sábado, 14 de abril de 2018

Síria: armas químicas ou de intoxicação massiva?

OPINIÃO
Domingos Lopes
14 de Abril de 2018, 6:02
O direito internacional não é propriedade de ninguém, a não ser da comunidade internacional que materializou esse acervo jurídico na ONU.

1. O alegado ataque com armas químicas em Douma, perto de Damasco, aconteceu quando os “rebeldes” estavam derrotados e a ação conjunta do exército sírio com os militares russos era imparável.

Aliás, os recuos sucessivos em Ghouta e os reflexos nas chancelarias ocidentais de solidariedade com os “rebeldes” era notório, e assistiu-se a uma tremenda campanha de solidariedade com os jihadistas do Jaysh al-Islam (Exército do Islão) exibindo vezes sem conta bombardeamentos sobre crianças indefesas com gente a dar conta da versão dos tais rebeldes. 
O “nosso” Diário de Notícias de 11 deste mês titulava que só um grande ataque americano poderia travar a vitória de Assad…

Neste quadro de derrocada dos “rebeldes” e da discussão sobre a sua rendição e partida para o norte do país, por que motivo haviam os sírios/russos de atacar com armas químicas os que já estavam derrotados? 
Se o inimigo estava derrotado, com que objetivo atacariam os sírios as indefesas crianças de Douma? 
Para tocar à campainha da Casa Branca, da Downing Street, do Eliseu a pedir misseis?

2. É curioso observar que esta campanha só tem em conta o que dizem Trump, T. May e Macron. 
Será que alguém lhes concedeu algum direito especial de serem investigadores, procuradores, juízes e executores de penas?

O direito internacional não é propriedade de ninguém, a não ser da comunidade internacional que materializou esse acervo jurídico na ONU. 
Entretanto, fala-se cada vez mais em punir do que dar o primado às instâncias internacionais que albergam dentro de si os mecanismos para tratarem responsavelmente do assunto.

No caso português é ainda mais grave e triste, porque no topo da hierarquia da ONU está um português e esse facto devia levar a que as diversas análises dessem espaço à intervenção da ONU.

Mas não, há já quem qualifique Bashar al-Assad do mais bárbaro líder mundial e dê como certo que a Síria levou a cabo o alegado ataque. 
Estranha-se que nas palavras de António Costa e Santos Silva se dê como certo que Assad violou grosseiramente o jus in bello, o que equivale a dizer que também Portugal alinha no coro dos que se fazem de polícias, procuradores, juízes e carrascos.

Esta sobranceria e arrogância de menosprezo e desprezo pela ONU e pelo direito internacional é uma marca do nosso tempo.

Os que supostamente clamam por linhas vermelhas deviam ser os primeiros a procurar as linhas azuis e defender as instituições encarregadas de zelar pelo direito internacional.

Em vez de agirem animados em vingar-se por Assad ter vencido os “rebeldes”, deveriam trabalhar para soluções que permitam aos povos da região usufruírem dos direitos e das liberdades que lhes permitam o pleno exercício da soberania.

Não é justo, equilibrado, sensato o Presidente Macron, ao lado dos altos dignitários sauditas, ameaçar a Síria, sabendo-se que, em termos de respeito pelos direitos humanos, o reino saudita configura uma das mais tenebrosas ditaduras que faz rolar a cabeça dos seus opositores.

Quem se esqueceu da exibição de Trump do cheque de centenas de milhares de milhões de dólares de armamento vendido à Arábia Saudita? 
Great!, disse ele eufórico.

E a Arábia Saudita está metida até às orelhas no apoio aos “rebeldes” sunitas jihadistas que combatiam em Ghouta e continuam a combater noutras regiões da Síria.

Entre um regime autoritário, repressivo, laico, tolerante para com os cristãos sírios, como é o caso da Síria, e o regime saudita, onde nem sequer pode haver um templo fora da religião sunita wahabista, devia fazer os seguidores da fé cristã a colocar a fé à frente dos negócios, para nem sequer falar dos direitos humanos…

A perseguição movida aos cristãos depois do derrube de Saddam Hussein devia fazer pensar…

3. O que se vai passar na Síria não se sabe. 
Os russos têm os seus interesses, aliás como os EUA, a Grã-Bretanha e a França. 
No Médio Oriente há uma luta tremenda entre o Irão e a Arábia Saudita e os seus respetivos apoios internacionais (Rússia e EUA/Ocidente).

A vitória síria/russa pode ser importante no quadro de uma solução global ou ser o início de um conflito alargado a toda a região, com o envolvimento cada vez mais alargado da Turquia. 
É preciso que as armas se calem na Síria, no Iémen, na Palestina e que as negociações, por mais difíceis que sejam, substituam misseis novos ou velhos, feios ou bonitos.

Não há outro caminho. 
Ao terreno chegaram os peritos do OPAQ. 
Deixem-nos investigar. 
E que as conclusões façam luz e ajudem a Humanidade. 
Que a lei dos misseis (sejam eles de quem forem) se submeta à lei internacional.

A guerra no Afeganistão dura há 40 anos e por lá já passaram soviéticos, norte-americanos e soldados da NATO… 
A Síria não deve correr esse risco.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Advogado

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