quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

É o Irão que vai ganhar a guerra na Síria?

ANÁLISE
CLARA BARATA
15 de Dezembro de 2016, 8:44

Teerão investiu muito na manutenção do regime de Assad, mais do que a Rússia. 

Quer construir um “crescente xiita” de influência regional, face à sua grande rival, a Arábia Saudita.

O Presidente iraniano Hassan Rouhani deu os parabéns a Bashar al-Assad pela vitória “na Alepo libertada”, segundo a presidência síria, depois de Teerão, um aliado fundamental de Damasco na guerra que destrói a Síria há cinco anos, ter feito colapsar o acordo de cessar-fogo para evacuar os civis da cidade cercada negociado pela Rússia e pela Turquia na terça-feira à noite, sem que os Estados Unidos fossem incluídos.

Teerão está prestes a erguer um “crescente xiita” de influência regional que se estende da fronteira do Afeganistão até ao Mediterrâneo, disse à Reuters Hilal Khashan, professor de Estudos Políticos na Universidade Americana de Beirute (Líbano). 
“Os iranianos vão estabelecer a sua esfera de influência do Iraque até ao Líbano”, previu Khashan.

No momento em que Assad tem na mão a maior vitória desta guerra sangrenta que já vai quase em seis anos e que atinge níveis de barbarismo que se julgavam impossíveis, o Irão não está disposto a passar para segundo plano.

“A Rússia pode ter a primazia nos bombardeamentos aéreos, mas o Irão é o principal actor militar em terra. 
Começou a treinar as milícias sírias já em 2012, e depois avançou com as suas próprias forças e unidades lideradas por militares iranianos. 
Investiu muito mais do que a Rússia nesta guerra desde o início da revolta síria, em 2011. Gastou fortunas para preservar o regime [de Assad], perdeu mais de uma dezena de comandantes e centenas de tropas, sem mencionar um grande número de baixas entre os iraquianos e afegãos que envia para combater na Síria”, escreve no site The Conversation Scott Lucas, professor de Política Internacional da Universidade de Birmingham (Reino Unido).

Por causa do investimento tão pesado que fez nesta guerra, o Irão pode não estar disposto a tolerar nenhuma área de oposição na Síria. 
Por isso a conquista de Alepo terá sido tão feroz, e provavelmente a ofensiva continuará para Idlib, apesar dos pesados custos humanos, financeiros e militares, sublinha o investigador britânico.

Para Teerão, o que se passa na Síria faz parte de uma prolongada guerra de atrito que mantém com o seu grande rival regional, a Arábia Saudita. 
Em ambos, o poder secular e o religioso se entrelaçam de formas frequentemente conflituosas, embora um seja xiita e outro sunita. 
Fizeram do Médio Oriente o palco da sua disputa pela supremacia regional, apoiando guerras mortíferas, no Iémen e na Síria. 
Os sauditas e outros países do Golfo apoiam vários grupos rebeldes na Síria.

Os principais interesses da Rússia não os de afirmação regional, embora também os tenha. “A marginalidade dos Estados Unidos foi evidente no anúncio do cessar-fogo de 13 de Dezembro. 
John Kerry não estava em lado nenhum; foram os serviços secretos turcos e os militares russos que chegaram a acordo. 
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, resumiu bem a coisa: ‘É mais fácil para Moscovo chegar a acordo com a Turquia sobre Alepo do que os EUA’”, comentou Scott Lucas.

O recuo de Washington em relação ao Médio Oriente, sentido por muitos países da região, melindrados por causa do acordo sobre o nuclear com o Irão – um importante feito diplomático, mas com muitos críticos – abriu espaço para a entrada da Rússia, que procura reafirmar o seu estatuto de potência mundial. 
Embora com fraquezas evidentes, como uma economia em crise.

“Vladimir Putin compreendeu bem a opção de Washington em não se envolver tanto e a falta de vontade dos europeus de intervir, ainda que critique sempre nos seus discursos o alegado intervencionismo ocidental”, disse ao Le Monde Thomas Gomart, director do Instituto Francês de Relações Internacionais. 
“O Presidente russo conseguiu fazer do seu país o interlocutor privilegiado sobre a crise síria, tal como nos tempos da Guerra Fria”, afirmou.

“A gestão da crise síria [pelos países ocidentais] é uma sequência de oportunidades perdidas. 
No último ano, os russos fizeram, para salvar o regime, tudo o que os ocidentais não fizeram pela oposição, disse em Setembro ao diário francês Camille Grande, que se tornou entretanto uma das secretárias gerais adjuntas da NATO.

Moscovo, Teerão e Ancara, “formato eficaz” para obter “um cessar-fogo” na Síria

SOFIA LORENA
20 de Dezembro de 2016, 17:28

O trio de Moscovo diz-se agora “pronto a contribuir para elaborar um projecto de acordo para as negociações entre o Governo sírio e a oposição”.

Os iranianos, principais aliados de Bashar al-Assad, só começaram o ano passado a integrar as tentativas de negociações com o regime da Síria e a oposição externa, promovidas sempre pelas Nações Unidas ou num esforço diplomático conjunto de Estados Unidos e Rússia. 
Esta terça-feira, os ministros dos Negócios Estrangeiros russo, iraniano e turco defenderam em Moscovo “a importância de alargar o regime de cessar-fogo de forma a garantir um acesso sem obstáculos à ajuda humanitária e à livre circulação das populações no território sírio”.

