sábado, 14 de abril de 2018

Damasco avisa Ocidente de que se defenderá se for atacada

SÍRIA
Lusa
13 de Abril de 2018, 22:34 
Bashar al-Assad, o Presidente sírio

O alerta foi dado pelo embaixador sírio nas Nações Unidas.

A Síria avisou esta sexta-feira, na ONU, o Ocidente de que "não terá outra opção" a não ser defender-se caso seja atacada. 
"Isto não é uma ameaça. 
Isto é uma promessa", disse o embaixador sírio junto das Nações Unidas, Bashar al-Jaafari.

O diplomata reagiu assim ao facto de os países ocidentais terem passado em revista as suas opções militares para punir o regime sírio, que acusam de ter perpetrado um ataque químico na cidade de Douma, apesar das repetidas advertências de Moscovo e do secretário-geral da ONU, António Guterres.

Depois de ter falado de ataques iminentes com mísseis, a meio da semana, o Presidente norte-americano, Donald Trump, ainda não tinha tomado "uma decisão final" nesta sexta-feira, segundo a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley.

E apesar de se afirmarem convictos da responsabilidade do regime do Presidente Bashar al-Assad no ataque que fez mais de 40 mortos a 07 de Abril perto de Damasco, os países ocidentais parecem estar a hesitar por receio de uma "escalada militar total" na Síria, nos termos de Guterres, sobretudo após as ameaças de retaliação da Rússia.

Apoiante indefectível do regime de Assad, o Presidente russo, Vladimir Putin, desaconselhou esta sexta-feira o seu homólogo francês, Emmanuel Macron, de qualquer "acto irreflectido e perigoso" na Síria, que poderá ter "consequências imprevisíveis".

Macron disse a Putin, numa conversa telefónica, desejar que a concertação entre Paris e Moscovo "se intensifique", com o objectivo de "devolver a paz e a estabilidade" à Síria, indicou o Eliseu.

"Procrastinações", para Nikki Haley, que esta sexta-feira se impacientou numa reunião do Conselho de Segurança convocada a pedido de Moscovo.

"A dada altura, vocês terão de fazer alguma coisa. 
Terão de dizer: 'Já chega'", sustentou a diplomata norte-americana referindo os numerosos vetos russos na ONU a uma investigação sobre o recurso a armas químicas e a continuação da sua utilização pelo regime sírio. 
Mas o secretário-geral da ONU declarou-se preocupado com "tensões cada vez mais fortes".

"A incapacidade para encontrar um compromisso sobre a definição de um mecanismo de investigação ameaça conduzir a uma escalada militar total", alertou, apelando aos membros do Conselho de Segurança para "agirem de maneira responsável nestas circunstâncias perigosas".

A Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), que vai reunir-se na segunda-feira, anunciou que os seus especialistas estão a caminho da Síria e começam a trabalhar no sábado.

Ataque conjunto de EUA e aliados visou três alvos com armas químicas

A GUERRA NA SÍRIA
Lusa
14 de Abril de 2018, 4:36 
























"Os objectivos que foram atacados e destruídos estavam associados ao programa de armamento químico do regime sírio", disse o chefe de Estado Maior Conjunto dos EUA.

A ofensiva lançada neste sábado pelos EUA, Reino Unido e França contra o Governo de Bashar al-Assad consistiu em três ataques contra instalações utilizadas para produzir e armazenar armas químicas, informou o Pentágono.

O primeiro dos ataques, perto de Damasco, teve como objectivo um centro de investigação científica utilizada, segundo o chefe de Estado Maior Conjunto dos EUA, general Joseph Dunford, para a "investigação, desenvolvimento, produção e testes de armas químicas e biológicas".

O segundo alvo dos EUA e aliados europeus foi um depósito de armas químicas situado a Oeste de Homs, que segundo Dunford armazenava as principais reservas de gás sarin nas mãos do governo de Assad.

Por último, os três países atacaram um outro armazém de armas químicas e um "importante centro de comandos", ambos situados perto do depósito de armas químicas a Oeste de Homs.

"Os objectivos que foram atacados e destruídos estavam associados ao programa de armamento químico do regime sírio. 
Também seleccionámos objectivos que minimizassem o risco para civis inocentes", afirmou Dunford em conferência de imprensa.

O ministério da Defesa do Reino Unido indicou que quatro aviões de combate Tornados da Força Aérea Real (RAF) participaram no ataque "com êxito" na Síria contra um armazém militar do regime de Bashar al-Assad.

Os aparelhos britânicos foram lançados como parte da missão coordenada entre o Reino Unido, os EUA e a França para lançar mísseis contra uma antiga base militar síria, situada a cerca de 24 quilómetros a Oeste da cidade de Homs, revelou o ministério.

