SÍRIA
Clara Barata
22 de fevereiro de 2018, 21:00
Defesa civil síria tira um homem de um abrigo anti-aéreo em Douma, na região de Ghouta Orienta
Onde há forças relacionadas com grupos islamistas, Moscovo quer continuar a bombardear.
Mas é dificil, se não impossível, destrinçá-los na oposição armada a Assad actual.
Moscovo diz que poderia tolerar um cessar-fogo de 30 dias em toda a Síria, como proposto nesta quinta-feira no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O objectivo é a entrada de ajuda humanitária nos últimos redutos controlados pela oposição armada a Bashar Al-Assad, como em Ghouta Oriental, nos arredores de Damasco, e a retirada dos que estão doentes e feridos em estado mais crítico.
Mas a Rússia, aliada de Assad, exige que de fora desta resolução fiquem os ataques contra “o Daesh, a Frente Al-Nusa e outros grupos que estão a bombardear os bairros residenciais de Damasco”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov.
Portanto, ainda que se multipliquem as vozes de indignação da ONU, das agências humanitárias e outros líderes mundiais sobre o “massacre” que Assad, apoiado pela Rússia, é acusado de estar a fazer em Ghouta, a resolução que Moscovo está disposta a deixar aprovar no Conselho de Segurança seria uma cortina de fumo.
Permitiria sempre continuar a operação de limpeza das últimas bolsas de resistência ao regime, e persistir com o argumento de que na verdade estão a lutar contra o terrorismo.
De acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos, pelo menos 368 pessoas foram mortas, entre elas 150 crianças, na zona de Ghouta Oriental, desde domingo à noite, quando teve início a actual ofensiva do regime na zona que está cercada desde 2013, foi bombardeada com armas químicas, morta lentamente à fome, e onde os civis são carne para canhão, tanto de Assad como das forças da oposição que controlam a região.
E mais de 1850 pessoas ficaram feridas nos bombardeamentos e raides aéreos, em que participam aviões sírios e russos, usando bombas de barril – que são barris de petróleo cheios de explosivos, lançados de aviões ou pela artilharia terrestre.
Os ataques são contra zonas residenciais e hospitais – mais de uma dezena foram destruídos, tornando impossível tratar dos feridos.
Tal como no cerco final aos bastiões da oposição em Alepo, o regime de Assad, com o apoio da Rússia, põe em campo o argumento de que está a lutar contra o terrorismo islâmico – uma vez que as forças da oposição armada contra o regime que controlam Ghouta são, hoje em dia, dominadas por grupos de inspiração islamista, alguns com ligação à Al-Qaeda, e que se envolvem em confrontos entre si.
Facções
A coligação Jaysh al-Islam, ou Exécito do Islão, é actualmente a maior facção na região de Ghouta Ocidental, diz a Deutsche Welle, com entre dez e 15 mil membros.
Pretende instituir na Síria um governo baseado na sharia, a lei islâmica.
Consta que é financiada pela Arábia Saudita, embora o negue.
A segunda força mais representativa é a Faylaq al-Rahman, ou Legião Al-Rahman, aliada do Qatar, diz ainda a emissora alemã.
Está relacionada com o Exército Livre da Síria, e descreve-se como “uma entidade militar revolucionária que pretende a queda do regime sírio”, sem especificar que quer tornar o país num Estado islâmico.
“Que ninguém duvide da escala da carnificina em Ghouta.
Ou do sofrimento dos civis”, avisa o jornalista veterano dos temas do Médio Oriente Robert Fisk num artigo no jornal The Independent.
“Mas não podemos gritar de indignação quando os israelitas atacam Gaza e, ao mesmo tempo, desculpar o banho de sangue em Ghouta porque os ‘terroristas’ que estão sob cerco são islamistas da Al-Qaeda ou relacionados com o Daesh”, sublinhou.
Nesta guerra de incontáveis sofrimentos e múltiplos níveis de manipulação, Robert Fisk chama a atenção para outro pormenor: “Estes grupos armados estão curiosamente ausentes quando expressamos a nossa indignação contra a carnificina em Ghouta.
Não estão lá repórteres ocidentais para os entrevistar – porque (normalmente não o dizemos) eles nos cortavam a cabeça se tentássemos entrar naquele subúrbio cercado de Damasco”.
Estes não-ditos estão ausentes do discurso público, mas influenciam toda a acção, explicando a ineficácia das grandes declarações, como os apelos a “evitar um massacre, porque seremos julgados pela História”, como disse o enviado da ONU para a Síria, Staffan de Mistura.
Na cabeça de quem está no tabuleiro do Jogo de Tronos sírio, ainda há muito sangue – sobretudo de civis – para ser derramado.
clara.barata@publico.pt
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