terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Na Cidade Velha de Alepo, já só o silêncio está de pé

AFP
13 de Dezembro de 2016, 16:19

Era uma das grandes cidades da Antiguidade, centro económico e comercial, que todos os anos atraía milhares de turistas. 

A guerra deixou Alepo irreconhecível.

A Cidade Velha de Alepo, conhecida pelos souqs animados e pela sua Cidadela pluri-centenária, é hoje irreconhecível depois de anos de uma guerra sem perdão que arrasou a segunda cidade da Síria.

Durante séculos, e até ao início do conflito em 2011, a metrópole setentrional foi a capital económica do país. 
Um importante centro cultural que atraía turistas de todo o mundo para admirar os locais históricos, vestígios de numerosas civilizações que se sucederam numa das mais antigas cidades do mundo.

Mas hoje, apenas os gatos errantes são visíveis nas ruelas cheias de escombros da Cidade Velha, declarada Património Mundial da UNESCO. 
A célebre praça al-Hatab, uma das mais antigas da cidade, foi invadida de barricadas de areia e de carcaças queimadas de autocarros tombados.

O advogado e historiador de Alepo, Alaa al-Sayyed, não acredita nos seus olhos.
“Não consigo reconhecê-la, esta está verdadeiramente destruída. 
Dizem-me ‘essa não pode ser a praça al-Hatab’”, diz o historiador.

Durante quatro anos, a Cidade Velha foi uma das linhas da frente. 
Os seus vestígios antigos têm os traços dos combates incessantes que opuseram os rebeldes dos bairros do leste e os soldados do regime que controlam os sectores ocidentais.

A 7 de Dezembro, os rebeldes foram obrigados a retirar-se, desalojados pela ofensiva relâmpago lançada pelo regime a meio de Novembro.

“Herança insubstituível”

As perdas causadas pela violência dos últimos anos são incalculáveis. 
O minarete seljúcida da Grande Mesquita Omíada, que data do século XI, foi arrasado. 
A Cidadela, jóia da arquitectura militar islâmica da Idade Média, cuja construção começou no século X, perdeu uma parte das suas imponentes ameias.

E o souq, com as suas bancas centenárias, foi parcialmente destruído pelas chamas. 
Este mercado coberto era o maior do mundo com as suas quatro mil bancas e as suas 40 caravançarás (locais onde eram guardadas as caravanas), que atraiu durante séculos os artesãos e mercadores vindos dos quatro cantos do mundo. 
Hoje, os seus muros estão cobertos de marcas das balas e de traços dos tiros de morteiro e de rockets.

O souq era o “coração económico de Alepo, fazia parte de uma herança insubstituível”, lamente Sayyed. Atacá-lo é “dar um golpe decisivo à economia de Alepo, uma vez que milhares de famílias, ricas ou pobres, dependiam do souq como ganha-pão“.

Abu Ahmad, de 50 anos, está lá para o testemunhar. 
Este comerciante era proprietário de várias bancas na Cidade Velha, onde vendia cortinas de cores vivas que fabricava. 
Obrigado pelos combates a abandonar o seu negócio florescente, tem hoje um quiosque modesto no bairro central de Fourkane, serve café e outras bebidas quentes aos transeuntes.

“Tive de vender as jóias da minha mulher para comprar o quiosque”, lamenta Abu Ahmad, com lágrimas nos olhos. 
Sonha regressar ao antigo souq, onde espera encontrar uma das suas lojas ainda em pé. 
Se não, terá de vender o seu carro para pagar a reconstrução.

“Sou um comerciante e não quero abandonar o meu negócio. 
Quero passá-lo aos meus filhos”, afirma.

Cidade fantasma

A guerra destruiu o sector turístico próximo da cidadela, não poupando sequer a mesquita Al-Sultaniya nem o Grand-Sérail, um elegante edifício administrativo em pedra branca construído durante o mandato francês. 
O Carlton Hotel, um palácio, foi reduzido a pó em Fevereiro de 2014 quando os rebeldes fizeram explodir minas nos túneis.

E no bairro vizinho de Aqyul, os imóveis residenciais destruídos pelos combates alinham-se até perder de vista. 
Às janelas, onde os vidros foram destruídos pelas explosões, as cortinas azuis batem ao vento. 
Um gato errante deambula entre os escombros, parando para cheirar um corpo em decomposição no meio da rua.

Nem o cemitério local escapou aos combates. 
As pedras das sepulturas partidas jazem na erva seca. 
No bairro de Bab al-Hadid, onde se encontra uma das portas medievais de Alepo, o silêncio reina. 
Perto da praça com o mesmo nome, datada de 1509, a bandeira de oposição, com três estrelas vermelhas, está pintada nas paredes das lojas.

Num muro do bairro deserto, um graffiti: “De Houran [região do sul] a Alepo, a revolução continua.”

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