Questionado sobre o que ficou para trás de trabalho com o seu homólogo americano, John Kerry, Serguei Lavrov afirmou que “este formato é o mais eficaz, e isto não é uma tentativa de lançar uma sombra sobre os esforços de todos os parceiros para resolver a crise síria”, é apenas o ministro russo a “constatar um facto”.

O cessar-fogo actual envolve Alepo, a grande cidade do Norte da Síria onde a oposição armada mantém ainda alguns bairros que aceitou abandonar a semana passada em troca da evacuação dos civis, cercados há meses e bombardeados sem tréguas pela aviação síria e russa desde Novembro. 
Lavrov afirma que a retirada das populações das zonas Leste de Alepo estará terminada “dentro de um dia, dois no máximo”.

Pelo menos 25 mil pessoas, incluindo uns 4000 combatentes, saíram desde quinta-feira, diz o Comité Internacional da Cruz Vermelha, que está a coordenar o processo assim que os habitantes passam os controlos de segurança do regime. 
O Exército de Assad precisou dos altifalantes dos rebeldes e usou-os para pedir a opositores e civis que abandonem o último enclave da oposição. 
“O Exército quer limpar a zona depois da saída dos homens armados”, explicou um responsável militar sírio à AFP.

A Cruz Vermelha diz que ainda falta retirar “milhares” de pessoas; a ONU estimava 20 a 30 mil na segunda-feira ao final do dia. 
No primeiro dia da semana, reiniciada a retirada que fora interrompida sábado e domingo, houve 75 autocarros a sair do Leste de Alepo. 
Terça-feira de manhã foram apenas dez a dirigirem-se para os bairros sob controlo do Governo antes de partirem para zonas rurais da província mantidas pela oposição ou para Idlib, umas dezenas de quilómetros a Sudoeste. 
Segundo as descrições dos correspondentes da AFP, a maioria eram “velhos, mulheres e crianças”. 
“O seu estado é lamentável, todos tinham frio”, disse um responsável dos serviços médicos, Bashar Babbour.

Russos e turcos negociaram este cessar-fogo e esta evacuação – por causa do seu relativo sucesso, o enviado da ONU para o conflito, o diplomata Staffan de Mistura, já apelara a um regresso à mesa das negociações a 8 de Fevereiro na cidade de Genebra, onde decorreram ao longo dos últimos anos diversas tentativas infrutíferas de pôr regime e oposição a falar.

O trio de Moscovo diz-se agora “pronto a contribuir para elaborar um projecto de acordo para as negociações entre o Governo sírio e a oposição”, afirmou Lavrov, quando leu uma declaração tendo a seu lado o ministro turco, Mevlüt Çavusoglu, e iraniano, Mohammad Javad Zarif, assim como os ministros da Defesa dos três países.

Na conferência de imprensa que se seguiu, Çavusoglu defendeu a necessidade de pôr fim a todos os apoios a grupos que vão combater na Síria, dizendo que “é errado apontar apenas o dedo a um dos lados”.

A Turquia apoia diferentes grupos de sírios árabes e tem o seu próprio Exército na Síria – para travar os avanços dos curdos e dos jihadistas do Daesh na direcção do seu território. Já a Rússia e o Irão têm as suas próprias forças ao lado do regime e Teerão promove ainda a mobilização do Hezbollah libanês, que não nega há mais de dois anos estar na Síria, e de outras milícias xiitas, como algumas iraquianas.

Erdogan acusa EUA de apoiarem terroristas na Síria. "Ridículo", respondem os americanos

PÚBLICO
27 de Dezembro de 2016, 22:17

O Presidente turco propõe ainda que a Arábia Saudita e o Qatar se sentem à mesa das negociações sobre o processo de paz na Síria.

O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou nesta terça-feira que possui provas de que a coligação liderada pelos EUA no conflito na Síria apoiou grupos terroristas tais como o Daesh ou as milícias curdas das Unidades de Protecção do Povo (YPG) e do Partido da União Democrática (PYD).

“Eles acusaram-nos de apoiar o Daesh”, afirmou Erdogan, segundo a Reuters, numa conferência de imprensa em Ancara. 
“Agora dão apoio a grupos terroristas incluindo ao Daesh, às YPG, ao PYD. 
É muito claro. 
Nós temos provas confirmadas, com imagens, fotografias e vídeos”, garantiu o Presidente da Turquia.

Horas depois, o Departamento de Estado norte-americano reagiu, através do seu porta-voz, Mark Toner, qualificando as acusações de Erdogan como “ridículas”.

Esta terça-feira, e ainda sobre a Síria, o Presidente turco defendeu também que a Arábia Saudita e o Qatar devem juntar-se à Turquia e ao Irão na mesa de discussão sobre os esforços de paz em relação ao conflito na Síria.

Moscovo, Ancara e Teerão concordaram em reunir-se no Cazaquistão no próximo mês para discutir a situação síria. 
Agora, Erdogan afirmou que na reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros deveriam estar presentes os representantes dos dois países do Golfo Pérsico, referindo que mostraram “boa vontade e deram apoio” ao país liderado por Bashar al-Assad, cita a Associated Press.