Os ataques dos aviões foram feitos depois de se ter confirmado que aquela base militar era usada pelo regime de Assad "para guardar precursores de armas químicas que estavam a ser armazenados infringindo as obrigações da Síria pela Convenção de Armamento Químico".

O Presidente dos EUA, Donald Trump, ordenou uma ofensiva conjunta com a França e o Reino Unido contra alvos associados a armamento químico na Síria, em resposta a um alegado ataque químico do qual responsabilizam o Governo de Bashar al-Assad.

Aliados fazem ataque limitado a Assad. Rússia avisa que haverá “consequências”

A GUERRA NA SÍRIA
Liliana Borges
14 de Abril de 2018, 5:25
O ataque dos aliados a Assad foi anunciado por Donald Trump

O ataque conduzido em conjunto pelos EUA, Reino Unido e França ocorreu pelas 2h (hora de Lisboa) e foi dirigido a três alvos específicos. 
Rússia reagiu, avisando que haverá "consequências".

"Que tipo de nação quer estar associada a um assassinato em série de homens, mulheres e crianças inocentes?" 
Foi com esta pergunta que o Presidente norte-americano, Donald Trump, se dirigiu ao mundo durante a noite desta sexta-feira (já madrugada em Lisboa), para anunciar um ataque conjunto dos Estados Unidos, Reino Unido e França à Síria.

Numa declaração feita à comunicação social às 21h em Washington (2h de sábado em Lisboa), Trump deu conta da sua ordem às Forças Armadas norte-americanas para atingir “alvos específicos associados à capacidade de produzir armas químicas do ditador sírio, Bashar al-Assad”.

O ataque, explicou Trump, foi resultado de uma “operação combinada com as Forças Armadas da França e Reino Unido” e, por isso, agradeceu a ambos países.

“Há um ano, Assad lançou um ataque químico contra o seu próprio povo, contra inocentes. 
Os EUA responderam com 58 ataques de mísseis que destruíram 20% da Força Aérea Síria”, acrescentou Trump. 
O recurso a armas químicas ter-se-á então repetido no último sábado, na cidade de Douma, atribuído a Assad por Trump e pelos seus aliados.

“A nossa informação foi corroborada por múltiplas fontes. 
O ataque matou e feriu milhares de civis inocentes. 
Vídeos e imagens mostram resquícios de pelo menos duas bombas de gás de cloro no ataque, coincidentes com bombas de ataques anteriores".

Um acto único para três alvos

Para a Casa Branca, o mais recente ataque do Presidente sírio constituiu uma “acentuada escalada no recurso a armas químicas” e, depois de uma semana de tensões e ameaças, os bombardeamentos dos aliados acabaram por se concretizar. 
Foi um "acto único", como o qualificou Jim Mattis, secretário de Defesa norte-americano, para enviar "uma mensagem muito forte a Assad".

Horas mais tarde, o Pentágono viria a detalhar que o ataque teve três alvos: um centro de investigação científica, perto de Damasco; um depósito de armas químicas situado a Oeste de Homs; e um outro armazém de armas químicas e um "importante centro de comandos", ambos situados perto do depósito de armas químicas a Oeste de Homs.

Macron: "Linha vermelha foi ultrapassada"

"Esta noite autorizei as Forças Armadas a lançar ataques dirigidos e coordenados com o objectivo de degradar a capacidade do regime sírio de produzir armas químicas - e travar a sua utilização. 
Estamos a actuar juntamente com os nossos aliados americanos e franceses”, afirmou a primeira ministra-britânica,Theresa May. 
“Em Douma, no último sábado, um ataque com armas químicas matou mais de 75 pessoas, incluindo crianças, em circunstâncias de puro horror. 
Este padrão persistente tem que ser travado”, justificou May.

“Nós não podemos autorizar que o uso de armas químicas seja normalizado - seja na Síria, nas ruas do Reino Unido ou em qualquer outro lado do mundo. 
Preferíamos ter tido um caminho alternativo. 
Neste caso não há nenhum", lê-se no comunicado de May, que alude ao ataque com o agente nervoso químico a um ex-espião russo a viver no Reino Unido, Serguei Skripal.

A primeira-ministra do Reino Unido disse que a actuação do regime de Assad põe directamente em causa as normas internacionais e que foram tentadas “todas as vias diplomáticas” para evitar o ataque deste sábado.

Já o Presidente francês, Emmanuel Macron, foi mais sucinto e declarou que o país não iria continuar a tolerar “o recurso a estas armas, que são um perigo imediato para a população síria e para a nossa segurança colectiva". 
"A linha vermelha foi ultrapassada", disse ainda o Presidente francês. 

