sábado, 30 de setembro de 2017

A engrenagem independentista a caminho duma “utopia vazia”

Catalunha
Análise Jorge Almeida Fernandes
30 de setembro de 2017, 7:50
Rajoy, Puigdemont e Ada Colau (presidente da cidade de Barcelona) com o rei Felipe VI 

Não haverá referendo amanhã. Os nacionalistas substituíram-no pela “mobilização social”. Mas não se entendem sobre uma proclamação unilateral de independência.

Amanhã, 1 de Outubro, não será o grande dia do referendo — o 1-O — simplesmente porque não haverá referendo. 
As urnas serão apenas o chamariz. 
O importante vai jogar-se na rua. 
O 1-O foi concebido como a primeira etapa duma escalada de mobilização nacionalista que se prolongará pelos dias ou semanas seguintes. 
Alguns vislumbram uma rebelião contra Espanha que deveria culminar na Declaração Unilateral de Independência (DUI). 
E depois? 
O projecto de independência parece encerrar uma “utopia vazia”.

Os independentistas tomaram a iniciativa política. 
O Governo espanhol assumiu uma postura reactiva. 
Os independentistas substituíram a política pela “mobilização social”. 
Rajoy substituiu a política pela aplicação da lei. 
Não é o momento de reflectir sobre a mitologia nacionalista ou sobre o Estado de Direito, mas de olhar a estratégia e o projecto independentistas. 

Que se passará amanhã? 
Os independentistas reunirão pequenas multidões para defender os locais de voto, onde os seus activistas se concentraram antecipadamente para tornar inoperante a polícia. 
Em certos casos, os pais dormirão com os filhos nas escolas onde sejam instaladas assembleias de voto. 
Convidam as polícias a cometer um “erro fatal”. 
Os Mossos d’Esquadra, polícia autonómica, anunciaram que não usarão a força contra a resistência passiva. 
A Guardia Civil estará na mira e sob alta pressão por parte dos nacionalistas. 

Os independentistas precisam de imagens que representem ou simulem uma participação maciça de eleitores, e em festa. 
Será o primeiro acto de uma longa representação. 
As televisões passariam a transmitir em directo a “Catalonia Revolution”. 
Esquecidas as urnas, o “referendo” legitimador passaria a ser a mobilização. 

O parlamento catalão saltou por cima da Constituição e das normas do Estatuto catalão, invocando a recusa de diálogo por parte de Madrid. 
O objectivo foi tornar irreversível o processo de independência. 
O escritor catalão Xavier Bru de Sala resume a sua lógica: “O 1-O foi concebido como uma jogada ‘win win’. 
Se sai bem, soberania catalã. ~
Se o impedem pela força pública, aceleração dum movimento social contrário à Espanha.”

E depois de domingo?

Os dirigentes da Generalitat e os partidos independentistas multiplicam as declarações contraditórias sobre a DUI. 
O presidente Carles Puigdemont ora diz que a DUI ainda não está em cima da mesa como dá a entender o contrário. 
A sua formação, o Partido Democrata Europeu Catalão (PDeCAT), afirmou há dois dias que não haveria independência unilateral. 
Na sexta-feira, mudou de opinião. 
O vice-presidente Oriol Junqueras, líder da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), demarcou-se ambiguamente da DUI, coisa que nunca o pareceu entusiasmar, mas também parece ter voltado atrás. 
Sabe que a independência unilateral dividirá a Catalunha. 

Haveria um guião alternativo: convocar eleições autonómicas antecipadas. 
Os independentistas poderiam aproveitar a maré anti-Rajoy para desta vez terem a maioria absoluta, em votos e deputados. 
Neste cenário, segundo as sondagens, a ERC seria o vencedor. 
E Junqueras poderia realizar o sonho de presidir à Generalitat e negociar com Madrid em posição de força. 
Posição de força reforçada não só pela “rebelião catalã” mas sobretudo pela crise política que se anuncia em Espanha e que poderá marcar o fim do poder do Partido Popular e de Rajoy, forçando um debate constitucional sobre autonomias e  federalismo.

As eleições têm, no entanto, um grave problema para a frente independentista, que é um conglomerado política e ideologicamente heterogéneo. 
Uma campanha eleitoral abriria imediatas fissuras.

Resta portanto o cenário “heróico e com mártires” que parece seduzir Puigdemont. 
Se o “referendo de mobilização” se concretizar, com uma maré humana nas ruas de Barcelona, então Puigdemont poderia repetir o gesto trágico de Lluís Companys, a 6 de Outubro de 1934: assomar à varanda da Generalitat e proclamar “La República Catalana”.  

BPI na rota do furacão da independência da Catalunha

O factor CUP

A Candidatura de Unidad Popular (CUP) faz parte de uma galáxia designada por Esquerda Independentista e representa uma reencarnação do velho anarquismo catalão. Indispensável para a maioria independentista no parlamento, assumiu rapidamente um papel de guia estratégico do “processo”.

À CUP se deve o afastamento de Artur Mas e a sua substituição por Puigdemont, tal como a linha da “fuga para a frente”. 
E tem outro trunfo: eles são “os donos da rua”. 
Quem organiza as grandes mobilizações são a Assembleia Nacional Catalã e a Òmnium Cultural. 
Mas os “cuperos” são a força de choque na luta urbana.

A CUP anunciou a sua orientação estratégica para a próxima fase: “A desobediência é imprescindível para conquistar a independência e romper com o Estado espanhol. 
Não há via legal para a independência, só há a via legítima.” 
Promete evitar qualquer veleidade de “traição” com uma “mobilização generalizada”. 
O 1-O “não é o final de nada, apenas um marco mais a caminho dos nossos objectivos, uma república independente dos Països Catalans.”