A Arábia Saudita e o Qatar são dois dos principais apoiantes dos rebeldes que lutam para derrubar o regime de Assad que, por sua vez, tem como maiores aliados Moscovo e Teerão.

Apesar disso, Erdogan garantiu que a Turquia não marcará presença no encontro caso qualquer “organização terrorista” seja convidada, referindo-se às milícias curdas sírias acusadas de serem uma extensão dos grupos também curdos na Turquia.

Turquia e Rússia perto de acordo para cessar-fogo na Síria, diz Ancara

PÚBLICO
28 de Dezembro de 2016, 9:02 actualizado a 28 de Dezembro às 16:20~


Acordo ainda não foi confirmado oficialmente por nenhum dos Governos.

A Turquia e a Rússia estão perto de chegar a acordo para um cessar-fogo na Síria, disse esta quarta-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Mevlut Cavusoglu.

O ministro comentava uma notícia da agência estatal turca Anadolu de que os dois governos tinham chegado a um acordo. "Há dois textos preparados para uma solução na Síria. 
Um é sobre uma resolução política e outra é sobre um cessar-fogo, podem ser implementados a qualquer momento", disse Cavusoglu, à margem de uma cerimónia no palácio presidencial, em Ancara.

Segundo a agência, os dois países pretendem alargar a todo o território sírio o cessar-fogo decretado em Alepo e vão apresentar a proposta a todos os intervenientes no conflito, excluindo, no entanto, os "grupos terroristas".

Em caso de sucesso, este acordo será a base das negociações políticas entre o regime sírio e a oposição, que Moscovo e Ancara querem organizar em Astana, no Cazaquistão. 
O Governo russo sublinha, porém, que as conversações de Astana estão em fase de "elaboração" e não pretendem substituir o processo de paz que tem decorrido em Genebra.

Líderes dos principais grupos rebeldes confirmaram ter estado reunidos com a Turquia para estudar a proposta de cessar-fogo, mas não querem a exclusão dos territórios que ocupam em Ghuta Oriental, nos arredores de Damasco, das tréguas.

O cessar-fogo deverá entrar em vigor à meia-noite (menos duas horas em Portugal continental) de quarta-feira em todo o território da Síria. 
A agência turca não revela detalhes sobre quando e como o acordo foi concluído, mas sabe-se que nas últimas semanas decorreram em Ancara conversações entre a Rússia, a Turquia e a oposição síria. 
Não houve ainda um anúncio oficial sobre o acordo por parte dos Governos envolvidos.

Permanecem, no entanto, muitas dúvidas quanto às hipóteses de sucesso desta iniciativa. Cavusoglu reiterou a exigência turca de que o Presidente sírio, Bashar al-Assad, deverá abandonar o poder. 
"O mundo inteiro sabe que não é possível haver uma transição política com Assad, e também sabemos que é impossível para estas pessoas se unirem em torno de Assad", disse o ministro, citado pela Reuters.

Enquanto Ancara apoia os rebeldes na Síria, Moscovo, tal como o Irão, é próximo do regime de Damasco. 
No entanto, recorda a AFP, houve nos últimos meses uma aproximação entre os dois países com vista a um entendimento na Síria. 
Um dos sinais de boa vontade foi dado pela Turquia quando, na semana passada, o regime de Assad conseguiu, com a ajuda dos russos, recuperar o controlo da cidade de Alepo, da qual foram retiradas cerca de 34 mil pessoas.

Em Outubro passado, um cessar-fogo que tinha sido negociado pelos Estados Unidos e a Rússia falhou quando o Governo sírio continuou a bombardear as posições controladas pelas forças rebeldes.

Governo sírio e rebeldes aceitam cessar-fogo e início de negociações

ANA FONSECA PEREIRA
29 de Dezembro de 2016, 12:01 actualizada às 13:21

Trégua entrará em vigor à meia-noite desta quinta-feira "em todo o território sírio". 

Rússia e Turquia mediaram acordo e serão os seus garantes.


O regime de Bashar al-Assad e grupos da oposição chegaram a acordo para a entrada em vigor, a partir da meia-noite desta quinta-feira, de um cessar-fogo “em todo o território sírio”, anunciaram a Rússia e a Turquia, os dois países por trás da mais recente tentativa para pôr cobro à guerra no país.

Segundo o Presidente russo, Vladimir Putin, Damasco e representantes da oposição assinaram três documentos – além da trégua e de uma lista de mecanismos para a sua monitorização, as duas partes comprometeram-se a iniciar negociações com vista à resolução do conflito, que dura já desde 2011 e fez mais de 300 mil mortos. 
Putin revelou ainda que Moscovo aceitou reduzir a sua presença militar no país, onde actua desde Setembro de 2015 ao lado de Assad, mas continuará “a lutar contra o terrorismo internacional e a apoiar o governo sírio”.

A Coligação Nacional Síria, que agrega grande parte dos grupos da oposição (armada e política), representando-a nas negociações internacionais, anunciou que apoia este entendimento e apelou “todas as partes a aceitá-lo”. 
Um porta-voz da Coligação afirmou, no entanto, que os rebeldes “irão retaliar se forem atacados”.

