quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

“Rajoy está morto e foi Arrimadas que o matou”

ENTREVISTA
Sofia Lorena
em Barcelona 21 de Dezembro de 2017, 6:33

Entrevista a Fernando Vallespín. 
Para o especialista em teoria e pensamento político, presidente do Centro de Investigações Sociológicas entre 2004 e 2008, as próximas eleições em Espanha deverão ser legislativas.

























A “utopia do independentismo” esvaziou-se quando as empresas começaram a abandonar a Catalunha e Madrid impôs sem resistência o artigo 155, diz Fernando Vallespín, catedrático de Ciência Política na Universidade Autónoma de Madrid. 
Diz-se “pessimista” face às eleições autonómicas desta quinta-feira, onde “o voto se decide em função de preferências identitárias e não políticas”.

As sondagens antecipam uma governabilidade difícil a partir de Janeiro.
Não há muito a dizer. 
Estamos numa situação de empate, perante duas estratégias de hegemonia, a dos independentistas e a dos unionistas. 
Depois, dentro destes campos, [Oriol] Junqueras [ERC] tenta bater [Carles] Puigdemont [PDeCAT, concorre com a lista Juntos pela Catalunha] e este quer ganhar-lhe votos. 
No lado unionista parece claro que os Cidadãos vão ficar muito à frente, não se sabe bem ainda o que se passará com o PSC [Partido dos Socialistas da Catalunha] e o mais interessante é o resultado do PP [Partido Popular, de Mariano Rajoy, no poder em Madrid], que será absurdo.

Como quer “continuar espanhol”, desta vez Rubio vai mesmo votar

Iñaki Gabilondo dizia nas suas crónicas vídeo do El País que vamos ter uma situação em que “Mariano é I de Espanha e VII da Catalunha”.
O mais provável é que deixe rapidamente de ser I de Espanha também e essa será uma das consequências de umas eleições em que muito possivelmente a relação de forças no parlamento se vai alterar pouco. 
Se os independentistas conseguirem de novo a maioria precisando dos deputados da CUP vão insistir que têm a maioria social para construir um país, o que é mentira. 
E vai voltar a aplicar-se o [artigo] 155 [da Constituição, que permitiu a Madrid dissolver o parlamento e a Generalitat e governar a Catalunha].

Já se fez bastante autocrítica entre os independentistas à forma como se conduziu o processo, com excepção da CUP (Candidatura de Unidade Popular).
Muitos independentistas estão a favor de um processo mais pensado. 
Mas ninguém vota por preferências políticas, o voto é decidido em função de preferências identitárias. 
Claro que em algum momento vai ter de voltar a governar-se. 
A Catalunha está há anos sem governo, entregue a este desatino do independentismo. 
Sou pessimista. 
Com os processos judiciais em marcha, um auto-exilado [Puigdemont], o outro na prisão [Junqueras], muitos mais implicados, tudo se complica. 
É difícil que enquanto isto se passa se chegue a um acordo de governo e haja alguma normalização. 
Por tudo isto, seria mais simples se vencesse o Cidadãos, ainda que não seja fácil formar governo desse lado.

O mais certo é que o bloco independentista vença, com ou sem maioria.
Sim. 
E o sensato seria que os seus líderes dissessem ‘necessitamos de uma reflexão, temos de fazer alguma marcha atrás e resolver os problemas urgentes; por um lado, os processos judiciais; por outro, os problemas mais graves da economia, por isso vamos adiar a questão da independência, não é uma desistência, é um adiamento táctico’. 
Isso teria lógica.

Mas a pressão de parte da sociedade não vai parar. 
Os jovens que gritaram “traidor” quando Puigdemont admitiu convocar eleições em vez de declarar a independência não desistem.
Sim, mas não são a maioria. 
Veja-se o absurdo de tentar montar uma república onde nem sequer metade dos cidadãos está de acordo com isso. 
Como é que vais governar um país novo assim? 
É uma loucura, mas já se sabe que de vez em quando os povos enlouquecem.

A ideia da maioria social é um mito nunca provado. 
Mas umas eleições autonómicas não são um referendo. 
Por mais difícil que fosse organizar um referendo negociado, essa não é a única forma de saber quantos catalães querem ser independentes?
Mas eles agora também não querem o referendo, sabem que perderiam. 
O que querem é acções repressivas por parte de Espanha, agora que o independentismo começa a esvaziar-se. 
O movimento sempre andou a par da economia. 
Cresceu com a crise e começou a cair com as melhorias. 
Se olharmos para as curvas vemos que vão em paralelo. 
Precisavam de repressão e quase o conseguiram com o [referendo de] 1 de Outubro. 
O problema é que só houve dois feridos [Generalitat, autarquia e serviços de saúde falam em mais de mil, dois deles graves, incluindo um que perdeu uma vista, atingido por uma bala de borracha] e Puigdemont não pôde ir visitar hospitais. 
Ele precisava disso, melhor ainda com tanques. 
Mas depois [da declaração de independência, a 27 de Outubro] veio o 155 e a gente ficou em casa.

