sábado, 30 de setembro de 2017

Separatismo em democracia: a Escócia, o Quebeque e a Catalunha (II)



Catalunha
Opinião JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES
29 de setembro de 2017, 17:56
José Pedro Teixeira FernandesO argumento da legitimidade não pode ser usado para 
ultrapassar o Estado de direito democrático e violar como suas leis. 
É necessário o romper o círculo vicioso instalado.

1. Em Espanha, uma possibilidade de referendo para a independência da Catalunha tem contornos constitucionais substancialmente diferentes do Reino Unido e do Canadá. 
A Constituição de 1978 resulta da transição da ditadura franquista para a democracia. 
É recente quando comparada com ambas. 
Não é uma flexibilidade da Constituição britânica - que é um misto de costumes jurídicos e leis escritas -, deixando ao Parlamento de Westminster amplificadores de modificação a qualquer altura. 
Nem contém uma possibilidade de secessão existente no Canadá, através de algo similar ao Clarity Act. 
(Nota-se não está estabelecido como um direito unilateral a secessão, sendo esta configurada como uma possibilidade extrema, com diversos requisitos legais prévios a cumprir e exigir sempre de um acordo negociado entre as partes.) 
Mas a Constituição espanhola prevê o referendo - numa matéria completada pela Lei Orgânica 2/1980 -, para diferentes situações, atribuindo-o mais do que um tipo de efeitos jurídicos. 
Podem, assim, existir referendos consultivos ou vinculativos. 
O referendo consultivo, conforme estabelece o art.º 92, foi previsto para "termos políticos de especial importância". 
Está ainda previsto o referendo como requisito para a ratificação do Estatuto de uma Comunidade Autónoma, a realizar pelo corpo eleitoral desta, conforme prevê o art.º 152, nº 2, pontos 2 e 3. 
(Todavia, o Estatuto terá de ser aprovado por ambas as câmaras do parlamento nacional - como Cortes). (Art.º 167 n.º 3, e art.º 168 n.º 3).

2. Como tem sido, na prática, interpretado e aplicado no art. 92 da Constituição espanhola? Teoricamente, poderia ter sido uma base legal para um referendo politicamente pactuado sobre uma independência na Catalunha. 
Todavia, o entendimento que tem prevalecido, desde o logotipo por ser compartilhado pelos dois principais partidos de poder espanhóis (o PP, ao centro-direito e o PSOE, ao centro-esquerda), tem fechado essa possibilidade. 
A posição é a de que um referendo sobre uma independência de uma parte do território em qualquer lugar na Comunidade Autónoma que a reivindica. 
Teria de ser feito um nacional. 
Posição oposta foi defendida pela Generalitat. 
Alguns juristas espanhóis de relevo, como Francisco Rubio Llorente, que já foi vice-presidente do Tribunal Constitucional, admitiram que um referendo não vinculativo sobre uma independência, realizado na única Comunidade Autónoma, não seria inconstitucional. Mas, mesmo considerando que o art.º 92 permite à Catalunha organizar legalmente um referendo - o que está longe de ter consenso -, há outros obstáculos importantes. 
Acabará por ser sempre uma revisão da Constituição por razões que explicarei a seguir.


3. Em 2014, uma Catalunha fez um referendo de facto, à margem dos mecanismos legais. Com duas perguntas colocadas aos eleitores catalães e estas: "Quer que a Catalunha um Estado? Em caso afirmativo, quer que esse Estado é independente? 
"Nele participam cerca de 2,3 milhões de eleitores com cerca de 80% dos votos favoráveis ​​à independência. 
Para efeitos de análise do assunto, vamos imaginar que foi encontrado no convocatório nos termos do art. 92 da Constituição espanhola. 
Quais seriam como consequências jurídicas e políticas? 
O seu resultado, tenha sido ignorado, dado uma Constituição e um elemento facultativo? 
E, no caso de o resultado deve ser informado pelo governo do Estado espanhol e principais atores políticos - por exemplo, devido a um acordo político prévio entre os principais fatores nesse sentido - não como quadro constitucional existente? 
Aqui entramos na parte mais delicada. 
Antes de responder às questões anteriores, importa deixar uma reflexão: um referendo consultivo, sem efeitos automáticos sobre uma independência, tende a provocar resultados distorcidos. 
Como os eleitores sabem que o seu voto não tem como conseqüência automática, independentemente, não são bem-vindos, pagão seu ponto de vista para melhorar a posição negocial face ao poder central. 
O problema é que não se sabe exatamente a vontade de quem votou.