Não devem ser subestimados no momento em que a “legitimidade” se transfere para a rua.

Um movimento visceral

Se convocar eleições é uma ameaça à coesão da frente independentista, muito mais é o debate do que seria uma Catalunha independente, entre forças de raiz neoliberal — como o PDeCAT — e anarquistas da CUP que propõem a ruptura com a UE. 

Mas há outra dimensão, sublinhada pela socióloga Marina Subirats: “Para muitos catalães, a independência é uma utopia de substituição.” 
O independentismo sempre existiu na Catalunha, tinha um partido como a ERC, mas cresceu enormemente nos últimos anos. 
Passou a fundir todas as vertentes do mal-estar da sociedade, desde a ressaca anti-espanhola pela sentença do Tribunal Constitucional sobre Estatuto, em 2010, aos efeitos da crise económica, passando pela perda de referências após o desmoronamento das velhas utopias, como a comunista. 
“Não é racional, é visceral. 
É o desejo de sair de onde estamos.” 
É a sua força e a sua fraqueza. 

Tem uma tradução simples: “Primeiro sejamos independentes e depois se verá.” 
E uma condição exasperante: “Se entramos na discussão do que será a Catalunha independente, (...) veremos que as utopias são muito diferentes e que não estamos de acordo em quase nada. (...) começaria a romper-se a unidade independentista.” 
Subirats tem alguma simpatia pelo movimento independentista mas observa: “O independentismo queimou tantas etapas que se dizes que queres negociar parece uma traição.”

As “revoluções” são emocionalmente atraentes. 
Mas, para lá do “sair de Espanha”, nada mais há no horizonte senão a utopia vazia em que “os sonhos de uns podem ser os pesadelos dos outros”. 
O resto, a hipótese de uma solução negociada, aguarda melhores tempos. 
E, sobretudo, é preciso saber o que acontecerá nos próximos dias.

jorge.almeida.fernandes@publico.pt

Milhares de espanhóis nas ruas contra referendo na Catalunha


SAPO24 Catalunha
                               MadreMedia / Lusa  30 set 2017 16:21                                                    






















Milhares de pessoas concentraram-se hoje em frente às câmaras municipais de várias cidades espanholas, incluindo de Barcelona, para se manifestarem contra uma realização do referendo pela independência na Catalunha, agendado para domingo, e para reivindicar uma "unidade de Espanha".

De acordo com a agência espanhola EFE, a maior manifestação ocorreu em frente à Câmara Municipal (Ayuntamiento) de Madrid, na praça de Cibeles.

Milhares de pessoas concentraram-se no local, entoando gritos de protesto como “A Espanha unida, jamais será vencida” ou “[Carles] Puigdement para a prisão”, numa referência ao presidente do governo regional catalão, que tem insistido na realização do referendo pela independência.

O Tribunal Constitucional espanhol considerou ilegal uma consulta popular nos moldes propostos pelo Governo regional, pelo que o Governo espanhol e a justiça espanhola têm vindo a tomar medidas para impedir a votação no domingo. Ainda assim, a Generalitat (governo catalão) insiste que ocorrerá uma votação pela separação da Catalunha.

A multidão em Madrid também lançou gritos de apoio ao trabalho da Guardia Civil e da Polícia Nacional espanhola, ambas encarregadas de garantir que a polícia regional catalã, os Mossos d’Esquadra, impeça a votação nas mais de 2.300 assembleias de voto designadas.

O protesto foi convocado pela Fundação para a Defesa da Nação Espanhola (Denaes), sob o lema “Espanha somos todos”. A Delegação do Governo de Madrid (equivalente aos antigos Governos Civis em Portugal) estimou que cerca de dez mil pessoas participaram no protesto. Muitas delas desfraldaram bandeiras espanholas na manifestação.

Em Barcelona, cerca de 350 pessoas – segundo a Guarda Urbana da cidade — concentraram-se na praça de Sant Jaume, em frente ao Palácio da Generalitat (governo regional), em defesa da permanência da Catalunha em Espanha.

“Puigdemont para a prisão” e “Não votaremos” foram algumas das palavras de ordem ouvidas.

Neste protesto registaram-se alguns desacatos, como quando um homem gritou para os manifestantes “Vocês dão vergonha”. O homem teve de ser protegido pelos Mossos d’Esquadra. Também na cidade catalã de Tarragona houve manifestação pela unidade de Espanha, num protesto que reuniu cerca de 300 pessoas.

A situação mais tensa, relatou a EFE, viveu-se em Vitoria, no País Basco, onde cerca de 30 pessoas se concentraram em frente ao Ayuntamiento com duas bandeiras de Espanha.

Frente a eles estava cerca de uma centena de jovens contra-manifestantes, com ‘ikurriñas’ (bandeiras do País Basco) e ‘esteladas’ (bandeira independentista catalã), que gritaram insultos como “fascistas”.

O protesto terminou com pequenos desacatos que, ainda assim, resultaram na identificação de quatro jovens.

Na Comunidade Valenciana, em Valência, centenas de pessoas fizeram um protesto idêntico, mostrando bandeiras espanholas.

Palma de Maiorca, Saragoça, Pamplona, Sevilha, Logronho, Santander ou Valhadolid foram outras cidades e capitais de província que foram palco de protestos iguais.

A manifestação de Palma reuniu cerca de 4.000 pessoas e, em Sevilha, muitos milhares de pessoas foram para as ruas, em protesto contra o que consideram ser “um projeto golpista do separatismo catalão”.

A dívida soberana: o que aconteceria à Catalunha independente?



José Pedro Teixeira FernandesCatalunha
Opinião JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES
20 de setembro de 2017, 16:20
Uma declaração de independência unilateral da Catalunha, sem um acordo com o Estado espanhol, trará complexos problemas jurídico-políticos.

