quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Universitários vão “pressionar para erguer a República”

INDEPENDENTISMO NA CATALUNHA
Sofia Lorena
em Barcelona 20 de Dezembro de 2017, 7:00

A plataforma Universitats per la República já tem o seu lugar no movimento soberanista catalão. 
Ajudou a forçar Puigdemont a declarar a independência e agora exige um país.


Antes, “queixavam-se que os jovens não se envolviam, agora é porque tomam posições”, desabafa um catalão ao ouvir outro criticar o “radicalismo destes universitários, parece que lhes fizeram uma lavagem ao cérebro”. 
O alvo destes comentários é o colectivo Universitats per la República, um novo movimento na Catalunha, diferente por ser transversal – une várias organizações e junta estudantes, professores e funcionários – e pela dimensão dos protestos que tem organizado.

“Se há um ano alguém me tivesse dito que íamos viver tudo isto eu nunca acreditaria”, diz Marta Rosique, uma das porta-vozes da plataforma, como ela se refere sempre ao Universitats per la República. 
A conversa marcou-se para a praça da Universidade, a jovem de 21 anos estudar na Universidade Pompeu Fabra (está a tirar dois cursos em simultâneo, Jornalismo e Ciência Política). 
O lugar faz sentido. 
Afinal, foi a ocupação do edifício histórico da Universidade de Barcelona, que se impõe na praça, a marcar um antes e depois na vida deste colectivo.

Tudo começou a 20 de Setembro, dia em que agentes da Guardia Civil e da Polícia Nacional detiveram 14 pessoas (a maioria funcionários da Generalitat suspeitos de estarem envolvidos na organização do referendo sobre a independência marcado para 1 de Outubro) e fizeram buscas em várias instalações do governo autonómico. 
“Houve uma mobilização instantânea da sociedade e, de repente, a plataforma ganhou mais sentido e os jovens voltaram a ser ponta de lança da luta pelos direitos civis”, diz.

De certa forma, o chamado “processo” irrompeu no movimento estudantil com esta plataforma, fundada em Abril. 
Com a sua própria natureza, o movimento segue o exemplo da Associação Nacional Catalã e da Òmnium Cultural, responsáveis por carregarem a causa do independentismo até que os políticos a assumissem.

O Universitats per la República propõe-se fazer o mesmo: nasceu para defender o direito a decidir, o referendo e agora tem como principal objectivo defender a construção de uma república catalã.

A ocupação da Universidade de Barcelona começou a 21 de Setembro e haveria de prolongar-se até 2 de Outubro, um dia depois do referendo. 
“A ocupação serviu-nos para ter um espaço de organização e coordenação, foi um espaço de encontro entre associações que nunca tinham trabalhado juntas. 
Foi um espaço de mobilização, as pessoas sabiam que podiam vir aqui ter, e acabou por se tornar num espaço informativo”, descreve Marta.

"Caixa da resistência"
Nos dias antes do referendo, a Justiça ia encerrando sites criados para as pessoas confirmarem a que escolas deveriam dirigir-se para votar. 
E nem todos os eleitores têm smartphones ou acesso a Net. 
Na comprida banca montada no exterior da Universidade, os jovens disponibilizavam-se a procurar a mesa de voto a quem o pedisse, distribuíam boletins (não se sabia se tinham sido todos confiscados) e explicavam como se esperava que actuasse a polícia. 
Ao mesmo tempo, distribuíam material sobre o referendo.

“Logo a seguir às detenções de dia 20 juntámos 70 mil estudantes na rua, e isso é algo que nunca antes se tinha feito. 
E a partir da ocupação também acabámos por nos substituir à campanha, como foi ilegalizada nós continuámos a fazê-la”, diz Marta. 
Na altura, como agora, em que apelaram ao voto nas forças independentistas, o movimento teve fundos para as suas actividades vindos de doações de pessoas para a “caixa de resistência” sempre presente nos seus actos.