Rússia: “Tais acções vão ter consequências”

Numa primeira reacção, o embaixador russo nos EUA, Anatoly Antonov, publicou um comunicado no Facebook, afirmando que os EUA e os seus aliados sabem "que tais acções terão consequências". 
E acrescentou: “Insultar o Presidente da Rússia é inaceitável e inadmissível”, além de que os EUA “não têm moral para criticar os outros países”, uma vez que tem um grande arsenal de armas químicas, argumentou.

Os alvos dos bombardeamentos dos EUA já tinham sido evacuados há vários dias, disse à Reuters uma fonte de uma aliança regional que apoia o regime de Assad. 
“Tivemos um aviso dos russos sobre o ataque e todas as bases militares foram evacuadas há alguns dias”, disse a mesma fonte. 
“Cerca de 30 mísseis foram disparados no ataque e um terço deles foi interceptado”.

liliana.borges@público.pt

Síria: armas químicas ou de intoxicação massiva?

OPINIÃO
Domingos Lopes
14 de Abril de 2018, 6:02
O direito internacional não é propriedade de ninguém, a não ser da comunidade internacional que materializou esse acervo jurídico na ONU.

1. O alegado ataque com armas químicas em Douma, perto de Damasco, aconteceu quando os “rebeldes” estavam derrotados e a ação conjunta do exército sírio com os militares russos era imparável.

Aliás, os recuos sucessivos em Ghouta e os reflexos nas chancelarias ocidentais de solidariedade com os “rebeldes” era notório, e assistiu-se a uma tremenda campanha de solidariedade com os jihadistas do Jaysh al-Islam (Exército do Islão) exibindo vezes sem conta bombardeamentos sobre crianças indefesas com gente a dar conta da versão dos tais rebeldes. 
O “nosso” Diário de Notícias de 11 deste mês titulava que só um grande ataque americano poderia travar a vitória de Assad…

Neste quadro de derrocada dos “rebeldes” e da discussão sobre a sua rendição e partida para o norte do país, por que motivo haviam os sírios/russos de atacar com armas químicas os que já estavam derrotados? 
Se o inimigo estava derrotado, com que objetivo atacariam os sírios as indefesas crianças de Douma? 
Para tocar à campainha da Casa Branca, da Downing Street, do Eliseu a pedir misseis?

2. É curioso observar que esta campanha só tem em conta o que dizem Trump, T. May e Macron. 
Será que alguém lhes concedeu algum direito especial de serem investigadores, procuradores, juízes e executores de penas?

O direito internacional não é propriedade de ninguém, a não ser da comunidade internacional que materializou esse acervo jurídico na ONU. 
Entretanto, fala-se cada vez mais em punir do que dar o primado às instâncias internacionais que albergam dentro de si os mecanismos para tratarem responsavelmente do assunto.

No caso português é ainda mais grave e triste, porque no topo da hierarquia da ONU está um português e esse facto devia levar a que as diversas análises dessem espaço à intervenção da ONU.

Mas não, há já quem qualifique Bashar al-Assad do mais bárbaro líder mundial e dê como certo que a Síria levou a cabo o alegado ataque. 
Estranha-se que nas palavras de António Costa e Santos Silva se dê como certo que Assad violou grosseiramente o jus in bello, o que equivale a dizer que também Portugal alinha no coro dos que se fazem de polícias, procuradores, juízes e carrascos.

Esta sobranceria e arrogância de menosprezo e desprezo pela ONU e pelo direito internacional é uma marca do nosso tempo.

Os que supostamente clamam por linhas vermelhas deviam ser os primeiros a procurar as linhas azuis e defender as instituições encarregadas de zelar pelo direito internacional.

Em vez de agirem animados em vingar-se por Assad ter vencido os “rebeldes”, deveriam trabalhar para soluções que permitam aos povos da região usufruírem dos direitos e das liberdades que lhes permitam o pleno exercício da soberania.

Não é justo, equilibrado, sensato o Presidente Macron, ao lado dos altos dignitários sauditas, ameaçar a Síria, sabendo-se que, em termos de respeito pelos direitos humanos, o reino saudita configura uma das mais tenebrosas ditaduras que faz rolar a cabeça dos seus opositores.

Quem se esqueceu da exibição de Trump do cheque de centenas de milhares de milhões de dólares de armamento vendido à Arábia Saudita? 
Great!, disse ele eufórico.

E a Arábia Saudita está metida até às orelhas no apoio aos “rebeldes” sunitas jihadistas que combatiam em Ghouta e continuam a combater noutras regiões da Síria.