1. A Catalunha é uma das regiões mais ricas de Espanha, com um Produto Interno Bruto (PIB) per capita cerca de 10% acima da média europeia em 2015. 
Como estatísticas do Eurostat são vistas uma riqueza superior em grande maioria das regiões espanholas. 
Todavia, também não é mais elevada de Espanha, sendo superada pela Comunidade de Madrid, pelo País Basco e pela Comunidade Foral de Navarra. 
Em qualquer caso, importa não perder de vista que vivemos num mundo globalizado e de interdependências. 
A riqueza da Catalunha depende, e muito, do acesso ao resto do mercado espanhol, da União Europeia e do resto do mundo. 
É ilusório pensar-se que uma independência unilateral, sem um acordo abrangente, não traria importantes consequências negativas para a sua economia e emprego. 
Naturalmente que conhecem também as conseqüências muito negativas para a Espanha, desde o logotipo por quebra do seu PIB em perto de 20%. 
Não há aqui nenhum cenário realista de emergir um oásis de prosperidade, de uma Catalunha unilateralmente independente se tornar uma espécie de Mediterrâneo. 
Vejamos melhor como razões.

2. Entre os múltiplos e complexos problemas que uma secessão de Espanha levantaria, está em dívida soberana, numa linguagem económica, ou seja, a dívida do Estado (dívida pública), numa terminologia mais jurídica. 
Ficaria a dívida como encargo da Espanha? 
Seria repartida entre a Espanha e Catalunha? 
Neste último caso, qual é o critério usado para uma repartição? 
À English version on-line (in "É possível uma Catalunha independente na União Europeia" no Público 12/09/2017), também está disponível para análise de um ponto de vista jurídico-político. 
Em certos aspectos, este é o caso do lembrar o problema levantado pela saída do Reino Unido da União Europeia (o Brexit). 
O valor em dívida da contribuição britânica para o orçamento da União Europeia - especialmente a forma concreta como será calculado e o período temporal que é necessário -, é um dos pontos tecnicamente mais complexos das negociações. 
É também um dos que mais alimenta um contencioso jurídico-político. 
Todavia, existe uma diferença entre essas duas situações, em termos de violação. 
No caso do Brexit, o quadro jurídico das negociações, por princípio, do Direito da União Europeia. 
Já para o caso de uma possível independência da Catalunha, uma questão de ser resolvida no quadro do Diretor Internacional Geral e/ou convencional. 
Note-se, contudo, que, mesmo caso do Brexit, não é usado em termos de artigo 50.º do Tratado da União Europeia, o Direito Internacional é relevante para o problema transitará para esse quadro jurídico.


3. Para casos como o da Catalunha, existe, teoricamente, um instrumento legal internacional - uma Convenção de Viena sobre Sucessão de Estados em matéria de Propriedade do Estado, Arquivos e Dívidas (1983). 
Este permitiria solucionar o problema da dívida entre como duas partes. 
Todavia, uma Convenção sobre Sucessão de Estados em matéria de Propriedade do Estado, Arquivos e Dívidas, levanta vários problemas. 
O que é o que é o que você quer, mas não é o número mínimo de Estados (quinze), previsto no seu artigo 50 n.º 1, pelo que não entrou em vigor. 
O segundo problema decorre do artigo 3.º, que estabelece o seu campo de aplicação: "A presente Convenção aplica-se apenas aos efeitos de um sucessão de Estados que envolvem em conformidade com o Direito Internacional, em particular, com os princípios do Direito Internacional incorporado na Carta das Nações Unidas ". 
Ora, não existe um acordo com a legalidade internacional na independência unilateral da Catalunha (excepto se formos para a minoritária do colonialismo e/ou da opressão, que justifica uma invocação do princípio da autodeterminação dos povos.)

4. Apesar dos problemas apontados à Convenção, esta pode, ainda assim, ser usada para uma discussão da questão da dívida soberana. 
Tem, pelo menos, a virtude de nos ajudar a perceber as potenciais implicações jurídico-políticas de uma independência da Catalunha sobre a dívida, bem como as suas possíveis soluções. 
No seu artigo 33.º a Convenção define dívida de um Estado da seguinte forma: “toda obrigação financeira de um Estado predecessor para com outro Estado, para com uma organização internacional ou para com qualquer outro sujeito Direito Internacional, nascida de conformidade com o Direito Internacional”. 
É o caso que analisamos aqui. 
Com reflexos directos na solução do problema está no artigo 37, nº 1 (com a epígrafe: “Transferência de parte de um território de um Estado”), o que ocorrerá entre a Espanha e a Catalunha, numa situação de independência desta última. 
Este artigo determina o seguinte: “Quando parte do território de um Estado for transferido para outro Estado, a passagem do débito estadual do Estado predecessor para o Estado sucessor é regulada por acordo.” 
Acrescenta, em seguida, o n.º 2 do mesmo artigo: “Na falta de um acordo, o débito estadual do Estado predecessor deverá passar para o Estado sucessor numa proporção equitativa, tendo em conta, em particular, a propriedade, direitos e interesses que passam para o Estado sucessor, em relação ao débito estadual.” 
Quer dizer, dada a delicadeza do assunto, a Convenção começa por estabelecer o princípio da regulação por negociação e acordo entre as partes, antes de avançar com critérios de solução.