Segundo o ministro da defesa russo, Serguei Choigu, o acordo envolve "as principais forças da oposição armada" síria, num total estimado de 62 mil combatentes.

O Exército sírio assegura que a trégua, que tem como garantes a Rússia e a Turquia, não se aplicará aos jihadistas do Daesh nem à Frente Fatah al-Sham (antiga Frente al-Nusra, considerada o braço armado da Al-Qaeda no país) e os seus aliados. 
Contudo, Osama Abu Zeid, conselheiro do Exército Livre da Síria e um dos envolvidos nas negociações, disse à Reuters que apenas os extremistas islâmicos e as áreas que eles controlam estão excluídos deste acordo. 
Uma das dúvidas prende-se com a região de Ghutta Oriental, um dos derradeiros bastiões da oposição nos arredores de Damasco, já que nos últimos dias o regime sírio insistia que as suas operações nesta área não podiam cessar.

Esta não é a primeira vez que regime e rebeldes aceitam um cessar-fogo, mas as anteriores tentativas, negociadas sob a égide das Nações Unidas, colapsaram ao fim de vários dias. 
Este entendimento acontece, no entanto, num momento diferente do conflito, depois de a rebelião síria ter sido forçada a abandonar Alepo, após meses de cerco e uma derradeira ofensiva que confinou a oposição a uma pequena fracção do território que controlou durante quatro anos na metade Leste da cidade.

Citado pelas agências de notícias russas, Putin reconheceu que este cessar-fogo “é frágil e vai requerer muita atenção”, mas elogiou o esforço dos seus ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, bem como os parceiros de Moscovo na região, por esta esperança de paz. 
Serguei Lavrov, o chefe da diplomacia russa, revelou que está já a preparar, com os homólogos da Turquia e do Irão, o início das negociações de paz, prevista para Astana, no Cazaquistão.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

ONU aprova equipa para preparar processos contra crimes de guerra na Síria

REUTERS
21 de Dezembro de 2016, 23:47 actualizado a 21 de Dezembro às 23:51



A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a criação de uma equipa especial para “recolher, consolidar, preservar e analisar provas” de crimes de guerra e abusos humanitários cometidos no conflito da Síria.

A Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou esta quinta-feira a criação de uma equipa especial para “recolher, consolidar, preservar e analisar provas” e para preparar os casos de crimes de guerra e abusos humanitários cometidos durante os cinco anos de conflito na Síria.

A Assembleia Geral da ONU adoptou uma resolução, aproveitando uma proposta do Lichtenstein, para criar a equipa independente tendo recolhido 105 votos a favor, 15 contra e 52 abstenções. 
Esta equipa irá trabalhar em coordenação com a Comissão de Inquérito das Nações Unidas na Síria.

A equipa vai então “preparar arquivos para facilitar e acelerar processos judiciais justos e independentes em conformidade com as normas do Direito internacional em tribunais nacionais, regionais e internacionais ou em tribunais que tenham ou que possam vir a ter no futuro jurisdição sobre estes crimes".

A resolução agora aprovada pela ONU apela a todos os Estados, partes do conflito e grupos de civis a providenciar qualquer informação ou documentação.

Antes da votação, o embaixador da Síria na ONU, Bashar Já’afari, afirmou à Assembleia Geral que o “estabelecimento de um mecanismo destes é uma interferência flagrante nas questões internas de um Estado-membro da ONU”. 
A Rússia e o Irão, ambos aliados do regime de Bashar al-Assad, também criticaram a decisão.

Conselho de Segurança chega a acordo para envio de observadores a Alepo

PÚBLICO
18 de Dezembro de 2016, 18:50 actualizado a 18 de Dezembro às 20:03


A cidade de Alepo tem sido palco de alguns dos
mais violentos conflitos da guerra na Síria
Resolução proposta no Conselho de Segurança das Nações Unidas prevê monitorização da saída de civis da cidade. Rússia e França resolveram divergências iniciais sobre o texto.

Rússia e França superaram as divergências iniciais e, esta segunda-feira, o Conselho de Segurança das Nações Unidas deverá aprovar uma resolução que prevê a monitorização da evacuação de civis da cidade de Alepo, na Síria.

De acordo com a Agência France Press, foi possível ultrapassar durante este domingo o impasse gerado pela recusa russa em aprovar a proposta de resolução que tinha sido apresentada pela França na sexta-feira, chegando-se a um documento comum que ambas as partes – e os restantes membros do Conselho de Segurança – estão dispostos a votar favoravelmente.

A resolução prevê que sejam colocados no terreno observadores enviados pela ONU para monitorizar as evacuações e a assistência humanitária que se pretende efectivar em Alepo, cidade duramente atingida pelo conflito militar na Síria.

Antes, uma proposta pela França com esse objectivo tinha sido ameaçada de veto pela Rússia. 
As autoridades de Moscovo, que se têm constituído como o principal apoio do presidente da Síria Bashar al-Assad, consideraram que a proposta francesa não levava em linha de conta o nível de preparação que seria necessário para que representantes da ONU pudessem efectivamente monitorizar a forma como as populações estão a ser protegidas. A Rússia apresentou imediatamente aos outros membros do Conselho de Segurança uma proposta de resolução alternativa que, diziam, “podia atingir os mesmos objectivos”.

