“Para Angola, rapidamente e em força.” A célebre frase dita por Oliveira Salazar a 13 de Abril de 1961 marca o início da guerra colonial, que começaria naquele país e se arrastaria a Moçambique e à Guiné-Bissau.
O irmão de Otília Gonçalves, Aquilino da Silva Gonçalves, foi mandado para a guerra logo no primeiro ano do conflito.
Morreu cerca de três meses depois de chegar a Angola, ia fazer 21 anos.
Há quase duas décadas que a irmã conseguiu localizar a campa, mas só este ano angariou o dinheiro necessário para trazer o corpo que deverá chegar a Portugal na próxima semana, 57 anos depois da morte de Aquilino.
Na altura, os pais de Otília apenas receberam um telegrama a dizer que o filho tinha morrido, perto de Nambuangongo, num acidente envolvendo uma viatura militar — “Muito simples e frio. Ponto final”, conta Otília Gonçalves.
“Se quisessem o filho morto, tinham de pagar.
Era impossível.
Tinham de vender a casa e as terras, claro que não dava.”
De 1961 a 1967 o Estado português só pagava a ida e o regresso aos militares vivos, não o dos mortos.
Quem queria trazer os seus familiares tinha de pagar e quanto mais longe morria o militar mais caro: a trasladação de corpos de Angola custava à família 10 mil escudos (o que equivaleria a cerca de 4000 euros aos preços de hoje); trazer um corpo de Moçambique era ainda mais caro, 12 mil escudos; da Guiné, ficava um pouco mais barato, 7500 escudos, lembra o livro de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, Os Anos da Guerra Colonial 1961 — 1975 (QuidNovi).
As famílias dos mais pobres, por norma soldados e cabos, eram as que não tinham dinheiro para mandar trazer os corpos.
Por isso, os que permanecem enterrados até hoje em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique são sobretudo soldados e cabos.
O irmão de Otília Gonçalves era segundo cabo do Exército.
Morreu a 15 de Outubro de 1961, a funerária em Angola que lhe está a tratar do processo informou-a que o corpo deverá chegar na próxima semana.
De acordo com o último levantamento da Liga dos Combatentes permanecem enterrados naqueles países os corpos de cerca de 1500 militares portugueses.
Durante a guerra morreram cerca de nove mil homens, um número que inclui, além das mortes em combate, também as causadas por doença e acidente.
Aquilino da Silva Gonçalves era o irmão o mais velho de 11 filhos, morreu junto a uma fazenda chamada “Tentativa”, refere Otília, que tem 53 anos, vive em Vieira de Leiria e está desempregada.
Embora nunca tenha conhecido o irmão sem ser de foto, a presença da ausência “do mano”, como sempre o trata, marcou-lhe a infância, na aldeia de Ponte de São Vicente, distrito de Braga.
“Eu, pequenina, ia dar com a minha mãe a chorar sentada no chão, atrás do milho.
‘Sai daqui’”, ordenava à filha.
Não queria que a sua dor fosse vista.
Foi assim durante anos.
No Verão, na altura de arejarem as roupas, do fundo de uma arca de madeira saía também o livro da primária “do mano”.
Todos os anos os pais mandavam celebrar missa por altura do nascimento do filho e da sua morte.
“Eu via a tristeza deles.”
“Trazer o meu mano é uma homenagem aos meus pais [que entretanto morreram], é para lhes dar descanso a eles, e a mim.
Ele está lá sozinho, abandonado”.
Para Otília sempre houve algo inacabado.
Muitos donativos
Há cerca de 20 anos conseguiu, com a ajuda de um militar, localizar a campa do irmão no Cemitério de Sassa, a cerca de 60 quilómetros de Luanda.
Escreveu muitas cartas e emails, ao Presidente da República, ao primeiro-ministro, “a todos os órgãos”.
“‘Acusamos a recepção, com os melhores cumprimentos.’
Mais nada.
Ele é português, não é angolano.”
Otília Gonçalves acompanhou de perto todo o processo levado a cabo por Ernestina da Silva, uma filha que só em Dezembro do ano passado conseguiu trazer o corpo do pai, um soldado pára-quedista morto em combate em Angola em 1963.
Otília foi de propósito a Lobão da Beira para o funeral de António da Conceição Lopes da Silva e, tal como aquela filha, teve a mesma pessoa a ajudá-la no longo e caro processo burocrático, Carlos Rosa, um português que chegou a Angola em 2009 para trabalhar numa construtora, mas que tem ajudado familiares de ex-militares cujos restos mortais não chegaram a ser trazidos para Portugal.
Só este ano Otília Gonçalves conseguirá trazer o corpo, “com a bondade de muitas pessoas”, porque foi o tempo que lhe levou a angariar os 6500 euros de despesas com a funerária em Angola mais os 1500 euros da funerária em Portugal.
No seu Facebook pediu também donativos a ex-combatentes.
O transporte aéreo será assegurado pela Tap, no âmbito de um acordo que a Liga dos Combatentes tem com a transportadora.
O irmão será enterrado no cemitério da aldeia onde nasceu e onde também estão os pais, na freguesia de Ponte de São Vicente.
“Creio que vou ficar finalmente em paz.”
A canalhice da pátria amada para com aqueles que a serviram até ao sacrifício da própria vida . Ho patria sente-se a voz daqueles que esqueceste e abandonaste.
ResponderEliminar!2 colegas meus ficaram enterrados no cemiterio de Ambrizete,(norte de angola).Nunca mais soube se os corpos foram transladados para Portugal.Infelizmente o estado portugues deixou ao abandono centenas ou milhares de cidadaos falecidos nas guerras das
ResponderEliminarex-colonias.