5. O problema maior surge quando a solução por acordo não é possível, o que parece ser o caso pelas posições antagónicas de Espanha e da Catalunha. 
Existindo falta de acordo, o critério aplicável será o artigo 37 n.º 2, o qual aponta para uma divisão da dívida segundo uma “proporção equitativa”. 
Mas, como nada mais é dito, várias formas concretas poderiam ser usadas para repartir a dívida soberana. 
A Catalunha representa cerca de 16% da população total do Estado espanhol, de 19% do seu Produto Interno Bruto (PIB) e de 26% das suas exportações (em grande parte feitas por empresas multinacionais, que se poderão deslocalizar, caso antecipem perdas). 
Em princípio, o mais natural seria dividir a dívida em função do PIB, o que levaria a Catalunha a ter de ficar com perto de 1/5 da dívida do Estado predecessor, ou seja do Estado espanhol. 
Mas aqui pode surgir logo um contencioso. 
Porque não usar antes a população como critério para a repartição? 
(A percentagem seria mais favorável à Catalunha.) 
Outro problema: seria toda a dívida pública do Estado espanhol a ser dividida? 
Ou seria apenas a dívida não territorializável e não contraída no benefício de certas instituições ou empresas públicas específicas a ser repartida? 
Em qualquer caso, a Catalunha teria sempre de suportar a dívida relativa aos empréstimos contraídos pela Generalitat, o governo da comunidade autónoma, municípios e outras entidades públicas catalãs.

6. Mesmo admitindo um entendimento entre o Estado espanhol e a Catalunha para resolver o problema da dívida com base na Convenção de Viena de 1983, poderão surgir posturas negociais extremadas. 
A ocorrer, será algo que faz lembrar as negociações do Brexit, entre o Reino Unido e a União Europeia, já em curso. 
Um conflito deste tipo pode surgir por diversos motivos. 
O facto de o artigo 37.º estabelecer apenas princípios gerais, os quais deixam, como vimos, uma ampla margem para discussões em situações concretas de repartição da dívida, abre espaço para posições antagónicas. 
Mas há mais motivos. 
O artigo 38.º da referida Convenção (com a epígrafe “Estado recém-independente”), no caso de ser aplicável, seria mais favorável à Catalunha. 
Em termos gerais, estabelece que os Estados sucessores recém-criados não ficam responsáveis pelas dívidas do Estado predecessor, a menos que tenham celebrado acordo nesse sentido. 
Quanto ao n.º 2, acrescenta ainda que “não poderá infringir o princípio da soberania permanente de cada povo sobre suas riquezas e os seus recursos naturais, nem o seu cumprimento poderá colocar em perigo os equilíbrios económicos fundamentais do Estado recém-independente.” 
Pode discutir-se em que medida seria aplicável neste caso, em vez do já referido artigo 37º. Provavelmente, esta é também uma das razões pelas quais a Convenção, apesar de datar de 1983, apenas foi ratificada até agora por um escasso número de Estados. 
(Quase todos eles, num passado recente, emergiram como independentes a partir de Estados anteriores. 
Encontram aí argumentos favoráveis para afastar dívidas de Estados predecessores.)

7. Com reflexos importantes no problema da dívida está ainda a saída da Catalunha da Zona Euro, no caso de o processo de independência não ser acordado com a Espanha. Trata-se de uma consequência inevitável de não poder permanecer na União Europeia. 
Só o Estado espanhol permaneceria membro da União. 
O território do novo Estado ficaria fora até uma hipotética nova adesão. 
Uma República da Catalunha independente teria, assim, de enfrentar também um problema monetário. 
Grosso modo, teria duas possibilidades: ou criar uma moeda própria, ou continuar a usar o euro, mas como um Estado estrangeiro. 
O Banco Central Europeu (BCE) não se tem oposto ao seu uso internacional por Estados não membros da União. 
O principal problema seria outro. 
Como entidade política exterior à União Europeia e à Zona Euro, a Catalunha e as suas instituições financeiras não poderiam recorrer aos instrumentos de liquidez e a programas de financiamento do BCE. 
A alternativa seria recorrer aos mercados internacionais de acordo com as condições de empréstimos destes, tudo indica em condições mais desfavoráveis. 
No caso de optar por criar uma moeda própria, a situação também levantaria problemas. Provavelmente enfrentaria uma desvalorização face ao euro, o que teria reflexos no agravamento da sua dívida e na inflação. 
Provocaria perda de valor nos activos de particulares e empresas no seu território, para além de outras questões jurídicas sempre potencialmente litigiosas.

8. Não é possível antecipar plenamente o que aconteceria em termos de dívida soberana, ou seja, dívida do Estado, no caso de uma independência unilateral da Catalunha. 
Há demasiadas incertezas jurídicas, e também políticas, sobre a forma como o problema poderia ser resolvido. 
Uma coisa, no entanto, parece certa: é um assunto inquestionavelmente importante pelas suas implicações na economia e bem-estar. 
Uma declaração de independência unilateral da Catalunha, sem um acordo com o Estado espanhol, nesta e noutras áreas, trará complexos problemas jurídico-políticos. 
Para além disso, pode dissipar parte significativa da prosperidade da Catalunha, se esta ficar enredada num contencioso jurídico-político de longo prazo com a Espanha e afastada da União Europeia e da Zona Euro. 
Nesse cenário, arrisca-se, ainda, a afastar as empresas e os investidores internacionais e a degradar a capacidade de obter crédito internacional em condições favoráveis. Naturalmente que o Estado espanhol também não ficaria imune a esses efeitos negativos, desde logo pela quebra no PIB e nas exportações. 
Teria muito a perder. 
Mas isso não resolve o problema da Catalunha e defraudaria a expectativa de independência associada a mais bem-estar de muitos dos seus cidadãos.

Investigador

Separatismo em democracia: a Escócia, o Quebeque e a Catalunha (II)



Catalunha
Opinião JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES
29 de setembro de 2017, 17:56
José Pedro Teixeira FernandesO argumento da legitimidade não pode ser usado para 
ultrapassar o Estado de direito democrático e violar como suas leis. 
É necessário o romper o círculo vicioso instalado.

