alguns meios que terá ficado na Casa da Quinta da Comenda, em Setúbal, popularmente conhecida como Palácio da Comenda, a convite dos então proprietários, os condes D’Armand.
A lenda aparece associada à comercialização da propriedade por 50 milhões de euros, mas segundo um memorando técnico da Câmara de Setúbal, terá sido a irmã, Lee Radziwill, quem ali fica uns tempos no verão de 1965, na companhia do escritor Truman Capote.
REFÚGIO O Palácio da Comenda, na Serra da Arrábida, recebeu em 1965 a irmã de Jackie Kennedy e o escritor Truman Capote
A primeira visita oficial de um Kennedy a Portugal só tem lugar quase uma década depois. Em novembro de 1974, poucos meses após a revolução de Abril, o senador Ted Kennedy vem a Portugal a convite de Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros. Acompanhado pelo conselheiro Robert Hunter e pela irmã, Jean Kennedy Smith, discute a situação do país em encontros com Soares, o Presidente Costa Gomes, o ministro sem pasta Vítor Alves e destacados elementos do Movimento das Forças Armadas.
Além da Embaixada dos EUA em Lisboa, marca presença na Fundação Calouste Gulbenkian, onde dá uma conferência, e na sede do Expresso, onde conversa durante 80 minutos com Francisco Pinto Balsemão, fundador do jornal, Marcelo Rebelo de Sousa, então administrador da publicação, e vários jornalistas portugueses.
Segundo escreve o Expresso na época, o senador “veio mais para ouvir do que para falar”, mas fez questão “de elogiar o MFA, de saudar a democracia nascente em Portugal e de prometer o apoio económico do povo americano”.
Antes de partir, vai com Soares e outros políticos a uma casa de fados em Alfama que é fechada ao público nessa noite.
É lá que ouve Almeida Santos cantar um fado de Coimbra, Otelo Saraiva de Carvalho um de Lisboa e Cunhal a canção ‘Grândola, Vila Morena’.
Cinco anos antes dessa viagem, o destino de Kennedy cruza-se com o de outro português, Edmund Dinis, um advogado açoriano radicado nos EUA.
Figura do Partido Democrata em New Bradford, Dinis é um político em ascensão até ser o procurador responsável por investigar o acidente de automóvel que Kennedy tem e que provoca a morte da mulher que viaja com ele, a antiga secretária de Robert Kennedy, Mary Jo Kopechne.
O caso abala as ambições presidenciais do irmão mais novo de JFK e arruína a carreira política do português, que foi acusado por alguns sectores de ter sucumbido às pressões dos Kennedys: Ted é sentenciado a dois meses de pena suspensa e perde a carta de condução durante um ano por ter abandonado o local do acidente.
Apaixonado pelos cães de água portugueses, é também Ted Kennedy quem oferece a Barack Obama o cão que rapidamente se torna uma sensação da Casa Branca, “Bo”.
Ao contrário do deste, Ted nunca chega ao lugar mais desejado pelos políticos americanos, mas será para sempre recordado como um amigo de Portugal.
JFK foi Presidente americano mais amado pelo mundo.
E a figura mais notável de um clã que, ao longo de três gerações, se cruzou com inúmeros portugueses.
Estas são as histórias do professor de vela, dos mordomos, das relações como Salazar e da visita de Ted ao Expresso em 1974.
Sem esquecer a lenda da quinta na Arrábida onde Jacqueline Onassis terá vivido.
Dos mordomos de Jackie à relação ambivalente entre JFK e Salazar, a saga do clã político mais popular dos Estados Unidos cruzou-se com Portugal e com os portugueses.
DIPLOMACIA duas semanas antes de ser assassinado, o Presidente dos EUA John F. Kennedy encontrou-se na Casa Branca com o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Franco Nogueira
Num cantinho da sua casa em Queens, Nova Iorque, João Crisóstomo, de 74 anos, tem um pequeno santuário dedicado a Jacqueline Kennedy Onassis, a viúva do antigo Presidente dos EUA John F. Kennedy e do armador grego Aristóteles Onassis.
“Chamo-lhe oratório”, revela com um sorriso.