Essa segunda-feira, com toda a gente à espera que os conselheiros fossem trabalhar e pudessem ser detidos, Puigdemont a aparecer em Bruxelas, poucos a sair à rua… Foi um enorme anticlímax.
As pessoas estão fartas. 
São muitos anos à espera de algo que não chega, com os dirigentes a tentarem convencer os não independentistas com dúvidas que a sua narrativa é a realidade. 
Que Espanha não é uma democracia, que a Catalunha não tem autonomia, com as competências que tem… 
Nada disto encaixa no que o direito internacional prevê. 
Nem sequer se proíbe a língua, o catalão é a língua veicular, o que não é possível é escolarizar um filho em castelhano. 
E toda a narrativa assentava numa utopia.

O futuro brilhante impossível em Espanha.
Sim, uma Dinamarca no Sul. 
Essa ideia teve muito impacto, sobretudo entre os jovens que se vêem sem futuro e de repente acreditaram na possibilidade de melhorias sociais, com leis que já não são concebíveis na Europa actual. 
As pessoas mais à esquerda a sonhar com uma república popular, as elites tradicionais a ver-se como embaixadores em Washington e Paris. 
A verdade é que quanto muito seria uma colónia da China, uma espécie de Singapura ora dentro ora fora da Europa, um paraíso fiscal. 
Não é este o modelo de sociedade que os catalães têm no seu imaginário.

Apesar da situação de empate técnico entre blocos há a incógnita dos socialistas, com Miquel Iceta a garantir que se os unionistas tiverem maioria será ele o presidente e não Inés Arrimadas, do Cidadãos. 
Apoiar Arrimadas seria desastroso para o PS nacional.
Claro. 
Se Iceta tivesse um resultado melhor do que aquele que as sondagens antecipam e se unisse a [Xavier] Domènech [candidato do Catalunya en Comú, o movimento do Podemos local], aí sim, poderia haver um bloco não independentista com capacidade para governar de forma diferente, mas isso é quase impossível que aconteça.

Uma vitória do Cidadãos mudaria a política espanhola?
Simbolicamente seria muito, muito importante, mesmo se Arrimadas não puder governar. Enfim, pode sempre haver surpresas nestes processos. 
Agora mesmo o que sabemos é que o independentismo está mobilizado a 100%, o outro lado não. 
E falta saber o que vai acontecer com os indecisos, que são mais de 27%. 
Creio que são novos eleitores. 
Jovens, que votam independentismo, saem das escolas já com essa ideologia, e quem não vota habitualmente, gente habitualmente mais opaca, que tende a optar por uma postura mais conservadora.

Gente que vai votar Cidadãos e não PP. 
Vamos ter legislativas mais depressa do que Rajoy gostaria?
Sim, de certeza. Rajoy está morto e foi Arrimadas que o matou. 
Com isto é que ele não contava, aplica o 155, diz que está a salvar a Catalunha e vai ter um resultado miserável. 
De certa forma, é um paradoxo maravilhoso, ele que sempre foi passivo em relação à Catalunha para ganhar votos noutras zonas de Espanha quando finalmente é assertivo acaba esmagado pela própria Catalunha. 
Rajoy está morto, mas os socialistas não estão melhor e o Podemos também não soube colocar-se bem nesta disputa.

Já demos Rajoy como morto algumas vezes. 
E depois lá está ele, de novo presidente.
Sim, vai tentar aguentar-se, não se vêem livres dele facilmente. 
Mas é um pato coxo, já não pode aspirar a ser presidente do Governo. 
E [Albert] Rivera [líder do C’s] também não me parece ter perfil para liderar o país. Arrimadas tem carisma, chega às pessoas, Rivera não. 
Se o PP fosse inteligente tentava encontrar alguém com um perfil diferente. 
O que se avizinha é a possibilidade de uma vingança maravilhosa dos cidadãos contra o PP, contra a corrupção. 
Quem não tinha alternativa para não votar à esquerda agora pode vingar-se de consciência tranquila, votando Cidadãos.

slorena@publico.pt

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