“Não temos qualquer problema com uma monitorização. 
Mas a ideia de que seja dito [aos representantes da ONU] para vaguearem em torno das ruínas do leste de Alepo sem uma preparação adequada e sem informar ninguém acerca daquilo que irá acontecer, isso é algo que faz adivinhar um desastre”, afirmou na altura o embaixador russo nas Nações Unidas, Vitaly Churkin, citado pela Reuters.

Na contraproposta russa, a alteração mais importante era o acréscimo ao texto de uma disposição em que se pedia ao secretário-geral da ONU “que garanta as condições, nomeadamente de segurança, em coordenação com as partes interessadas, para permitir ao pessoal das Nações Unidas monitorizar as condições dos civis que permanecem em Alepo”.

A reacção imediata da França a esta proposta russa não foi positiva, tendo o embaixador François Delattre afirmado aos jornalistas que não seria capaz de chegar a um compromisso com a Rússia sobre “exigências básicas”. 

Passadas algumas horas, contudo, as negociações surtiram efeito e diplomatas dos dois países encarregaram-se de dar a notícia. 
François Delattre, pela França, disse que os 15 países (que compôem o Conselho de Segurança) encontraram "um terreno de entendimento" em relação a um texto de compromisso. 
Vitali Tchourkine, pela Rússia, assinalou que se trata de "um bom texto".

A votação deverá acontecer no decorrer desta segunda-feira. 

Alepo: o nosso combate!

OPINIÃO
22 de Dezembro de 2016, 6:50



Álvaro Vasconcelos
Como reações a tragédia na Síria são um sintoma perigoso de como uma narrativa democrática e humanista tem dificuldade hoje em mobilizar os espíritos.

É perturbante que Vladimir Putin visto, por muitos, como o seu líder no combate contra o islamismo radical. 
Com o atentado de Berlim, considere ainda mais que tem razão. 
Mas nada me parece mais imprudente do que embarcar na aventura russo-iraniana na Síria, potenciadora de todos os extremismos.

Como reações à tragédia de Alepo são um sintoma perigoso de como uma narrativa democrática e humanista tem dificuldade hoje em mobilizar os espíritos.

Nas redes sociais, onde se sente o poder das sociedades, domina o negacionismo dos crimes contra a humanidade cometidos em Alepo, prevalece a soberania como princípio absoluto, em clara secundarização dos direitos humanos e em rutura com o consenso fundador da União Europeia

Quando se apela à solidariedade com vítimas civis dos bombardeamentos indiscriminados, o que se ouve como resposta são frias considerações geopolíticas antiamericanas e anti-islâmicas, acrescidas de uma enorme desconfiança relativamente às elites "ocidentais". 
Só isso pode explicar que a cobertura da CNN sobre Alepo, de uma enorme seriedade profissional, seja considerada por alguns mera propaganda, enquanto a da televisão russa RT seja vista como séria, apenas porque é a contra-narrativa.

O discurso é repetitivo por neonacionalistas, de direita ou de esquerda. 
Em França, esta visão é defendida por Marine Le Pen mas também por Jean-Luc Mélenchon, candidato da frente de esquerda, que leva seu cinismo ao ponto de afirmar que é natural que haja mortos em Alepo porque os "em todos os bombardeamentos ", como aconteceu na libertação da França na II Guerra Mundial.

Parece fácil descartar a vida ou morte dos sírios perante uma condenação de que os muçulmanos são uma ameaça e que difícil distinguir entre quem combate a liberdade e os extremistas do Daesh. 
A complexidade enorme das guerras na Síria faz com que muitos acreditam que Putin libertou Alepo do Daesh, quando este já tinha sido derrotado, pelo Exército Sírio Livre, em 2013, quando tentou conquistar uma cidade. 
A cidade antiga de Alepo, património da humanidade, foi controlada desde 2012 pelo Exército Sírio Livre, com cerca de 8000 combatentes. 
Não foram os 300 combatentes da Frente al-Nusra, afiliada da Al-Qaeda, que mudou a natureza da resistência e a sua relação íntima com os habitantes, que a partir de 2011 apoiam esmagadoramente uma revolução democrática.

Muitos são os que pensam que os Estados Unidos ainda são a potência hegemónica que tudo é determinado e que, como fez no Iraque, está em Síria a tentar derrubar um regime nacionalista. 
Mas a tragédia de Alepo é uma demonstração clara do declínio dos Estados Unidos e da União Europeia, e sintoma de um mundo sem ordem. 
Desde o desastre franco-britânico da guerra de Suez, em 1956, que os Estados Unidos, para o bem e para o mal, foram o computador do Oriente Médio. 
O facto de não quererem um envolvimento muito maior na Síria, uma marca de um fim de uma era.

A ordem que se seguiu para Queda do Muro morreu na Síria, mas não por uma vitória da Rússia. 
A Rússia não tem dimensão económica (o PIB russo é sensivelmente a metade do PIB francês) para poder pesar na ordem mundial, que se move inexoravelmente para uma Ásia, onde a Índia e China tem mais de um terço da população mundial e terão em breve, um peso económico semelhante. 
A Rússia nem sequer tinha capacidade de derrotar os fragmentados rebeldes sírios, sendo absolutamente determinante a intervenção do Irão em socorro de Assad.