Na prateleira de cima estão vários livros e revistas sobre a antiga primeira-dama.
Na do meio pode ver-se o tabuleiro onde era servido o seu pequeno-almoço e um artigo da revista “Mundo Português” onde Crisóstomo recorda o tempo em que conviveu com uma das mulheres mais icónicas do século XX.
Mais abaixo está o tapete onde Jackie fazia ioga, bem como várias cartas e cartões escritos por ela à mão e um par de fotografias.
Uma delas mostra-o no apartamento do 15º andar do número 1040 da Quinta Avenida onde Jacqueline viveu até à sua morte, em 1994.
De calças pretas, casaco branco e gravata, Crisóstomo aparece sorridente ao lado de um móvel que foi oferecido pelo general Charles de Gaulle.
A fotografia foi tirada no dia 24 de dezembro de 1985, antes do jantar de Natal, pela própria Jackie, que escreveu no verso: “Feliz Natal, caro Francisco [tratava-o assim, pelo segundo nome, para que não se confundisse com o do seu filho, John], para si e para toda a sua família.
Temos saudades suas e ficámos muito felizes por vê-lo de novo.
Obrigado por tudo o que fez para que a nossa festa fosse tão bonita.
Feliz Ano Novo.
Afetuosamente, Jacqueline Onassis”.
Crisóstomo foi mordomo de Jackie durante pouco mais de três anos, entre 1975 e 1979, mas nas duas décadas seguintes continuou a dar-lhe apoio em diversas ocasiões.
“Ia lá sempre que ela precisava, ainda hoje guardo a chave do apartamento [entretanto vendido]”, conta ao Expresso.
Quando chega a Nova Iorque, em 1975, está longe de imaginar que o seu destino se cruzará com o daquela mulher “extraordinária”.
Natural de Torres Vedras, trabalhava no Leme Palace Hotel, no Rio de Janeiro, quando um antigo professor lhe sugere que vá aos EUA tirar um curso de hotelaria.
Porém, depressa percebe que não tem qualquer possibilidade de pagar as propinas, “mais de 20 mil dólares na época, uma fortuna”.
Tinha viajado em vão.
APAIXONADOS o então senador e a sua namorada Jacqueline, ainda conhecida pelo apelido de solteira Bouvier, fotografados em Junho de 19532, na casa da família Kennedy em Cape Cod
Está decidido a regressar quando um amigo lhe diz que pode ter um trabalho para ele. Francisco Pereira é motorista do multimilionário banqueiro Edmond Safra, mas, ocasionalmente, trabalha para uma cliente da alta sociedade que tinha recentemente ficado viúva.
A entrevista fica marcada para dali a um mês, porque a mulher está em Skorpios, a ilha privada de Onassis no Mar Jónico.
Quando finalmente se encontraram, Crisóstomo fica “surpreendido e confuso” por ter pela frente Jackie O.
“Ela mostrou logo ser uma pessoa muito simples.
Digo sempre que foi uma primeira-dama em todo o sentido da palavra.
Fazia os grande sentirem-se mais pequenos e elevava os mais pequenos ao nível dela”.
Apesar de ter trabalhado num hotel, o português não tinha qualquer experiência como mordomo.
“Na verdade, nem sabia bem o que isso era”, admite.
Por isso, propõe ficar dois meses à experiência.
Ela aceita.
Três semanas depois, enquanto ele lava a loiça, a governanta pergunta-lhe se gosta do trabalho.
A senhora Onassis está pronta para assinar o contrato.
“Foi a minha primeira medalha”, diz com orgulho.
Fica a viver num quarto do apartamento, mesmo em frente ao reservatório de água onde a viúva de Kennedy e Onassis corria todas as manhãs, depois de tomar o pequeno-almoço que ele lhe servia (cereais, ovo cozido, pão integral com manteiga, iogurte e fruta) e de passar os olhos pelo diário “The New York Times”.
Após o exercício, ela tomava um duche, arranjava-se e seguia de táxi para a editora Doubleday, que dirigia, levando com ela um ligeiro almoço.
Pelas cinco da tarde regressava a casa, lia a correspondência que o mordomo lhe deixava no móvel da entrada, bebia um chá preto (por vezes comia também uma peça de fruta) e recebia uma massagem ou ia correr no Central Park.
