sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Ataque de “violência histérica” de Assad contra Ghouta mata centenas de civis

A GUERRA NA SÍRIA
Clara Barata
20 de fevereiro de 2018, 13:13


Região nos arredores de Damasco é controlada por forças que resistem ainda ao regime sírio. 
É das ofensivas mais sangrentas dos últimos anos. 
“Estamos a assistir ao massacre do século XXI”, disse um médico.

Mais de 66 pessoas morreram nesta terça-feira em novos bombardeamentos de forças do regime de Bashar al-Assad e seus aliados contra Ghouta, um enclave nos arredores de Damasco controlado por forças de oposição ao regime do Presidente sírio. 
Nos ataques de segunda-feira tinham morrido pelo menos 127 outras pessoas.

Esta vaga de ataques — que faz parte de uma escalada em várias frentes com Assad a tentar pôr fim a uma guerra que está prestes a completar sete anos — está a ser descrita como uma das mais mortíferas na zona desde 2013, quando Ghouta Oriental ficou completamente cercada por forças do regime. 
Foi nesta zona que o Governo de Damasco usou armas químicas, em 2013, num ataque que chocou o mundo, mas não chegou para que o então Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, avançasse para uma intervenção na guerra síria.

França descreveu os bombardeamentos do Governo de Assad como uma grave violação da lei humanitária internacional. 



Nesta ofensiva estão a ser realizados raides aéreos e bombardeamentos com rockets e outros projectéis, que incluem as famosas bombas de barril — literalmente, barricas cheias de explosivos, pregos e tudo o mais que possa causar danos graves no local em que rebentam.

Desde domingo, quando se intensificaram os ataques do regime, apoiado pelo Irão e pela Rússia, morreram 210 pessoas e pelo menos 850 — entre os quais muitas crianças — ficaram feridas, avança o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, uma organização com sede no Reino Unido mas com observadores no terreno.

“O massacre” do século XXI

Cinco hospitais foram bombardeados. 
“O bombardeamento foi de uma violência histérica”, disse Ahmed al-Dbis, um elemento de segurança da União das Organizações Médicas e de Socorro (Union of Medical and Relief Organisations) que gere dezenas de hospitais em áreas controladas pela oposição na Síria. “É uma catástrofe humanitária em todos os sentidos da palavra”, disse, citado pelo Guardian.

























“Estamos a assistir a um massacre no século XXI”, disse a este jornal britânico um médico que está em Ghouta Oriental. 
“Se o massacre dos anos de 1990 foi em Srebrenica [Bósnia], e os massacres da década de 1980 foram em Halabja [cidade no Curdistão iraquiano] e Sabra e Shatila [Líbano], então Ghouta Oriental é o massacre deste século, do que vivemos até agora”, acrescentou.

Logo na segunda-feira as Nações Unidas apelaram a um cessar-fogo imediato nesta zona, afirmando que a situação estava a entrar numa “espiral sem controlo, após uma escalada extrema” — o apelo ficou sem resposta. 
Os Capacetes Brancos — a defesa civil síria — relata que os bombardeamentos continuam.

A Unicef emitiu uma declaração “em branco” esta terça-feira, para expressar a sua indignação com o elevado número de crianças que estão a ser mortas e feridas nesta ofensiva — pelo menos 54 foram mortas desde domingo. 
“Não há palavras que possam fazer justiça às crianças que foram mortas, às suas mães, aos seus pais e entes queridos”, diz o comunicado do director regional da Unicef Geert Cappalaere, a que se seguem dez linhas em branco, com aspas que indicam o texto em falta, e uma nota de explicação em rodapé, descreve a Reuters.

“Já não temos palavras para descrever o sofrimento das crianças e a nossa indignação. Aqueles que estão a infligir tanto sofrimento ainda têm palavras para justificar os seus actos de barbárie?”, pergunta-se na nota. 

400 mil pessoas

Cerca de 400 mil pessoas vivem em Ghouta Ocidental, onde os raides aéreos constantes criam um “estado permanente de terror” entre os residentes, dizem os trabalhadores humanitários. 
“Os aviões de guerra estão sempre no céu”, disse à Reuters Siraj Mahmoud, um porta-voz da Defesa Civil de Ghouta, enquanto se ouvia em ruído de fundo o som de explosões.

Os residentes vivem em grandes dificuldades, com restrições alimentares, devido ao bloqueio das forças de Damasco. 
Em Dezembro, várias organizações humanitárias internacionais tinham alertado que as condições de vida nas zonas nas mãos da oposição tinham antigido “um ponto crítico”, devido à falta de combustível, alimentos e medicamentos.

O último pacote de ajuda humanitária chegou a menos de 3% da população de Ghouta, disseram as Nações Unidas na sexta-feira da semana passada. 
As tropas governamentais impediram os trabalhadores humanitários de descarregarem os camiões que transportavam água potável e cobertores para o Inverno. 
Porém, Damasco nega que tenha limitado a ajuda e fez grande publicidade sobre a ajuda que permitiu entrar.

Os moradores das povoações de Ghouta Ocidental não têm grandes possibilidades de se proteger dos bombardeamentos. 
“Só se podem abrigar em caves e bunkers subterrâneos com os seus filhos”, disse um dos coordenadores regionais para os Assuntos Humanitários da ONU, Panos Moumtizs, citado pela BBC. 

Para a Rússia, que fornece o poder de fogo de que Assad precisa para manter a pressão sobre Ghouta (tal como aconteceu no violento cerco final a Alepo), as preocupações da ONU e de outros actores internacionais são exageros. 
“Na ONU, o tema dos problemas humanitários em Ghouta Ocidental e Idlib [o outro enclave de resistência ao regime que ainda perdura, no Noroeste da Síria] está a ser alvo de uma propaganda muito activa”, escreveram alguns media russos citando o ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov.

clara.barata@publico.pt

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