1. Em Espanha, uma possibilidade de referendo para a independência da Catalunha tem contornos constitucionais substancialmente diferentes do Reino Unido e do Canadá. 
A Constituição de 1978 resulta da transição da ditadura franquista para a democracia. 
É recente quando comparada com ambas. 
Não é uma flexibilidade da Constituição britânica - que é um misto de costumes jurídicos e leis escritas -, deixando ao Parlamento de Westminster amplificadores de modificação a qualquer altura. 
Nem contém uma possibilidade de secessão existente no Canadá, através de algo similar ao Clarity Act. 
(Nota-se não está estabelecido como um direito unilateral a secessão, sendo esta configurada como uma possibilidade extrema, com diversos requisitos legais prévios a cumprir e exigir sempre de um acordo negociado entre as partes.) 
Mas a Constituição espanhola prevê o referendo - numa matéria completada pela Lei Orgânica 2/1980 -, para diferentes situações, atribuindo-o mais do que um tipo de efeitos jurídicos. 
Podem, assim, existir referendos consultivos ou vinculativos. 
O referendo consultivo, conforme estabelece o art.º 92, foi previsto para "termos políticos de especial importância". 
Está ainda previsto o referendo como requisito para a ratificação do Estatuto de uma Comunidade Autónoma, a realizar pelo corpo eleitoral desta, conforme prevê o art.º 152, nº 2, pontos 2 e 3. 
(Todavia, o Estatuto terá de ser aprovado por ambas as câmaras do parlamento nacional - como Cortes). (Art.º 167 n.º 3, e art.º 168 n.º 3).

2. Como tem sido, na prática, interpretado e aplicado no art. 92 da Constituição espanhola? Teoricamente, poderia ter sido uma base legal para um referendo politicamente pactuado sobre uma independência na Catalunha. 
Todavia, o entendimento que tem prevalecido, desde o logotipo por ser compartilhado pelos dois principais partidos de poder espanhóis (o PP, ao centro-direito e o PSOE, ao centro-esquerda), tem fechado essa possibilidade. 
A posição é a de que um referendo sobre uma independência de uma parte do território em qualquer lugar na Comunidade Autónoma que a reivindica. 
Teria de ser feito um nacional. 
Posição oposta foi defendida pela Generalitat. 
Alguns juristas espanhóis de relevo, como Francisco Rubio Llorente, que já foi vice-presidente do Tribunal Constitucional, admitiram que um referendo não vinculativo sobre uma independência, realizado na única Comunidade Autónoma, não seria inconstitucional. Mas, mesmo considerando que o art.º 92 permite à Catalunha organizar legalmente um referendo - o que está longe de ter consenso -, há outros obstáculos importantes. 
Acabará por ser sempre uma revisão da Constituição por razões que explicarei a seguir.


3. Em 2014, uma Catalunha fez um referendo de facto, à margem dos mecanismos legais. Com duas perguntas colocadas aos eleitores catalães e estas: "Quer que a Catalunha um Estado? Em caso afirmativo, quer que esse Estado é independente? 
"Nele participam cerca de 2,3 milhões de eleitores com cerca de 80% dos votos favoráveis ​​à independência. 
Para efeitos de análise do assunto, vamos imaginar que foi encontrado no convocatório nos termos do art. 92 da Constituição espanhola. 
Quais seriam como consequências jurídicas e políticas? 
O seu resultado, tenha sido ignorado, dado uma Constituição e um elemento facultativo? 
E, no caso de o resultado deve ser informado pelo governo do Estado espanhol e principais atores políticos - por exemplo, devido a um acordo político prévio entre os principais fatores nesse sentido - não como quadro constitucional existente? 
Aqui entramos na parte mais delicada. 
Antes de responder às questões anteriores, importa deixar uma reflexão: um referendo consultivo, sem efeitos automáticos sobre uma independência, tende a provocar resultados distorcidos. 
Como os eleitores sabem que o seu voto não tem como conseqüência automática, independentemente, não são bem-vindos, pagão seu ponto de vista para melhorar a posição negocial face ao poder central. 
O problema é que não se sabe exatamente a vontade de quem votou.

4. Sem uma reforma constitucional negociada a priori entre os principais partidos políticos, um referendo, ainda que convocado legalmente, arrisca-se a provocar uma grave crise constitucional. 
É que depois não existe mecanismos constitucionais para levar à prática a vontade de independência do território. 
Uma única saída constitucional e política coerente passaria por uma revisão constitucional previamente acordada. 
Entre outras coisas, imploração não há Título VIII da Constituição de 1978, "A Organização Territorial do Estado", uma possibilidade de secessão das Comunidades Autônomas, desde que os requisitos constitucionais e legais fossem atendidos. 
Mas não é fácil uma revisão constitucional em Espanha, menos ainda numeral tão delicado como este, onde está em causa a soberania e integridade territorial do Estado. 
O processo de revisão constitucional, previsto nos artigos 166 a 169, é tão possível de pôr em prática com apoios alargados. 
Não chega uma maioria absoluta. 
Por princípio, nos termos do art.º 167, necessita de uma maioria de 3/5 nas duas câmaras, Congresso e Senado. 
Uma revisão constituída por um referendo, uma ordem de 1/10 dos membros de ambas como Câmaras. 
Não há casos de revisão total da Constituição, ou de uma parte do que afecte certas partes, antes identificadas do texto constitucional, maiorias de 2/3 e obrigatoriedade de submissão um referendo para aprovação.