Saía geralmente para jantar fora — quando os filhos estavam, jantavam em família — e deitava-se pelas 22h.
Crisóstomo ia para a cama por volta da meia-noite.
Às 6h, já estava de pé.
“Era intenso, mas fazia-o com toda a satisfação, nunca senti que abusassem de mim.
Os portugueses tinham essa fama de trabalhadores que não olhavam a sacrifícios.
Naquela época, há 20, 30 anos, eram a elite dos mordomos de Nova Iorque”.
É possível que o apreço de Jacqueline pelos trabalhadores lusos estivesse também associado às suas raízes.
A antiga primeira-dama fora criada na Hammersmith Farm, em Newport, Rhode Island, cerca de 100 quilómetros a sul de Boston, uma região com uma grande comunidade de portugueses, muitos dos quais trabalhavam como pescadores, agricultores e empregados domésticos.
Também o seu primeiro marido, John F. Kennedy, cresceu rodeado de emigrantes portugueses em Cape Cod, no Massachusetts, alguns dos quais terão trabalhado na propriedade da família em Hyannis Port.
Um dos pescadores mais populares da região, Manuel Zora, lendário contrabandista marítimo durante a Lei Seca, gabava-se de ter ensinado o futuro 35º Presidente dos EUA a velejar no “Victura”, o barco que JFK recebeu no seu 15º aniversário.
O DEDO DO MORDOMO EM FOZ COA E EM TIMOR
Crisóstomo não foi o único português ao serviço de Jackie.
Na casa de casa de campo dos Kennedys em New Jersey, o mordomo e a cozinheira eram o casal Celestino e Alice Esteves.
E quando o emigrante de Torres Vedras quis procurar um trabalho que lhe permitisse passar mais tempo com os filhos, foi outro compatriota, Efigénio Pinheiro, quem lhe sucedeu durante duas décadas, até à morte de Jacqueline.
Em testamento, ela deixou-lhe 25 mil dólares, o equivalente hoje a mais de 35 mil euros.
O mordomo ficou então ao serviço de John John Kennedy, filho de Jackie e JFK, até à morte deste e da mulher em 1999 num acidente de avião.
Após a tragédia, Pinheiro regressou a Portugal com Friday, o cão do casal.
Nunca quis falar à imprensa.
Militante de várias causas, foi a partir da casa dos Kennedys na Quinta Avenida que João Crisóstomo pôs em marcha a sua campanha internacional para travar a submersão das gravuras de Foz Coa.
“Quando li a notícia no ‘New York Times’ disse ao John Jr. que queria fazer uns contactos.
Naquela altura nem havia internet, então ele disse-me que podia ir lá para casa e utilizar o escritório.
Foi de lá que mandei faxes para todo o mundo, para o Patrick Kennedy [filho de Ted Kennedy e então congressista], para os jornais ‘The Times’ e ‘Le Monde’, estabeleci ali o meu quartel-general.
Um dia, eram 3 da manhã e recebi um telefonema.
Era um jornalista de ‘Le Monde’”.
Por coincidência, o artigo do diário francês foi publicado no mesmo dia que outro, do inglês “The Times”.
Crisóstomo conseguira falar com o dono do jornal londrino, Rupert Murdoch, através do mordomo deste, também português.
Quando António Guterres chega ao Governo de Portugal, o projeto da barragem é enterrado.
Causas João Crisóstomo (1, numa foto tirada pela própria Jackie Kennedy) foi mordomo da antiga da antiga primeira-dama no apartamento da quinta avenida de Nova Iorque, (2 e mobilizou vários membros da família, como Patrick Kennedy, (4, ao meio) para causas como as gravuras de Foz Coa e Timor-Leste; John Kennedy, (3 recebe um grupo de emigrantes açorianos na Casa Branca
O mordomo de Jackie, que mais tarde foi maître de um banco, usou também a sua rede de influências para apoiar a causa de Timor-Leste.