Entre um regime autoritário, repressivo, laico, tolerante para com os cristãos sírios, como é o caso da Síria, e o regime saudita, onde nem sequer pode haver um templo fora da religião sunita wahabista, devia fazer os seguidores da fé cristã a colocar a fé à frente dos negócios, para nem sequer falar dos direitos humanos…

A perseguição movida aos cristãos depois do derrube de Saddam Hussein devia fazer pensar…

3. O que se vai passar na Síria não se sabe. 
Os russos têm os seus interesses, aliás como os EUA, a Grã-Bretanha e a França. 
No Médio Oriente há uma luta tremenda entre o Irão e a Arábia Saudita e os seus respetivos apoios internacionais (Rússia e EUA/Ocidente).

A vitória síria/russa pode ser importante no quadro de uma solução global ou ser o início de um conflito alargado a toda a região, com o envolvimento cada vez mais alargado da Turquia. 
É preciso que as armas se calem na Síria, no Iémen, na Palestina e que as negociações, por mais difíceis que sejam, substituam misseis novos ou velhos, feios ou bonitos.

Não há outro caminho. 
Ao terreno chegaram os peritos do OPAQ. 
Deixem-nos investigar. 
E que as conclusões façam luz e ajudem a Humanidade. 
Que a lei dos misseis (sejam eles de quem forem) se submeta à lei internacional.

A guerra no Afeganistão dura há 40 anos e por lá já passaram soviéticos, norte-americanos e soldados da NATO… 
A Síria não deve correr esse risco.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Advogado

Prenúncios de incerteza

OPINIÃO
Germano Almeida
14 de Abril de 2018, 12:13
A “nova Guerra Fria” é muito mais complexa e imprevisível que a versão original. 
A junção de um presidente americano impreparado com um líder russo mestre da encenação pode ser explosiva. 
A Síria pode ser o balão de ensaio dos tempos perigosos que estão para vir.

"A corrida ao armamento nuclear é como dois inimigos que lutam até à morte com gasolina até à cintura, um deles tem três fósforos e o outro tem cinco" — Carl Sagan

“O existir não pede apenas coragem e equilíbrio, mas também algum desapego, porque a nenhum de nós cabe melhorar o mundo ou parar o tempo" — Rentes de Carvalho

“A guerra, se a avaliarmos pelos padrões das guerras anteriores, não passa de uma impostura. Porém, embora irreal, a guerra não perdeu sentido. Absorve o excedente de bens de consumo e ajuda a manter essa atmosfera mental indispensável a qualquer sociedade hierárquica. A guerra é hoje questão puramente interna. Nos nossos dias já não lutam uns contra os outros. A guerra trava-se entre cada um dos grupos dominantes e os seus próprios súbditos, consistindo o objetivo da guerra não em fazer ou impedir conquistas territoriais, mas sim em manter intacta a estrutura da sociedade. A própria palavra «guerra» tornou-se, portanto, enganadora” — 1984, de George Orwell

“Estou muito assustada. Na Guerra Fria havia protocolos e algumas regras e linhas de comunicação. Agora… bom, agora temos dois tipos, Trump e Putin, que são ambos muito orgulhosos e egocêntricos. Ambos de um estilo emocional e a certo ponto espalhafatosos. E receio que passem para um ponto em que saiam dos seus cantos e queiram fazer danos colaterais” — Julia Ioffe, jornalista e analista política russo-americana

Há um cheiro a napalm no ar.

Não no sentido literal, mas no ambiente, nas interpretações cénicas e nas intenções reveladas pelos líderes das principais potências.

A tragédia síria, a ter agora novo pico de tensão com a “reação ocidental” a mais um ataque com armas químicas feito pelo regime de Assad contra o seu próprio povo, é mais um indicador claro, e muito preocupante, do que pode estar aí para vir.

Os dados estão em constante reavaliação e torna-se difícil apontar caminhos claros.

Mesmo assim, há duas tendências evidentes: acabou a “distensão” que marcou o pós-queda do Muro de Berlim (com a crise financeira de 2007-2011, primeiro, e o aumento dos conflitos regionais agravado na segunda década do século 21, depois); a perda de ascendente dos EUA em relação às outras potências está a alterar a correlação de forças (americanos menos “poderosos; chineses e russos a galgar terreno em diferentes áreas de influência).

Vivemos na era da mudança acelerada, no ponto de vista tecnológico (e, por consequência, também mediático, laboral e ambiental). 
E da incerteza crescente, nos planos económico e político.

Consequências destas alterações: redução da influência dos grandes partidos tradicionais (tendencialmente mais inclusivos, abrangentes e moderados) e crescimento de fenómenos populistas, demagógicos e mais propensos a intolerâncias com minorias e diferenças.