O ataque a Alepo contou com uma aviação russa e de Assad, mas também com milícias iraquianas (o principal contingente, cerca de 20 mil homens) e o Hezbollah libanês, enquadrados pelo exército iraniano. 
O Irão - não é uma Rússia ou Estados Unidos - é hoje o principal no Oriente Médio. 
A Turquia, ator importante da região, acabou por se aproximar da Rússia e do Irão, depois da fracassada tentativa de golpe do Estado.

Mesmo assim, Putin tem capacidade para causar danos e fazer uma paz e uma democracia e não para o seu país, mas sobretudo para a aliança com os neonacionais, que vêem nele um parceiro que pode prestar bons serviços. 
Foi assim com Trump e com o apoio declarado a Marine Le Pen. 
A 12 de Dezembro, o FPO, assinou um acordo de cooperação com Putin, onde se afirma que "um projecto de educação para o patriótica das jovens gerações". 
O que espanta é que ainda haja quem se considere progressista e enalteça simultaneamente os feitos de Putin.

Os cidadãos europeus não podem contar que os enfraquecidos dirigem os Estados da União são capazes de travar o combate ideológico contra o populismo neonacionalista - é uma batalha que tem que travar com as suas mãos. 
Os que recusam uma retórica dos populistas na Europa não estão em menor número que os que defendem, de modo que sofrem os efeitos de uma crise de liderança das elites hoje desmoralizadas, num combate fundamental para os que conseguem ganhar

O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.

Diretor de Projetos no Arab Reform Initiative (ARI)

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Alepo, o exercício forçado da perda da memória

OPINIÃO
PAULO MENDES PINTO
13 de Dezembro de 2016, 20:02


Quando falamos, a respeito da Síria, de destruição de património, falamos, em especial, de património imaterial naquilo que ele tem de mais valioso: o pensamento e a vivência.


As imagens que hoje povoam o nosso imaginário mostram-nos uma Alepo que em tudo é um monte de ruínas, um verdadeiro cataclismo que representa a destruição realizada pelas guerras que arrasaram, e continuam a arrasar, a Síria.

Tive o grato prazer de estar em Alepo no ano de 2008. 
Classificada pela UNESCO desde 1986, a cidade mostrava orgulhosamente o seu passado como parte integrante da sua identidade hodierna. 
Da cidadela à Mesquita Omíada, passando por vários palácios e museus, muito esta milenar cidade nos dava a ver.

Ironicamente, hoje em dia, o site da UNESCO continua a apresentar uma página sobre a cidade de Alepo em muito parecida à de há oito anos. 
Quem ler o texto apresentado parece que tudo continua na mesma: “Localizado na encruzilhada de várias rotas comerciais a partir do II milênio a.C., Alepo foi governado sucessivamente pelos hititas, assírios, árabes, mongóis, mamelucos e otomanos. 
A cidadela do século XIII, a Grande Mesquita do século XII e várias madrassas, palácios, caravanserais e hammams do século XVII fazem parte do tecido urbano único e coeso, agora ameaçado pela superpopulação.”

Contudo, nada disto já é verdade. 
Do mais material, em que quase tudo o que é indicado nesse texto já não existe, até à “superpopulação” de uma cidade hoje quase abandonada, nada coincide com a realidade. 
Tudo isto se modificou de forma brutal. Irreparável e irrecuperável.

E por que é tudo tão irrecuperável em Alepo? 
Porque os monumentos não se podem reconstruir? 
Não. 
Esses até talvez se pudessem reconstruir, houvesse a vontade e os meios, mas o principal, a vida humana de uma cultura de convívio, essa perdeu-se talvez para sempre.

Antes desta tremenda e re-islamização do Médio Oriente no século XX, criando-se uma marca arabizante que tudo procurou uniformizar e reduziu muitos dos direitos humanos e marcas de modernização a mera figura demonizada de um anti-ocidentalismo que alimentou e alimenta os grupos terroristas, Alepo, tal como Damasco, era uma cidade de um convívio assinalável entre sunitas e xiitas, um espaço onde o próprio sunismo abria portas a uma religiosidade popular secular que dialogava com formas normalmente mais vistas como xiitas.

Exemplo do que afirmei é o que se encontrava na Mesquita Omíada de Alepo, uma magnífica construção do século XIII, feita com base numa anterior, do início do VIII, onde os crentes sunitas peregrinavam para ver e tocar o túmulo do pai de João Baptista, Zacarias, um importante Profeta do Islão. 
Nesta dimensão de religiosidade, num convívio cultural único, a impossibilidade, a proibição, levada à letra pelo sunismo de adorar figuras e homens, era compaginada com a peregrinação ao túmulo de um Profeta. 

A par desta realidade sincrética entre sunismo e xiismo, a comunidade cristã era muito significativa e, tal como em Damasco, mantinha os seus lugares de culto e era herdeira de um quadro de diálogo com o Islão. 
Tal como em Damasco, também a Mesquita Omíada de Alepo fora nas primeiras dezenas de anos da sua fundação espaço religioso dos cristãos, tendo mantido essa dimensão dialogante pelo facto de ter os restos mortais de uma figura importante do Cristianismo, Zacarias.