Criou o LAMETA (Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor-Leste) e, com o apoio de Patrick Kennedy, fez chegar uma petição ao então Presidente dos EUA, Bill Clinton, pedindo-lhe que pressionasse a Indonésia a aceitar a realização de um referendo. Numa carta enviada à Casa Branca a 9 de julho de 1997, o então congressista escreve: “Caro Sr. Presidente, envio-lhe várias petições sobre a autodeterminação de Timor-Leste que foram enviadas para o meu gabinete e que lhe são destinadas.
Como pode ver pelo número de signatários este é um assunto importante para muitos americanos.
Obrigado pela sua atenção para este importante assunto internacional de direitos humanos”.
LISBOA NO CAMINHO DE JOE KENNEDY
A relação dos Kennedys com Portugal é antiga.
O patriarca, Joseph “Joe” Kennedy, pai de John, Robert e Ted Kennedy (todos membros da dinastia política da família) e de seis outros filhos, foi embaixador no Reino Unido entre 1938 e 1940, até ter esgotado a paciência do primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, e do Presidente americano Franklin Roosevelt com a sua oposição à entrada dos EUA numa guerra que, mais tarde, lhe levaria o filho mais velho (Joseph Jr.) e feriria outro (John).
Determinado a renunciar ao cargo e acenando com a possibilidade de apoiar o candidato republicano à Casa Branca, Wendell Willkie, Joe deixa Londres em outubro de 1940.
Com o filho John, o motorista e um jornalista, viaja então num avião cedido pelo Governo britânico para Lisboa, onde, com uma vintena de passageiros, embarcaria num Boeing 314, conhecido como “Atlantic Clipper”, rumo a Nova Iorque.
Devido a uma tempestade no Atlântico, a viagem — que incluiu escalas na Horta e nas Bermudas — é adiada duas vezes, forçando-os a ficar três dias na capital portuguesa, noticia na época o jornal “The New York Times”.
O que terão feito durante esse tempo é um grande mistério, admite Frédéric Lecomte Dieu, biógrafo da família e curador da exposição “The Kennedy Years”, inaugurada esta semana em Lisboa.
“É provável que ele [Joe Kennedy] se tenha encontrado com algumas pessoas, mas não se conhecem os pormenores”.
O que se sabe é que recebe nessa altura uma carta do Presidente dos EUA que “acabaria por ser decisiva no desfecho da sua carreira política”.
Conhecedor da oposição de Kennedy a qualquer ajuda militar ou económica ao Reino Unido, Roosevelt pede-lhe discrição.
Não deve fazer qualquer declaração pública até que os dois se encontrassem em Washington.
Kennedy cumpre com o que lhe é pedido.
“Não tenho nada a dizer-lhes, rapazes”, afirma aos jornalistas que o esperam no aeroporto. Depois do encontro com o Presidente, anuncia a renúncia ao cargo de embaixador e, surpreendentemente, assume que vai apoiar a reeleição de Roosevelt, um volte-face que alguns historiadores atribuem à ambição de concorrer ele mesmo à Casa Branca quatro anos depois e esperar que o apoio lhe seja devolvido.
Porém, poucos dias depois das eleições desse ano, a publicação de uma entrevista onde critica ferozmente os políticos britânicos e afirma que tudo fará para manter os EUA fora da guerra sentencia as suas ambições políticas.
Nunca mais se livrará da fama de reacionário e de simpatizante nazi.
Daí em diante usa a sua imensa fortuna e os contactos privilegiados para impulsionar a carreira política dos filhos.
O mais velho, Joseph Kennedy Jr., fora desde cedo preparado para ser o primeiro presidente de origem católica dos EUA, mas, numa trágica ironia, acaba por ser, em 1944, uma das vítimas da guerra a que o seu pai se opusera.
As expectativas da família em chegar ao poder são então depositadas no segundo filho, John Fitzgerald, que acaba mesmo por vencer as eleições presidenciais de 1960.
O APOIO AOS REFUGIADOS AÇORIANOS
A carreira política de JFK cruza-se com Portugal ainda antes da sua chegada à Casa Branca.
Em 1958, enquanto senador do Massachusetts, ele é um dos responsáveis por conseguir que os EUA abram a porta a 2500 famílias afetadas pela erupção do vulcão dos Capelinhos, no Faial.