Assim se explicam disparates eleitorais recentes e sonoros em democracias supostamente maduras e consolidadas (Brexit no Reino Unido; eleição presidencial de Trump nos EUA), provocando distorções e sentimentos contraditórios nos próprios eleitorados que, por mero protesto ou pura negligência, quiseram testar o inaceitável, ainda que com algumas razões para recusar o “habitual”.

Grandes consensos democráticos estão postos em causa (projeto europeu, aposta nas instituições internacionais) e novos fantasmas ganham força: o paradoxo dos protecionismos e nacionalismos num mundo cada vez mais aberto, global e multilateral; aumento do peso e da influência de líderes autoritários e de perfil ditatorial (ainda que eleitos democraticamente), como Erdogan na Turquia, Orban na Hungria, Duterte nas Filipinas ou, é claro, Vladimir Putin na Rússia.

E há também, num falso silêncio mas em grande escala global, aquilo que tem tudo para ser a grande história política das próximas décadas: a espantosa ascensão chinesa.

A grande ascensão silenciosa

Se o último meio século celebrou a hegemonia americana, o essencial do século que atravessamos poderá ser marcado pelo novo domínio chinês.

A China tem quatro vezes e meia a população dos EUA. 
Já vai em três quartos do total da riqueza dos americanos (há uma década tinha só metade).

Os chineses ultrapassaram o Japão no valor do PIB pelo final de 2012 e, cinco anos e meio depois, já criam quase o triplo da riqueza dos japoneses (11,7 triliões para 4,8 triliões de dólares).

E gastam já mais de um terço das despesas militares dos Estados Unidos (cerca de 250 mil milhões de dólares para 650 mil milhões dos americanos).

No século 21, os chineses ganharam 324 medalhas olímpicas, menos 113 que os americanos, é certo, mas já 70 mais que os russos.

A Google abriu, há meses, um centro de Inteligência Artificial em Pequim e, de acordo com dados da US National Science Foundation, a China, pela primeira na história, publicou mais artigos científicos que os EUA durante o ano de 2017 (426 mil para 409 mil).

Enquanto em Washington há uma administração que põe em causa os méritos da investigação científica e da aposta no conhecimento, de Pequim vemos uma longa estratégia, com múltiplas vertentes e passa por aumento evidente da influência e do prestígio chinês à escala global.

Novas centralidades

Se a ascensão chinesa passa pelo crescimento em diversas áreas e penetração em diferentes espaços regionais, há um outro elemento a ter em conta, com maior potencial de risco: o regresso da tensão entre EUA e Rússia.

A Donald Trump interessa mostrar que, afinal, não é um “puppet” de Vladimir Putin.

Para o “czar” de Moscovo conta exibir uma força que a mera consulta dos factos não confirma – mas a perceção ilude.

A Rússia terá a economia da dimensão da Espanha, mas consegue transmitir um grau de ameaça muito superior.

É, sem dúvida, uma potência regional e graças a uma inteligente gestão de alianças feita por Putin está a alargar essa esfera de influência.

O “America First” de Trump interessa, acima de tudo, a Putin pelo espaço de manobra que ganha perante a “desistência” americana em teatros como a Síria ou o Leste europeu.

A recente cimeira a três em Ancara entre Erdogan, Putin e Rohani mostrou que essa tríade Turquia/Rússia/Irão está para ficar – e tem Moscovo como eixo central desse triângulo que, aos olhos euroatlânticos, nos parece tão distante.

Os turcos estão na NATO e até há poucos anos queriam entrar na UE. 
As constantes recusas e adiamentos de Bruxelas, Londres e Paris fizeram com que a Turquia ganhasse um ressentimento durável para com os europeus.

Erdogan foi-se virando progressivamente para Moscovo e acabou de inaugurar a primeira central nuclear turca com Putin ao lado (e forte injeção de capitais de Moscovo). 
Dez por cento do fornecimento de energia aos turcos passa a ser garantida por um projeto viabilizado financeiramente pelos russos.

Enquanto isso, e apesar de Erdogan e Assad serem rivais de longa data, a Síria nada fez para evitar que tropas turcas entrassem pelas suas fronteiras para que, em Afrin, os curdos do YPG fossem perseguidos e derrotados.

Isto está mesmo a mudar.

A Síria como balão de ensaio

A ofensiva norte-americana, britânica e francesa da madrugada de sábado, no pós ataque químico de Douma, terá sido mais um capítulo neste teatro de enganos, ilusões e novas tendências.

Era suposto que a América de Trump estivesse “de retirada militar total” do palco sírio.