Quando falamos, a respeito da Síria, de destruição de património, falamos, em especial, de património imaterial naquilo que ele tem de mais valioso: o pensamento e a vivência. 
Com a destruição de edifícios de séculos, perdemos muito. 
Mas com essa destruição vem atrás muito mais: com o desmoronar de um edifício, de uma parede com séculos de vida, vemos cair toda uma forma de convívio que nela se materializava e que era marcada profundamente pelo diálogo herdado de gerações e gerações.

De facto, um dos dramas mais importantes das guerras que desde a chamada Primavera Árabe grassam pela Síria e pelo Iraque, é a sistemática anulação dos traços que alimentam a memória colectiva.

Ao destruir materialmente o património, assistimos ao nascimento de uma nova sociedade, sem memória, sem alicerces, sem referências. 
Apenas as feridas abertas pela guerra se irão manter. 
Por muitos séculos, claro.

Professor da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona

O que resta de Alepo depois da guerra

13/12/2016 - 21:50


A ofensiva do regime de Bashar Al-Assad contra as forças rebeldes em Alepo terminou, e as imagens de uma cidade devastada pelo conflito começam a surgir em cada vez maior quantidade. 
Em contraste com o célebre esplendor daquela que era a segunda cidade da Síria, as fotografias reveladas esta terça-feira registam um cenário devastador de prédios destruídos e monumentos danificados. 

A guerra deixou Alepo irreconhecível.

ONU denuncia execuções cometidas pelas forças pró-Assad em Alepo

PÚBLICO
13 de Dezembro de 2016, 10:45 actualizada às 13:01


Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos dá conta de pelo menos 82 civis mortos, incluindo 13 crianças, em quatro bairros tomados aos rebeldes. 

UNICEF diz que há dezenas de crianças encurraladas pelos combates num edifício da cidade.

As Nações Unidas dizem ter recebido informações credíveis de execuções cometidas pelas forças pró-governamentais sírias no Leste de Alepo, incluindo 82 civis mortos a tiro em quatro bairros conquistados nos últimos dias à rebelião.

“Estamos a assistir a um completo desmoronar da humanidade em Alepo”, denunciou Jens Laerke, porta-voz da assistência humanitária na ONU, dizendo temer pela sorte das dezenas de milhares de civis apinhados no pequeno reduto que os rebeldes ainda controlam, no sul da cidade – uns escassos quilómetros quadrados, sujeitos nas últimas horas a intensos bombardeamentos, um “canto infernal” nas palavras de Rupert Colville, porta-voz do Alto Comissariado para os Direitos Humanos.

Num comunicado divulgado já esta manhã, a UNICEF disse ter recebido “informações alarmantes de um médico da cidade, segundo o qual muitas crianças, possivelmente cem, desacompanhadas ou separadas das suas famílias, estão encurraladas num edifício, debaixo de intensos ataques no Leste de Alepo”. 

As 82 mortes documentadas aconteceram nos bairros de Bustan al-Qasr, al-Fardous, Al-Kalasah e Saliheen, tomados segunda-feira pelo Exército sírio depois de terem ruído as linhas defensivas dos rebeldes, que perderam no espaço de horas metade do já escasso território que ainda controlavam na parte sudeste da cidade. 
“Temos informações de que as pessoas estão a ser mortas na rua quando tentam fugir e a ser mortas nas suas casas”, acrescentou Colville, citando “múltiplas fontes dignas de crédito”.

Entre as vítimas há pelo menos 11 mulheres e 13 crianças, mortas mas Colville adianta que as informações recebidas do terreno sugerem que podem ser “muito mais”. 
O responsável deu conta de “dezenas de civis mortos a tiro na praça de al-Ahrar, no bairro de Al-Kalasah e também numa zona de Bustan al-Qasr, aquela que era uma das principais praças-fortes dos grupos armados na vizinhança da Cidade Velha. 
O responsável citou entre os envolvidos nestas execuções milicianos do Harakat al-Nujuba, uma das milícias xiitas iraquianas que combatem ao lado do Exército sírio.

“A única forma de aliviar a profunda preocupação e a suspeita de que estão a acontecer crimes em massa em Alepo, e em relação à situação das pessoas que fugiram ou foram capturadas, tanto civis como militares, é permitir um acompanhamento de organizações externas, como a ONU”, às operações em curso, avisou o porta-voz.

Tanto as Nações Unidas como o Comité Internacional da Cruz Vermelha pediram ao Governo sírio e à Rússia, principal aliado de Assad, que suspendam os bombardeamentos para permitir a livre passagem dos civis que estão encurralados pelos combates – um apelo até agora sem resposta. O Governo francês, um dos mais próximos de alguns dos grupos seculares que resistem na cidade, lançou nesta terça-feira um apelo às Nações Unidas para que usem todos os mecanismos ao seu dispor para investigar o que está a acontecer na cidade, avisando o Governo russo que, se nada fizer, poderá vir a ser cúmplice “da vingança e do terror” em curso em Alepo. 