Na sequência da pressão exercida por vários políticos açorianos locais, o senador John Pastore, um democrata de origem ítalo-americana natural de Rhode Island, propõe ao Congresso o “Azorean Refugee Act” (Lei dos Refugiados Açorianos).
Três semanas depois, Kennedy junta-lhe o seu apoio.
“Sendo filho de um emigrante irlandês, de origem católica, era mais sensível às questões relacionadas com a discriminação e a integração das populações emigrantes — ele era a prova de que a integração era possível, ainda que não frequente”, relembra Daniel Marcos, autor do livro “A Erupção dos Capelinhos: Janela de Oportunidade para a Emigração Açoriana”.
Encontros em 1974, o Senador Ted Kennedy veio a Lisboa a convinte de Mário Soares (5 e esteve no Expresso à conversa com os responsáveis de várias publicações 1: do lado direito da foto, Francisco Pinto Balsemão está ladeado, à sua esquerda, por Marcelo Rebelo de Sousa e Rudolfo Iriarte e, à direita por Jean Kennedy Smith, irmã de Ted, e José Carlos Vasconcelos; do lado esquerdo de Ted, (à esquerda da foto) estão Leonardo Ferraz de Carvalho, Joaquim Letria e António Pedro Ruella Ramos Ramos; carta enviada por Salazar a John Kennedy em Setembro de 1963, 2; JFK e o então embaixador de Portugal nos EUA, Luís Esteves Fernandes, na Casa Branca 3; O poruguês Edmundo Luís 4, Procurador da Justiça no caso da morte da Secretária de Ted Kennedy
A oposição pública de Kennedy à então lei de emigração — muito restritiva, dando predominância à entrada de emigrantes vindos de países ricos, protestantes, do norte da Europa — e o facto de 1958 ser um ano de eleições intercalares terão, segundo o professor do Departamento de Estudos Políticos da Universidade Nova de Lisboa, contribuído também para o empenho do então senador.
“Sendo a maioria do eleitorado dele no Massachusetts de origem emigrante (gregos, polacos, irlandeses, italianos e, em menor número, portugueses), o apoio a esta lei poderia ter um retorno político claro, não só para ele, mas também para os seus colegas de partido que se candidatavam nestas eleições”.
Anos mais tarde, em 1963, um grupo de luso-americanos vai à Casa Branca agradecer-lhe. Entre eles está Olivia Goulart, então com 11 anos, que oferece a JFK uma placa em madeira esculpida pelo avô. “Lembro-me de que estava muito entusiasmada por conhecer o Presidente.
Ele era muito alto.
Fez-me algumas perguntas sobre a escola e deu-me um pin do “PT 109” [o barco torpedeiro que tinha sido capitaneado por ele na II Guerra Mundial e que foi afundado em 1943 no Pacífico] e uma caneta”, recorda ao Expresso a agora terapeuta familiar.
O DIÁLOGO SURDO COM SALAZAR
A entrada de Kennedy na Casa Branca, no início de 1961, conduz a uma subida da temperatura das relações com Portugal, marcando o período mais difícil desde a II Guerra Mundial.
O mais jovem Presidente da história dos EUA, de 43 anos, não faz segredo do seu apoio à independência e autodeterminação das novas nações africanas, uma visão que colide com a política colonial de Salazar.
Ainda como senador, abre a porta do seu gabinete a líderes e nacionalistas africanos, como Holden Roberto, da União das Populações de Angola (UPA), a quem estava ‘prometida’ a presidência de uma Angola independente.
“Chamem-lhe nacionalismo, chamem-lhe anticolonialismo, chamem-lhe o que quiserem, África está a viver uma revolução”, tinha anunciado durante a campanha eleitoral.
Logo após a eleição presidencial, num telegrama enviado a 9 de novembro de 1960 para Lisboa, o embaixador português em Washington, Luís Esteves Fernandes, regista os seus receios.
Para o diplomata, a ascensão de Kennedy ao poder significaria a “adoção de uma política anticolonial subordinada ao princípio da libertação de todos os territórios dependentes” e uma “nova era” no relacionamento entre os dois países.
O embaixador não tinha ilusões: nada seria como dantes na relação com a potência mais poderosa do Ocidente.