Mas a obsessão do atual presidente americano de se demarcar do seu antecessor deve levá-lo a ensaiar um “ataque punitivo” ao regime de Assad, provavelmente em escala superior ao que fez há exatamente um ano sobre a base síria de Shayrat (59 mísseis cruzeiro Tomahawk).

Não ficará em causa a continuidade de Assad (agora ainda mais garantido militarmente por Moscovo).

A questão é que o cenário de abril de 2018 comporta muitos mais riscos do que se apresentava em abril de 2017.

A tensão entre EUA e Rússia é muito maior. 
O grau de desconfiança dos russos nos americanos está em máximos históricos de 70%.

Esqueçam o ‘namoro’ de estilos entre Trump e Putin. 
A primeira grande confrontação entre os dois “strongmen” de Washington e Moscovo não deverá acabar em conflito bélico direto (não se chegará a tanto), mas o envolvimento militar russo na Síria faz temer o pior, perante um eventual ‘erro de alvo’ num possível ataque americano em solo sírio.

Trump elegeu o Irão como o grande inimigo. 
E o Irão é, por estes dias, um dos maiores aliados da Rússia e do regime de Assad em Damasco.

Ao mesmo tempo, a atual administração americana abraçou a nova liderança saudita do príncipe Mohamed bin Salman (acabado de fazer um ‘tour’ vitorioso de três semanas pelos EUA) e reforçou o apoio a Israel.

Certamente sem ser por acaso, o poderoso e jovem príncipe saudita fez história em dizer, de forma inédita para quem manda em Riade: “Acredito que os palestinianos e os israelitas têm o direito de ter a sua própria terra”.

Até ao início de junho há vários ‘cisnes negros’ a aparecer ao fundo do lago: a Síria, a decisão americana sobre o que fazer ao acordo nuclear do Irão, a guerra comercial EUA/China, a tensão diplomática criada pelo caso Skrypal, o encontro inusitado Kim/Trump.

O clima de hostilidade é crescente. 
A corrida ao armamento está em marcha. 
As alianças estão a clarificar-se.

Correndo bem, não acabará muito mal. 
Falta saber o que restará se correr muito mal.

Autor de dois livros sobre a presidência Obama e outro sobre Hillary Clinton e a eleição presidencial de 2016

sexta-feira, 13 de abril de 2018

“Evitem que a situação fique fora de controlo”, pede Guterres

NAÇÕES UNIDAS
Maria João Guimarães
13 de Abril de 2018, 16:52 
António Guterres alerta para o perigo de uma escalada militar total na Síria

Associações de direitos humanos pedem iniciativa do secretário-geral da ONU para criar uma missão que apure de quem é a responsabilidade pelo ataque químico na Síria. Rússia acusa Reino Unido.

Enquanto o mundo perguntava se o que está a acontecer com a prometida resposta militar americana a um ataque químico na Síria era a calma antes da tempestade ou o ganhar tempo para uma solução não-militar, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, apelou a todos os países para que “ajam com responsabilidade nestas circunstâncias perigosas” para “evitar que a situação fique fora de controlo”.

Guterres, que foi ouvido no Conselho de Segurança da ONU a pedido da Rússia, criticou não só a “tensão crescente” mas também a “incapacidade de se chegar a um compromisso para criar um mecanismo de responsabilização”. 
Os dois factores juntos criam o potencial de “uma total escalada militar”, alertou.

O risco de um confronto entre uma coligação incluindo os Estados Unidos e a França e os militares russos que estão na Síria a apoiar o exército de Assad é grande.

Inspectores da Agência para a Proibição de Armas Químicas chegam neste sábado ao local onde terá ocorrido, há uma semana, o ataque químico em Douma, mas só têm como missão apurar que gás foi usado e não quem o utilizou.

Para que seja atribuída responsabilidade é necessário que exista uma comissão conjunta que inclua mais do que apenas estes peritos. 
Esta comissão foi sugerida numa resolução apresentada pelos EUA na terça-feira — e que a Rússia vetou.

Um grupo de 45 organizações de defesa de direitos humanos, incluindo a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, pediu a Guterres que, dada a paralisação do Conselho de Segurança, active ele próprio um mecanismo da ONU independente que procure as responsabilidades. 
Outros secretários-gerais já o fizeram, argumentam.