A bandeira da paz
O dia do referendo foi o da “violência brutal que nunca tínhamos esperado”, descreve a estudante. 
Os membros da plataforma mantiveram-se ali mesmo, na Universidade, a tentar coordenar informação, saber que escolas permaneciam abertas, onde é que fazia falta gente para defender as urnas e a informar quem ali passasse sobre o que estava a acontecer no seu lugar de voto e onde se podia dirigir se a sua escola tivesse sido encerrada pela polícia.

No dia seguinte, saíram para protestar em silêncio contra as cargas policiais que fizeram, segundo a autarquia de Barcelona e os serviços de saúde, mais de mil feridos. 
“Esta não é a República com que sonhamos. 
Na nossa República, uma das bandeiras é a paz e o Governo tinha-nos demonstrado claramente que em vez de meios pacíficos escolhe a repressão”, diz Marta.

“Foram dias de urgência, de mobilização em reacção. 
Faltou-nos rapidez e estratégia, mas a verdade é que nunca imaginámos o nível de repressão do 1-0 nem as detenções que se seguiram”, afirma a jovem. 
“Como é que se manda prender Jordi Sànchez e Jordi Cuixart, líderes das organizações [ANC e Òmnium], eles que mobilizaram manifestações absolutamente pacíficas com um milhão de pessoas, só estão presos pelas suas ideias políticas”.

Tanta gente
Dia, 1, dia e, e logo veio o 3 de Outubro, com a greve geral marcada por centrais sindicais contra a violência do referendo. 
A plataforma Universitats per la República juntou-se à greve, claro, mas sem planear qualquer papel de organizador.

“Que confusão, as pessoas eram tantas, os jovens juntaram-se espontaneamente aqui, na praça. 
De repente, a Gran Via estava cheia e percebemos que tínhamos de assumir o papel de mobilizadores. 
Decidimos encaminhar as pessoas para o parlamento, em defesa nas nossas instituições”, recorda Marta. 
Na altura, sem saber que em breve as instituições catalãs iam ser intervencionadas pelo Governo de Madrid.

Foi nesse dia que a vimos pela primeira vez, cabelo curto, olhos muito azuis, do azul dos brincos que trouxe à entrevista, agora de casaco de Inverno e cachecol rosa forte; nesse dia de sol estava de T-shirt e megafone em punho, a pedir à gente que se sentasse por um momento antes da caminhada final. 
Não parecia atrapalhada.

Eleições são eleições
Marta recusa as acusações de radicalismo, mas assume que os objectivos da plataforma são claros e inamovíveis. 
Aliás, reivindica para os jovens do movimento a mudança de ideias de Carles Puigdemont, na véspera da declaração de independência de 27 de Outubro. 
“Estávamos na praça da Catalunha e íamos manifestar-nos no parlamento, mas soubemos que Puigdemont ponderava marcar eleições e decidimos ir para Sant Jaume”, a praça da sede da Generalitat. 
Os gritos de “independência” e “traidor” chegaram ao gabinete do president.

E é por isso que repete que as eleições de quinta-feira, além de ilegítimas por terem sido convocadas por Rajoy, não são um referendo. 
“O referendo já aconteceu e só foi possível porque a sociedade se organizou de forma massiva e descentralizada. 
Somos um exemplo de como uma democracia forte pode exigir pacificamente os seus direitos”, defende. 
“Mas já votámos e a independência já foi declarada, agora vamos às urnas porque tem de ser, é mais um obstáculo que nos impõem”.

O futuro passará por exigir que a república declarada comece a ser erguida. 
Vença quem vencer. 
“Ainda que ganhem os unionistas nunca ficaremos de braços cruzados. 
Temos responsabilidades e o povo pede a independência há muito tempo”, diz Marta.

“Queremos um país mais livre, mais autónomo, que possa pôr em prática leis como as da ‘pobreza energética’ ou da ‘emergência habitacional’, duas das 46 aprovadas pelo parlamento e chumbadas pelo Tribunal Constitucional”, enumera a jovem estudante. “Queremos continuar a ser um exemplo de sociedade intercultural que tem a língua, o catalão, como factor de união nas suas diferenças. 
E isso sempre em fraternidade com os povos de Espanha. 
Eu sei que é uma mudança estrutural e que isso implica riscos, mas também traz oportunidades”

slorena@publico.pt

Sem comentários:

Enviar um comentário