“Salazar representava o ‘velho’ mundo das potências europeias e dos seus impérios coloniais, das ditaduras do período anterior à II Guerra Mundial, de uma Europa que, no fundo, se ressentia da hegemonia americana e da organização bipolar do sistema internacional.
Kennedy representava uma nova geração, uma lufada de ar fresco na própria política norte-americana, o ‘espírito’ dos anos 60.
Aquilo a que se assiste a partir daí é a um choque frontal entre estas duas conceções”, explica Luís Nuno Rodrigues, autor do livro “Salazar-Kennedy: A Crise de Uma Aliança”.
A 15 de março de 1961, no mesmo dia em que é lançada a primeira ofensiva da UPA de Holden Roberto, os EUA colocam-se do lado do grupo crescente de países africanos e asiáticos que nas Nações Unidas condenam o colonialismo português.
Meses depois, anunciam que deixarão de vender a Portugal armamento que pudesse ser utilizado fora do âmbito da NATO.
Os dois anos seguintes são, porém, marcados por um desanuviar deste ambiente, com um regresso dos americanos a um posicionamento mais moderado.
A chave desta ambivalência está nos Açores: o acordo para a utilização da base aérea e naval das Lajes, assinado em 1957, cessava no final de 1962 e Salazar não hesita em usá-lo como arma negocial.
Num clima de agudização da Guerra Fria, a manutenção da base torna-se prioritária, como constantemente lembrarão o Pentágono e o Departamento de Defesa. JFK não se pode dar ao luxo de hostilizar o velho aliado da NATO.
Esta realidade é acentuada pela crise de Cuba, em 1962, com a instalação de mísseis soviéticos apontados aos EUA.
Quando a crise rebenta, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Franco Nogueira, está Washington para encontros com Kennedy e vários oficiais da Administração americana.
Anos mais tarde, nas suas memórias, considera que esse foi o momento decisivo da renovação do acordo dos Açores e o progressivo silenciamento dos americanos sobre as colónias portuguesas.
“Inesperadamente, e parecendo remota, a crise de Cuba constitui o dobrar de uma esquina nas relações bilaterais luso-americanas...
No pavor de perder o uso da base dos Açores, o Departamento de Defesa impõe, com pressões crescentes, a moderação e até o parcial abandono das políticas radicais da Casa Branca e do Departamento de Estado”.
A LENDA DA COMENDA
Em maio de 1965, ano e meio após o assassínio de JFK, Jackie viaja com os dois filhos, Caroline e John Jr., para Londres, onde marca presença no memorial que a Rainha Isabel II dedicou a JFK em Runnymede, o local da histórica Magna Carta.
Depois da cerimónia, é esperada na Casa Branca para o batismo do Jardim Este com o seu nome, mas declina o convite.
Ao invés, segundo revela Jan Pottker no livro “Janet and Jackie: The Story of a Mother and Her Daughter, Jacqueline Kennedy” (“Janet e Jackie: a História de Uma Mãe e da Sua Filha, Jacqueline Kennedy”), instala-se numa villa à beira-mar no sul de Portugal, como tinha sido noticiado a 18 de abril desse ano pelo “Boston Globe”.
Se esteve realmente em Portugal — e onde — permanece uma incógnita, pois não existem registos oficiais da sua passagem pelo país.
Recentemente, chegou a ser noticiado em alguns meios que terá ficado na Casa da Quinta da Comenda, em Setúbal, popularmente conhecida como Palácio da Comenda, a convite dos então proprietários, os condes D’Armand.
A lenda aparece associada à comercialização da propriedade por 50 milhões de euros, mas segundo um memorando técnico da Câmara de Setúbal, terá sido a irmã, Lee Radziwill, quem ali fica uns tempos no verão de 1965, na companhia do escritor Truman Capote.
REFÚGIO O Palácio da Comenda, na Serra da Arrábida, recebeu em 1965 a irmã de Jackie Kennedy e o escritor Truman Capote
A primeira visita oficial de um Kennedy a Portugal só tem lugar quase uma década depois. Em novembro de 1974, poucos meses após a revolução de Abril, o senador Ted Kennedy vem a Portugal a convite de Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros. Acompanhado pelo conselheiro Robert Hunter e pela irmã, Jean Kennedy Smith, discute a situação do país em encontros com Soares, o Presidente Costa Gomes, o ministro sem pasta Vítor Alves e destacados elementos do Movimento das Forças Armadas.