4. Sem uma reforma constitucional negociada a priori entre os principais partidos políticos, um referendo, ainda que convocado legalmente, arrisca-se a provocar uma grave crise constitucional. 
É que depois não existe mecanismos constitucionais para levar à prática a vontade de independência do território. 
Uma única saída constitucional e política coerente passaria por uma revisão constitucional previamente acordada. 
Entre outras coisas, imploração não há Título VIII da Constituição de 1978, "A Organização Territorial do Estado", uma possibilidade de secessão das Comunidades Autônomas, desde que os requisitos constitucionais e legais fossem atendidos. 
Mas não é fácil uma revisão constitucional em Espanha, menos ainda numeral tão delicado como este, onde está em causa a soberania e integridade territorial do Estado. 
O processo de revisão constitucional, previsto nos artigos 166 a 169, é tão possível de pôr em prática com apoios alargados. 
Não chega uma maioria absoluta. 
Por princípio, nos termos do art.º 167, necessita de uma maioria de 3/5 nas duas câmaras, Congresso e Senado. 
Uma revisão constituída por um referendo, uma ordem de 1/10 dos membros de ambas como Câmaras. 
Não há casos de revisão total da Constituição, ou de uma parte do que afecte certas partes, antes identificadas do texto constitucional, maiorias de 2/3 e obrigatoriedade de submissão um referendo para aprovação.

5. Em face do analisado, uma solução para o caso da Catalunha deve ter sido criada legislação constitucional similar à do Canadá, originada pela ambição separatista do Quebeque. 
Quanto ao caso da Escócia, o modelo britânico é muito sui generis para poder ser replicado. 
Mas a história nacional e como tradições constitucionais do Estado espanhol são substancialmente diferentes de ambos os casos. 
Nesta altura, não parecem existir condições políticas para uma modificação constitucional tão importante nas suas implicações. 
Em toda a vigência da Constituição de 1978 apenas foram feitas duas revisões: em 1992 e em 2011, ambas ligadas a questões europeias (Tratado de Maastricht e estabilidade Econômica, respectivamente), em tempos onde existia um consenso europeísta. 
Mas este é um assunto bem mais fracturante, tão ultrapassável com um grande entendimento entre os partidos de poder e apoiado pela sociedade. 
Esse entendimento não existe em altura de grandes tensões políticas. 
Para os mais nacionais em Espanha, uma Constituição e vista como um texto inatacável nessas, tendencialmente perpétuo. 
Todavia, uma constituição e um instrumento jurídico regulador de uma sociedade politicamente organizada. 
Se por muito rígida, pode não permitir uma ação política e as circunstâncias. 
No pior cenário, transformar crises políticas em crises constitucionais, adensando-as mais. Resta sabre se, com o arrastar da crise política, essa engrenagem não existe em curso.

6. Por último, a questão da legitimidade para efectuar uma referência e declarar a independência em caso de vitória do "sim". 
Os independentistas da Catalunha invocam essa legitimidade, como sendo inquestionável devido à sua história, identidade e direito à autodeterminação de pessoas e criar uma "legalidade paralela". 
É inequívoco que a questão da legitimação deve ser além da legalidade. 
Só assim permite reagir contra a opressão de leis injustas, dando fundamentos éticos e de justiça para o seu não cumprimento pelo cidadão. 
Mas essa legitimidade seria líquida em situações de colonialismo, ou de opressão ocorrida em Estados não democráticos, com violações graves e sistemáticas dos direitos humanos. Os conceituados em 1978, já estão em democracia, tendo participado amplamente sem referendo que a ratificar, como todos os espanhóis. 
Esta garante os direitos fundamentais. 
Para além disso, a Espanha é membro da União Europeia, onde existe uma Carta dos Direitos Fundamentais. 
É ainda assinatura da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 
Assim, uma actuação do governo pode ser objeto de recurso judicial nos tribunais do Estado e no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. 
Por muito imperfeita a sua democracia, por exemplo, por excesso de reação sem uso de força - e se existirem violações de direitos humanos - são passíveis de ser contestados judicialmente por qualquer cidadão da Catalunha. 
O argumento da legitimidade não pode ser usado para ultrapassar o Estado de direito democrático e violar como suas leis. 
É necessário o romper o círculo vicioso instalado. 
Nele, demasiadas vezes se olha apenas para um dos lados do problema e se esgrimem argumentos parciais e enviesados. 
Talvez o exemplo do Canadá seja inspirador na Espanha e na Catalunha a encontrarem uma solução democrática no campo do Estado de direito.

Investigador

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