5. Em face do analisado, uma solução para o caso da Catalunha deve ter sido criada legislação constitucional similar à do Canadá, originada pela ambição separatista do Quebeque. 
Quanto ao caso da Escócia, o modelo britânico é muito sui generis para poder ser replicado. 
Mas a história nacional e como tradições constitucionais do Estado espanhol são substancialmente diferentes de ambos os casos. 
Nesta altura, não parecem existir condições políticas para uma modificação constitucional tão importante nas suas implicações. 
Em toda a vigência da Constituição de 1978 apenas foram feitas duas revisões: em 1992 e em 2011, ambas ligadas a questões europeias (Tratado de Maastricht e estabilidade Econômica, respectivamente), em tempos onde existia um consenso europeísta. 
Mas este é um assunto bem mais fracturante, tão ultrapassável com um grande entendimento entre os partidos de poder e apoiado pela sociedade. 
Esse entendimento não existe em altura de grandes tensões políticas. 
Para os mais nacionais em Espanha, uma Constituição e vista como um texto inatacável nessas, tendencialmente perpétuo. 
Todavia, uma constituição e um instrumento jurídico regulador de uma sociedade politicamente organizada. 
Se por muito rígida, pode não permitir uma ação política e as circunstâncias. 
No pior cenário, transformar crises políticas em crises constitucionais, adensando-as mais. Resta sabre se, com o arrastar da crise política, essa engrenagem não existe em curso.

6. Por último, a questão da legitimidade para efectuar uma referência e declarar a independência em caso de vitória do "sim". 
Os independentistas da Catalunha invocam essa legitimidade, como sendo inquestionável devido à sua história, identidade e direito à autodeterminação de pessoas e criar uma "legalidade paralela". 
É inequívoco que a questão da legitimação deve ser além da legalidade. 
Só assim permite reagir contra a opressão de leis injustas, dando fundamentos éticos e de justiça para o seu não cumprimento pelo cidadão. 
Mas essa legitimidade seria líquida em situações de colonialismo, ou de opressão ocorrida em Estados não democráticos, com violações graves e sistemáticas dos direitos humanos. Os conceituados em 1978, já estão em democracia, tendo participado amplamente sem referendo que a ratificar, como todos os espanhóis. 
Esta garante os direitos fundamentais. 
Para além disso, a Espanha é membro da União Europeia, onde existe uma Carta dos Direitos Fundamentais. 
É ainda assinatura da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 
Assim, uma actuação do governo pode ser objeto de recurso judicial nos tribunais do Estado e no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. 
Por muito imperfeita a sua democracia, por exemplo, por excesso de reação sem uso de força - e se existirem violações de direitos humanos - são passíveis de ser contestados judicialmente por qualquer cidadão da Catalunha. 
O argumento da legitimidade não pode ser usado para ultrapassar o Estado de direito democrático e violar como suas leis. 
É necessário o romper o círculo vicioso instalado. 
Nele, demasiadas vezes se olha apenas para um dos lados do problema e se esgrimem argumentos parciais e enviesados. 
Talvez o exemplo do Canadá seja inspirador na Espanha e na Catalunha a encontrarem uma solução democrática no campo do Estado de direito.

Investigador

Separatismo em democracia: a Escócia, o Quebeque e a Catalunha (I)



Catalunha
Opinião JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES
27 de setembro de 2017, 17:45
José Pedro Teixeira FernandesA legitimidade não equivale a uma mera conformidade com o direito existente, ou direito positivo, numa terminologia jurídica. A legitimidade remete para o direito natural e uma ideia de justiça, o que abre outra faceta importante da discussão.

1. O referendo para a independência da Catalunha tem provocado uma análise intensa sobre a sua legitima e legitimidade. 
Muitos interrogam-se sobre uma razão pela qual não podem ser usados ​​em Espanha, quando referendos, ou foram enviados noutras democracias ocidentais: casos do Reino Unido (referendo para a independência da Escócia, em 2014); e também do Canadá (referendo para a independência do Quebeque, em 1995). 
Uma resposta fundamentada a esta questão implica um problema em termos comparativos, tendo em conta o ordenamento constitucional específico de cada um os Estados. 
Para além da legalidade, há política da legitimidade: o governo da Catalunha, uma Generalitat, legitimidade para convocar um referendo para 1 de Outubro, em desrespeito da ordem jurídica vigente não Estado espanhol? 
A questão é relevante para uma legitimidade não equivalente a uma mera conformidade com o direito existente, ou direito positivo, numa terminologia jurídica. 
A legitimidade remete para o direito natural e uma ideia de justiça, o que abre outra faceta importante da discussão, uma questão não pode ser ignorada num debate sério e abrangente.

2. Vamos primeiro ao problema da legalidade analisando o caso britânico e referendo na Escócia. 
Pode ser surpreendente para os que não estão familiarizados com o assunto, mas não tem uma Constituição escrita, como existe em Portugal ou em Espanha e na grande maioria dos Estados europeus e ocidentais. 
A sua Constituição e um misto de elementos baseados no costumes jurídicos - direito consuetudinário com raízes no período medieval - leis escritas e convenções. 
Não resultou de uma assembleia constituinte, como na tradição francesa e europeia continental. 
Pelo processo formativo e características, a Constituição britânica é invulgarmente flexível, o que torna mais singular o contexto das democracias ocidentais. 
Por princípio, o Parlamento de Westminster pode assumir poderes constitucionais a qualquer altura. 
Não existe um limite para os poderes de revisão constitucional - ou seja, aquilo que juridicamente se chama o poder constituinte derivado -, assim como a tradição constitucional europeia continental, que tendem a um "cego" o texto original. 
Quer dizer, na prática, a sua revisão não enfrenta constrangimentos materiais (matérias que não podem ser alteradas numa revisão constitucional); nem de tempo (limites temporais para uma revisão); nem de maiorias qualificadas específicas (que impedem sua modificação pelo processo de aprovação de qualquer outra lei).