Além da Embaixada dos EUA em Lisboa, marca presença na Fundação Calouste Gulbenkian, onde dá uma conferência, e na sede do Expresso, onde conversa durante 80 minutos com Francisco Pinto Balsemão, fundador do jornal, Marcelo Rebelo de Sousa, então administrador da publicação, e vários jornalistas portugueses.
Segundo escreve o Expresso na época, o senador “veio mais para ouvir do que para falar”, mas fez questão “de elogiar o MFA, de saudar a democracia nascente em Portugal e de prometer o apoio económico do povo americano”.
Antes de partir, vai com Soares e outros políticos a uma casa de fados em Alfama que é fechada ao público nessa noite.
É lá que ouve Almeida Santos cantar um fado de Coimbra, Otelo Saraiva de Carvalho um de Lisboa e Cunhal a canção ‘Grândola, Vila Morena’.
Cinco anos antes dessa viagem, o destino de Kennedy cruza-se com o de outro português, Edmund Dinis, um advogado açoriano radicado nos EUA.
Figura do Partido Democrata em New Bradford, Dinis é um político em ascensão até ser o procurador responsável por investigar o acidente de automóvel que Kennedy tem e que provoca a morte da mulher que viaja com ele, a antiga secretária de Robert Kennedy, Mary Jo Kopechne.
O caso abala as ambições presidenciais do irmão mais novo de JFK e arruína a carreira política do português, que foi acusado por alguns sectores de ter sucumbido às pressões dos Kennedys: Ted é sentenciado a dois meses de pena suspensa e perde a carta de condução durante um ano por ter abandonado o local do acidente.
Apaixonado pelos cães de água portugueses, é também Ted Kennedy quem oferece a Barack Obama o cão que rapidamente se torna uma sensação da Casa Branca, “Bo”.
Ao contrário do deste, Ted nunca chega ao lugar mais desejado pelos políticos americanos, mas será para sempre recordado como um amigo de Portugal.
OS ANOS DOS KENNEDYS
Numa das fotografias da exposição “The Kennedy Years”, John Fitzgerald Kennedy está deitado num barco a ler um livro. À semelhança dos irmãos, o antigo Presidente dos EUA era apaixonado pela navegação e gostava de reler os versos de Eugene O’Neill: “Deitado no gurupés, com o rosto virado para a popa, sentia a espuma sob o meu corpo. Os mastros de velas brancas erguiam-se ao luar, imponentes, por cima de mim. Deixei-me inebriar por essa beleza... Durante um longo momento, perdi-me a mim mesmo. Cheguei a perder a própria vida. Finalmente era livre! Dissolvi-me no mar, tornei-me velas brancas e flocos de espuma.” Imagens de Kennedy no “Victura”, o mítico barco que os pais lhe ofereceram aos 15 anos, ou a ver a Taça América com a mulher, Jacqueline (em baixo), são apenas algumas das 160 fotografias patentes ao público até 9 de setembro no Hotel Le Consulat, em Lisboa. A exposição “The Kennedy Years”, organizada por Frédéric Lecomte-Dieu, que desde 1995 colabora com os acervos dos presidentes dos EUA, reúne fotografias icónicas dos Kennedys e também alguns objetos incontornáveis na história da família: a única cópia do vestido de casamento de Jackie, cuja confeção exigiu mais de seis meses de trabalho e quatro quilómetros de linhas, bem como a cadeira de baloiço de JFK, proveniente do museu com o seu nome em Boston, que servia para aliviar as suas dores nas costas. Nos diferentes espaços da exposição serão exibidos filmes vindos do acervo familiar dos Kennedys. Retratados estão também alguns dos momentos mais marcantes dos 1037 dias da presidência de JFK, incluindo a receção ao casal em Dallas, a 22 de novembro de 1963, horas antes do assassínio do Presidente mais jovem da história dos EUA. Nascia aí o mito JFK. N.M.