O Governo turco anunciou, entretanto, que está em negociações com a Rússia, numa tentativa para conseguir a abertura de um corredor para a saída dos combatentes e dos civis que os queiram acompanhar para outras áreas da Síria ainda em poder da rebelião. 
Um responsável turco, que falou à Reuters sob anonimato, revelou que não existe ainda acordo, mas o assunto voltará a ser discutido num encontro agendado para quarta-feira.

Na Cidade Velha de Alepo, já só o silêncio está de pé

AFP
13 de Dezembro de 2016, 16:19

Era uma das grandes cidades da Antiguidade, centro económico e comercial, que todos os anos atraía milhares de turistas. 

A guerra deixou Alepo irreconhecível.

A Cidade Velha de Alepo, conhecida pelos souqs animados e pela sua Cidadela pluri-centenária, é hoje irreconhecível depois de anos de uma guerra sem perdão que arrasou a segunda cidade da Síria.

Durante séculos, e até ao início do conflito em 2011, a metrópole setentrional foi a capital económica do país. 
Um importante centro cultural que atraía turistas de todo o mundo para admirar os locais históricos, vestígios de numerosas civilizações que se sucederam numa das mais antigas cidades do mundo.

Mas hoje, apenas os gatos errantes são visíveis nas ruelas cheias de escombros da Cidade Velha, declarada Património Mundial da UNESCO. 
A célebre praça al-Hatab, uma das mais antigas da cidade, foi invadida de barricadas de areia e de carcaças queimadas de autocarros tombados.

O advogado e historiador de Alepo, Alaa al-Sayyed, não acredita nos seus olhos.
“Não consigo reconhecê-la, esta está verdadeiramente destruída. 
Dizem-me ‘essa não pode ser a praça al-Hatab’”, diz o historiador.

Durante quatro anos, a Cidade Velha foi uma das linhas da frente. 
Os seus vestígios antigos têm os traços dos combates incessantes que opuseram os rebeldes dos bairros do leste e os soldados do regime que controlam os sectores ocidentais.

A 7 de Dezembro, os rebeldes foram obrigados a retirar-se, desalojados pela ofensiva relâmpago lançada pelo regime a meio de Novembro.

“Herança insubstituível”

As perdas causadas pela violência dos últimos anos são incalculáveis. 
O minarete seljúcida da Grande Mesquita Omíada, que data do século XI, foi arrasado. 
A Cidadela, jóia da arquitectura militar islâmica da Idade Média, cuja construção começou no século X, perdeu uma parte das suas imponentes ameias.

E o souq, com as suas bancas centenárias, foi parcialmente destruído pelas chamas. 
Este mercado coberto era o maior do mundo com as suas quatro mil bancas e as suas 40 caravançarás (locais onde eram guardadas as caravanas), que atraiu durante séculos os artesãos e mercadores vindos dos quatro cantos do mundo. 
Hoje, os seus muros estão cobertos de marcas das balas e de traços dos tiros de morteiro e de rockets.

O souq era o “coração económico de Alepo, fazia parte de uma herança insubstituível”, lamente Sayyed. Atacá-lo é “dar um golpe decisivo à economia de Alepo, uma vez que milhares de famílias, ricas ou pobres, dependiam do souq como ganha-pão“.

Abu Ahmad, de 50 anos, está lá para o testemunhar. 
Este comerciante era proprietário de várias bancas na Cidade Velha, onde vendia cortinas de cores vivas que fabricava. 
Obrigado pelos combates a abandonar o seu negócio florescente, tem hoje um quiosque modesto no bairro central de Fourkane, serve café e outras bebidas quentes aos transeuntes.

“Tive de vender as jóias da minha mulher para comprar o quiosque”, lamenta Abu Ahmad, com lágrimas nos olhos. 
Sonha regressar ao antigo souq, onde espera encontrar uma das suas lojas ainda em pé. 
Se não, terá de vender o seu carro para pagar a reconstrução.

“Sou um comerciante e não quero abandonar o meu negócio. 
Quero passá-lo aos meus filhos”, afirma.

Cidade fantasma

A guerra destruiu o sector turístico próximo da cidadela, não poupando sequer a mesquita Al-Sultaniya nem o Grand-Sérail, um elegante edifício administrativo em pedra branca construído durante o mandato francês. 
O Carlton Hotel, um palácio, foi reduzido a pó em Fevereiro de 2014 quando os rebeldes fizeram explodir minas nos túneis.

E no bairro vizinho de Aqyul, os imóveis residenciais destruídos pelos combates alinham-se até perder de vista. 
Às janelas, onde os vidros foram destruídos pelas explosões, as cortinas azuis batem ao vento. 
Um gato errante deambula entre os escombros, parando para cheirar um corpo em decomposição no meio da rua.

Nem o cemitério local escapou aos combates. 
As pedras das sepulturas partidas jazem na erva seca. 
No bairro de Bab al-Hadid, onde se encontra uma das portas medievais de Alepo, o silêncio reina. 
Perto da praça com o mesmo nome, datada de 1509, a bandeira de oposição, com três estrelas vermelhas, está pintada nas paredes das lojas.

Num muro do bairro deserto, um graffiti: “De Houran [região do sul] a Alepo, a revolução continua.”