A tensão Rússia-EUA no Conselho Segurança tem sido crescente e observadores notam que os respectivos embaixadores têm tido palavras cada vez mais duras. 
Os Estados Unidos ameaçaram retaliar contra o regime de Assad pelo suspeito ataque químico — em que poderão ter sido usados dois gases, cloro e sarin. 
A Rússia nega que tenha ocorrido qualquer utilização de armas químicas e, nesta sexta-feira, acusou mesmo o Reino Unido de estar por trás de uma simulação de ataque. 
A embaixadora britânica, Karen Pierce, disse aos jornalistas que Londres não tinha qualquer envolvimento. 
“É grotesco, é uma mentira óbvia, é a pior notícia falsa que já vimos da máquina de propaganda russa”, declarou.

maria.joao.guimaraes@público.pt

Parlamento português condena "reiterado emprego de armas químicas" na Síria

SÍRIA
Lusa
13 de Abril de 2018, 19:36 
























Voto foi apresentado pela comissão dos Negócios Estrangeiros. Foram rejeitados textos do PCP e do Bloco sobre o mesmo assunto.

O Parlamento condenou nesta sexta-feira o "reiterado emprego de armas químicas" no conflito na Síria e exigiu o total apuramento de responsabilidades através de acções conduzidas pela Organização das Nações Unidas (ONU).

"A Assembleia da República exprime a sua veemente condenação pela escalada do conflito e pelo reiterado emprego de armas químicas ocorrido em Douma, na Síria, no passado domingo, 8 de Abril, exigindo o total apuramento de responsabilidades", refere o voto.

O texto foi proposto pela comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e teve os votos contra do PCP e do PEV e favoráveis das restantes bancadas parlamentares.

Os deputados consideram "absolutamente imperioso o apuramento de responsabilidades" relativamente a todas as situações como as que ocorreram em Douma, através de acções conduzidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, e o julgamento dos "culpados por crimes tão repugnantes".

Os deputados lamentaram o "bárbaro ataque conduzido contra populações indefesas na Síria" afirmando que foram utilizadas armas químicas "de acordo com testemunhos credíveis de várias organizações internacionais". 
O ataque provocou "largas dezenas de mortos e feridos" e "configura um grave atentado aos direitos humanos", consideram.

Sobre o mesmo assunto foram rejeitados votos de condenação apresentados pelo PCP e pelo BE.

O voto de condenação proposto pelo PCP afirma que a "operação de desestabilização e agressão contra a Síria" e as "ameaças de escalada de agressão" são "sustentadas numa alegada e não comprovada utilização de armas químicas". 
O texto do PCP foi rejeitado com os votos contra do PSD, PS e CDS-PP e a abstenção do PAN.

O voto proposto pelo BE, igualmente rejeitado, condena "com firmeza as estratégias das potências, quaisquer que sejam, que mais não são do que agressões ao povo da Síria" e apela à resolução pacífica do conflito.

Posição dos países face a um ataque na Síria

SÍRIA
Maria João Guimarães
13 de Abril de 2018, 20:03
Protestos contra potencial acção militar americana na Síria 

Apesar da promessa de Donald Trump, países expressam cautelas quanto a um ataque na Síria em resposta a um bombardeamento com armas químicas. 
Porém, vão definindo posições: 

EUA
“O nosso Presidente ainda não tomou uma decisão sobre uma possível acção na Síria”, disse a embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley. 
Mas “se os EUA e os seus aliados decidirem agir, será em defesa de um princípio em que todos concordamos”. 
“Todas as nações e todos os povos sofrerão se permitirmos que Assad normalize o uso de armas químicas”, o que terá já feito umas 70 vezes, acrescentou.

No Twitter, o Presidente americano prometeu responder, avisou a Rússia de que os mísseis americanos estavam a caminho, e um dia mais tarde apresentava uma versão mais moderada garantindo que nunca tinha dito quando aconteceria um ataque.

O seu secretário da Defesa, Jim Mattis, já apresentou alternativas de acção militar sublinhando que “a grande preocupação é “evitar que haja uma escalada descontrolada”. Washington e Moscovo têm uma linha directa para evitar que uma acção mal calculada tenha consequências.

FRANÇA
O Presidente francês, Emmanuel Macron, disse que havia provas do ataque químico e que a França retaliaria “depois de feitas todas as verificações”. 
Não é claro o que poderá querer dizer, já que o processo de verificação pelos inspectores pode levar semanas. 
Macron pediu esta sexta-feira que se mantenha e aumente o diálogo com a Rússia para “trazer a paz e estabilidade para a Síria”. 
Na ONU, o embaixador francês pediu uma “resposta robusta, unida e resoluta”.

REINO UNIDO
Theresa May disse que tudo apontava para uma responsabilidade de Assad no ataque e que o uso de armas químicas não pode passar impune. 
O líder da oposição Jeremy Corbyn acusa May de estar à espera de uma decisão de Trump e pede que qualquer acção seja levada a cabo apenas após autorização dos deputados.

