Contra a corrupção
Rui Verde, doutor em Direito, 12 de Abril de 2016
José Filomeno dos Santos (Zenú), presidente do Fundo Soberano de Angola.
A história dos Papéis do Panamá (Panama Papers), em Angola, começou com uma cortina de fumo, apontando para um secundário ministro dos Petróleos, Botelho de Vasconcelos.
Os Papéis do Panamá são um conjunto de milhares de documentos reveladores de um esquema que envolve chefes de Estado, ministros, banqueiros, criminosos e celebridades internacionais na utilização de paraísos fiscais para esconder dinheiro e património, bem como para a realização de operações ilegais.
Os documentos foram obtidos pelo jornal alemão e partilhados por um Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação.
Parecia que o séquito presidencial de José Eduardo dos Santos estava fora deste grande escândalo internacional.
Acontece que José Filomeno dos Santos (Zenú), filho de JES, está envolvido no escândalo através do Fundo Soberano, que dirige.
Num artigo de investigação da autoria de Khadija Sharife, da Rede Africana do Centros de Reportagem de Investigação, ligada ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, são confirmadas as mais graves suspeitas apresentadas no Maka Angola, a 12 de Abril de 2015, relativamente ao Fundo Soberano de Angola.
Os Papéis do Panamá revelam uma estreita triangulação entre o Fundo Soberano de Angola, o Banco Kwanza Invest e uma consultora financeira chamada Quantum, baseada na Suíça.
O Banco Kwanza Invest foi criado pelo mesmo José Filomeno dos Santos, e agora pertence ao testa-de-ferro Jean-Claude Bastos de Morais.
Por sua vez, o mesmo Jean-Claude acumula a presidência da Quantum, que lhe pertencerá, ou a Ernest Welteke, de quem falaremos mais adiante.
Jean-Claude Bastos de Morais figura em várias publicações internacionais como africanista, amigo pessoal e mentor de Zenú.
Os dois criaram, como sócios principais, o Banco Kwanza Invest, que inicialmente se designava Banco Quantum.
Portanto, primeiras ligações reveladas pelos Papéis do Panamá :
Zenú movimenta boa parte do seu dinheiro através do Banco Kwanza Invest, que lhe pertencia, tendo passado nominalmente a sua quota para o nome do seu amigo Jean-Claude. Essa transferência de acções envolveu dinheiro ou foi apenas uma mera formalidade?
Só os dois sabem.
E é a partir desse banco que são efectuados vários pagamentos inexplicáveis, como à empresa Kijinga, que recebeu US $100 milhões numa única transacção, em Janeiro de 2015.
O Fundo também colocou 2/3 do dinheiro que supostamente detém, três mil milhões de dólares, a serem geridos pela consultora Quantum, pertencente ao amigo Jean-Claude.
A pergunta que terá de se colocar é: qual a razão para se ceder a gestão de tanto dinheiro a uma empresa de consultoria propriedade de um amigo?
(Um parêntesis: a moda dos “amigos” está espalhada pelo mundo; veja-se o caso de José Sócrates, antigo primeiro-ministro de Portugal investigado por corrupção, que também afirma que o dinheiro que utiliza pertence a amigos; ou Lula da Silva, antigo presidente do Brasil, também investigado por corrupção e também alega que as casas que utiliza não são dele, mas sim de amigos.)
Através da análise da Quantum, percebe-se que esta empresa está sediada na Suíça; mas não existe qualquer número a ela associado.
O que é notório é a sua ligação a África e as actividades na antiga União Soviética.
Aqui entra Ernest Welteke.
Este alemão está na administração do Banco Kwanza Invest e da Quantum, e também faz parte da administração de um banco russo situado em Rostov-on-Don, chamado Center-Invest.
Welteke foi presidente do Banco Central Alemão, de onde saiu na sequência de escândalos com pagamentos de despesas da sua vida privada por parte de bancos comerciais; estadias no Hotel Adlon, o mais luxuoso de Berlim; e convites para assistir ao Grande Prémio de Fórmula 1 no Mónaco.
Depois da sua saída, dedicou-se a negócios financeiros internacionais.
É através de Ernest Welteke que o Fundo Soberano aparece a investir no banco Center-Invest, o 85.º da Rússia, com activos de 290 milhões de euros.
Como se vê, um pequeno banco regional, que tem um rating da Moody’s de B1, que significa “grau altamente especulativo”, quando o nível de investimento para um Fundo Soberano devia ser Triplo A.
Assim, mais uma pergunta se impõe: o dinheiro angolano anda a ser investido num banco do Sul da Rússia com risco altamente especulativo?
O que se compreende acerca do Fundo Soberano de Angola, nos Papéis do Panamá, é que o dinheiro foi canalizado para amigos e empresas amigas do filho do presidente, através de uma multiplicidade de companhias de fachada, sem actividade.
Não se percebe onde está investido o dinheiro, a não ser que algum esteja na Rússia, num pequeno banco a que nem sequer foi atribuída a classificação de investimento seguro!
Não sendo uma empresa privada, estando submetido a um estatuto legal próprio e sendo uma pessoa colectiva pública, o Fundo Soberano de Angola está sujeito aos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público.
Por isso, não deveria ter uma gestão opaca, não deveria participar em sociedades de fachada e não deveria prestar informação adequada sobre os seus investimentos.
É verdade que o Fundo Soberano de Angola alega que se encontra no topo de um ranking respeitante à transparência de fundos soberanos.
Só que esse ranking é estabelecido por uma consultora que presta serviços aos próprios fundos e, segundo Khadija Sharife, não passa de uma empresa desconhecida com uma morada virtual…
Em resumo, os Papéis do Panamá revelam que o Fundo Soberano de Angola é uma estrutura opaca de investimento, gerido por amigos do filho do presidente, com transferências de dinheiro para entidades sem actividade e aplicações obscuras na Rússia.
P.S.: Em próximo artigo, detalharemos as ligações de Mirco Martins, enteado de Manuel Vicente, ao Fundo Soberano de Angola e a várias empresas.
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