3. O referendo de 2014 na Escócia foi realizado na sequência de uma ordem do governo escocês, ao qual se seguiu um acordo com o governo britânico e uma aprovação pelo Parlamento de Westminster. 
Um dado para uma realização do referendo, o procedimento a adoptar na consulta eleitoral e uma pergunta a apresentação a eleitores escoceses objeto de uma negociação e de enquadramento legal prévio. 
Mas uma convocação legal de um referendo para uma independência na Escócia, não é possível sem uma flexibilidade singular da Constituição britânica. 
Não é apenas uma questão de vontade política e de abertura à negociação, como quais foram emergindo, sobretudo não Partido Trabalhista, desde finais dos 1990. 
A natureza singular da Constituição e da forma como historicamente se formou o Reino Unido faça uma grande diferença face a outras democracias. 
Aqui entram como especificidades histórico-constitucionais da Escócia, enquanto parte do Reino Unido. 
Em inícios do século XVIII (Actos de União, 1706-1707), surgiu o Reino Unido da Grã-Bretanha, como Estado. 
Unido depois, Actos da União de 1800-180, foi transformado em Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda; após uma independência da República da Irlanda, em 1922, foi renomeado Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte - uma designação atual.

4. Importação melhor para a forma como foram realizadas nos Actos da União 1706-1707. Foram negociados por representantes de ambas as partes (Inglaterra e Escócia) e confirmados (ratificados) pelos parlamentos legais, em actos jurídicos, bem como a um tratado internacional. 
Surgiu, assim, um novo Estado, numa união concebida como perpétua. 
(A natureza dos Actos de União, não é, todavia, consensual. 
Há outro entendimento, que seja um maioritário entre os juristas ingleses, que estes fóruns jurídicos internos, de natureza constitucional). 
Seja como para, não passado recente foi adotado o Scotland Act (1998) pelo Parlamento do Reino Unido. 
Tratou-se da legislação mais importante relativamente à Escócia, desde os Actos da União de 1706-1707. 
O Ato da Escócia (1998) é uma lei materialmente constitucional: a sua data de tradução e a revisão da Constituição do Reino Unido. 
A Lei das Comunidades Europeias (1972) -, hoje em vigor no processo de saída da União Europeia (Brexit).

5. Um outro caso constitucional a analisar é o Canadá, dado também sobre um referendo sobre uma independência do Quebeque, em 1995. 
O Quebeque é uma região de maioria francófona, num país predominantemente anglo-saxónico. 
O seu sentido de identidade própria, de especificidade histórica e de um importante bem-estar económico - tal como ocorre na Escócia e na Catalunha -, alimenta um sentimento independentista. 
Face a este problema, o Canadá foi o primeiro e único grande Estado democrático a admitir, em certas circunstâncias, e respeitando requisitos, uma possibilidade de secessão de um território num quadro de legalidade e de negociação. 
Mas, como uma Constituição britânica, uma Constituição do Canadá, uma história e tradição jurídica substancialmente diferente da Europa continental. 
(A Constituição canadiana e escrita e internacional criada pelo British North America Act of 1867, feito pelo Parlamento de Westminster.) 
Engloba textos constitucionais que vão desde 1867 até ao Constitution Act (1982). 
Mais recente, na sequência de uma decisão do Supremo Tribunal do Canadá sobre a admissibilidade de um referendo para a independência, o Parlamento canadiano adoptou em 2000 o Actos de clareza/Lei da Clareza, uma disposição de natureza materialmente constitucional. 
Especificações como circunstâncias em que o governo federal para iniciar negociações sobre uma eventual secessão - ou seja, uma independência -, de uma parte do seu território.

6. Como circunstâncias em que uma secessão legal de um território em questão são mencionadas no preâmbulo da Lei da Clareza. 
Faz-se aí notar o seguinte: "qualquer proposta relativa ao desmembramento de um Estado democrático e uma questão extremamente séria e de importância fundamental para todos os cidadãos do Estado". 
Acrescenta-se, em, que "conforme estabeleceu o Supremo Tribunal do Canadá, nem uma Assembleia Nacional, nem o Parlamento, nem o Governo do Quebeque dispõem, nos termos do Direito Internacional ou da Constituição do Canadá, do direito de se separar unilateralmente ". 
É provável que o governo com base em um Estado federado (província) o "direito a consultar sua população por referendo sobre qualquer assunto" - incluindo sobre a vontade de independência. 
Mas são adicionados requisitos para uma possível secessão, os quais são fundamentalmente dois: 
(i) que os resultados do referendo sejam "inequívocos em relação a questão colocada e ao apoio recebido"; 
(ii) que exista "uma clara maioria [no sentido qualitativo] a favor da separação", pois só assim surgirá a "obrigação de negociação a secessão" pelo governo federal. 
Mas é possível pôr em prática uma solução jurídica similar em Espanha, no caso da Catalunha? 
Analisaremos esta questão fundamental na segunda parte do artigo.

Investigador

Totalitarismo com uma Catalunha: a parte pelo todo





Alfonso DastisCatalunha
Opinião ALFONSO DASTIS
29 de Setembro de 2017, 6: 3
A democracia espanhola também não está encerrado no dia 1 de Outubro de 2017, mas terá que esperar pelo dia 2 de Outubro para ver uma explicação no seu Puigdemont dá aos seus seguidores.

George Lakoff mostrou-nos na sua obra clássica sobre uma comunicação política (Não penses num elefante) que como palavras não são inocentes. 
Quando dizemos "elefante" podemos ter certeza de que o nosso interlocutor evoca automaticamente um animal com uma tromba flexível e como orelhas grandes, embora não possamos fazer o pedido, precisamente o oposto, que não pense num deles. 
A mesma coisa acontece com uma linguagem política.