ARÁBIA SAUDITA
O príncipe herdeiro que é também ministro da Defesa Mohammed bin Salman admitiu uma participação da Arábia Saudita num ataque se as circunstâncias o ditassem.

ALEMANHA
A Alemanha “não participará em possíveis acções militares na Síria”, assegurou duas vezes a chanceler, Angela Merkel, numa conferência de imprensa. 
O país tem, por razões históricas, fortes constrangimentos a acção militar externa. 
Mas “não fazer nada também é difícil”, acrescentou a chanceler, dizendo que se os EUA, França e Reino Unido levarem a cabo uma acção militar, a Alemanha procurará um “modo não militar” de ajudar. 
A Alemanha tem disponibilizado voos de reconhecimento e reabastecimento de combustível como parte da acção militar contra o Daesh.

ITÁLIA
O primeiro-ministro, Paolo Gentiloni, disse que Itália não irá ter um papel directo num ataque mas “oferecerá apoio logístico a forças aliadas”.

HOLANDA
A Holanda não participará numa acção militar. 
O primeiro-ministro, Mark Rutte, disse apenas que o país “compreende uma possível reacção”, dado o provável uso de armas proibidas, segundo a agência Reuters.

TURQUIA
Estados Unidos e Rússia estão, acusa o Presidente turco, a “tornar a Síria no palco do seu braço-de-ferro”. 
Recep Tayyip Erdogan diz-se “extremamente preocupado” com o aumento de tensão entre Estados Unidos e Rússia e apela a que se discutam outros modos de acabar “massacres químicos” na Síria.

RÚSSIA
O ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, disse que Moscovo tem provas “irrefutáveis” de que o suspeito ataque químico foi encenado com ajuda de serviços secretos de um país ocidental. 
Na ONU, o embaixador russo, Vassili Nebenzia, acusou os países que ameaçam retaliar de querer “derrubar o governo sírio” e ainda “de forma mais lata, conter a Federação Russa”.

CHINA
O país “tem sempre um compromisso com a resolução pacífica de disputas”, disse o porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros Geng Shuang, citado pelo Guardian. 
“A resolução política é a única possível e acções militares não vão levar a lado nenhum”.

maria.joao.guimaraes@público.pt

quarta-feira, 11 de abril de 2018

INTERNACIONAL
11-04-2018
Donald Trump anunciou hoje que os mísseis norte-americanos estão a caminho do território sírio

A Rússia já respondeu a Donald Trump, insinuando que os ataques norte-americanos contra o regime sírio só servirão para “apagar vestígios” do alegado ataque químico em Douma, que matou dezenas de pessoas.

“A ideia original é usar mísseis inteligentes para varrer os vestígios da provocação para debaixo do tapete?", escreveu a porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, no Facebook, questionando se a Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ) sabe que os mísseis irão destruir “todas as evidências” do alegado ataque químico.

Esta mensagem surge depois de o presidente dos Estados Unidos da América ter avisado a Rússia que os seus mísseis “estão a caminho” da Síria.

 "A Rússia prometeu destruir todos e quaisquer mísseis disparados contra a Síria. 
Prepara-te Rússia, porque eles vão começar a chegar, bons, novos e inteligentes!", escreveu Donald Trump no Twitter.

Maria Zakharova defendeu que os mísseis mencionados por Trump deveriam ter como alvo os “terroristas” e não o “governo legítimo” da Síria: "Os mísseis inteligentes devem voar em direção aos terroristas e não em direção do governo legítimo, que luta contra o terrorismo internacional há vários anos no seu território".

Este clima de tensão está a afetar cada vez mais as relações entre os EUA e a Rússia, como o próprio Donald Trump admitiu no Twitter: “A nossa relação com a Rússia está pior que nunca, incluindo o período da Guerra Fria. 
A Rússia precisa da nossa ajuda para a sua economia, algo que seria muito fácil de fazer, precisamos que as nações trabalhem juntas. 
Vamos pôr fim a esta corrida ao armamento?”.

Recorde-se que, na terça-feira, os EUA, apoiados pela França e o Reino Unido, admitiram avançar com uma resposta militar para acabar com a ameaça de ataques químicos em território sírio.

No fim de semana passado, pelo menos 42 pessoas morreram na sequência de um ataque deste género em Douma. 
O regime de Assad negou qualquer envolvimento, assim como a Rússia, que se disponibilizou para garantir a segurança de especialistas da OPAQ que se dirigissem ao terreno para averiguar a existência de armas químicas por parte do regime sírio. 
A OPAQ já anunciou que enviará uma equipa de peritos “em breve”.