Os independentistas catalães conseguiram ativar uma parte importante dos meios de comunicação internacionais e da indústria um quadro mental deste tipo; para os meios de comunicação social e as ideológicas, se fale de "os catalães" ou "Catalunha" em vez de dizer "os independentistas catalães" ou "independentismo catalão". 
E, no entanto, segundo os resultados das eleições democráticas realizadas na região há apenas dois anos, representam unicamente, não melhor dos casos, 1,9 milhões de catalães: os votos que obtêm uma coligação dos partidos independentistas (Junts pel Sí e CUP) 
Nas eleições autonómicas (apresentadas por eles mesmos como plebiscitarias) de 2015, 47,7% dos votantes perante 52,3% (mais de dois milhões de cores) que votaram nas opções não independentistas.
 A Catalunha tem 7,52 milhões de habitantes.

Os independentistas puseram seu elefante na imprensa internacional: a parte pelo todo. Mas a realidade é bem diferente: o desafio e a luta não são da Catalunha ou de Barcelona mas da coligação independente, e essa mobilização não é a contra Rajoy ou contra Madrid mas contra o conjunto dos espanhóis e os catalães, que rejeitam completamente a atitude anti-democrática dos que querem impor a sua vontade por cima das maiorias com manifestações dos seus militantes e referendos tão armadilhados como os do Franco.

Uma fotografia da metade do parlamento catalão vazio, abandonada pelos representantes da maioria (52,3%) dos catalães quando se aprovaram como duas leis de desconexão, um referendo, de 6 de Setembro e da "transitoriedade e fundacional" da república catalã, de 8 de Setembro, é mais eloquente que mil palavras. 
Deveria ser suficiente para que a imprensa não se deixe manipular pelo quadro conceptual que pretende impor o independentismo, aproveitando o atrativo de uma narrativa intencionadamente épica, de bandeiras, colorido e cheia de simplificações.

Penso que Portugal já viveu na sua transição a tentativa de confronto a força da rua com como maiorias democráticas expressadas nas urnas. 
Felizmente o povo português seguiu nessa altura políticos dobrar de Mário Soares, ao mesmo tempo se seguiram outros do mesmo valor tanto na esquerda como na direita, e hoje são outras das prósperas democracias europeias que dá ao mundo personagens de consenso como o real secretário-geral da ONU, António Guterres. 
Esta versão possui uma lista interminável de correcções, alterações e novidades que melhoram notavelmente o seu valor. 
Na Catalunha, uma situação complexa que os espanhóis resolverão através do respeito por leis democráticas e pelo diálogo, sem imposições, não como o "referendo sim ou sim" que apresentaram os independentistas, um diálogo que voltou a ser proposto pelo presidente Rajoy na sua última intervenção sobre o assunto.

O independentismo agitou cada vez mais como paixões nacionalistas e conseguiu em parte transformar a política democrática num confronto de claques (o Barça é mais que um clube) com diretores de colégios que promovem que como crianças para as indústrias independentes, grafittis do tipo " Não é uma vossa terra "dirigidos contra o líder da principal força da oposição sem parlamento catalão, ou apelidado de traidores ou renegados nas redes sociais, artistas e intelectuais, como o cantor e autor Joan Manuel Serrat ou o escritor Juan Marsé não se juntaram á onda de "nacionalismo" que desde o poder local e com recursos públicos tem propagado uma coligação independente que não representam uma maioria e muito, por muito, por exemplo, uma convocar eleições autônomas, uma das possíveis saídas democráticas da situação. 
Sabem que é muito possível que, como há dois anos, não há novamente no apoio da maioria dos catalães.

Dorothy Martin estava convencionada pelo mundo acabado no dia 21 de Dezembro de 1954. 
Assim, foi comunicado por uns extraterrestres que a levariam a ela e a um grupo de fiéis num ovni. 
Cerca de uma dúzia dos seus seguidores - todos os cidadãos inteligentes e honrados - têm abandonado os seus empregos, vendidos como seus bens ou deixados nos seus conhecimentos pela força das suas convicções. 
Quando Profecy Fails, publicado em 1956, que ninguém é um fenómeno denominado de "dissonância cognitiva". 
Rutger Bregman relembra-o no seu livro Utopia para realistas: "Quando a realidade choca com as nossas convicções mais profundas, preferimos ajustar a realidade antes da que corrigir a nossa visão do mundo. 
Não é só, tornamo-nos ainda mais inflexíveis das nossas convicções do que éramos. 
Diz, não está de acordo e vira-te como costas. 
Mostra-os dados concretos ou números e questionará como fontes de tuas. 
Apela à lógica e não é capaz de tudo o que é um raciocínio. "

Não é este, portanto, o momento para repetir argumentos e dados (o diário El País, entre outros, reproduzidos por estes dias uma montanha deles) mas para lamentar que como paixões desatadas no desejam que muitos vejam a realidade. 
"Não há nada mais irritante - diz Schopenhauer que o caso, em que, discutindo com um homem com razões e análises, pomos todos os nossos esforços em convencê-lo pensando que estamos unicamente perante a sua compreensão, e no fim descobrimos que não quer ponto de vista; que foi relacionado com a sua vontade, que seja fechava a verdade e intencionadamente punha sobre o tapete equívocos, confusões e sofismas por trás do seu entendimento e da sua aparente incompreensão ". 
No dia 21 Dezembro de 1954 o mundo não acabou, mas uma senhora Martin pode novamente convencer os seus seguidores que esse prodígio era devido à imperturbável fé do seu grupo. 
A democracia espanhola também não está encerrado no dia 1 de Outubro de 2017, mas terá que esperar pelo dia 2 de Outubro para ver uma explicação no seu Puigdemont dá aos seus seguidores.

Ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Espanha