sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Do fim do mundo para o fim do mês

OPINIÃО
RUI TAVARES - 10/21/2016 - 07:56
Por mais que tente explicar que a batalha de Dabiq ainda vem aí, a verdade é que foram expostos à pior arma de destruição moral que pode haver: o ridículo.

Enquanto se prepara para o fim-de-semana, aqui está a notícia mais importante que lhe poderá ter escapado: o mundo não acabou no fim-de-semana passado. 
E porque é isso importante? 
Porque segundo os doutrinários do ISIS é o que deveria ter acontecido.

A história é mais séria do que parece: no Norte da Síria, junto à fronteira com a Turquia e a quarenta quilómetros de Alepo, há uma cidadezinha de menos de cinco mil habitantes. Dabiq é o seu nome. 
Dabiq não tem importância económica nem estratégica nem militar. 
Mas Dabiq tem importância teológica: segundo uma tradição que remonta a algo que um companheiro de Maomé terá ouvido ao profeta, é em Dabiq que ocorrerá a grande batalha no apocalipse entre os fiéis muçulmanos e os “romanos” (ou cristãos) por que o ISIS tanto anseia. 
Não subestimemos a crença. 
Dabiq foi o nome que o ISIS escolheu para o seu órgão oficial, e nele as referências à grande batalha que desencadearia o fim do mundo com a inevitável vitória dos muçulmanos eram centrais para a mobilização dos seus soldados.

Ora, Dabiq foi tomada no passado domingo pelos rebeldes anti-Assad. 
Apressadamente, o ISIS teve de vir declarar que a batalha de Dabiq em que foi derrotado no domingo não é “A” Batalha de Dabiq do fim do mundo. 
Essa será mais tarde. 
E mais espetacular. 
Mas como, não explicam.

É difícil fazer de historiador das religiões com o ISIS. 
Os seus teólogos têm tendência para pegar nas tradições corânicas que lhes dão mais jeito e esquecer as outras. 
Na própria lenda de Dabiq ignoram convenientemente que Cristo deveria reaparecer durante a batalha para lutar ao lado dos muçulmanos e derrotar os falsos cristãos “romanos” para depois governar durante um milénio. 
Pois, é complicado: as tradições milenaristas, como são conhecidas pelos especialistas, são partilhadas e remisturadas por judeus, cristãos e muçulmanos. 
A interpretação delas presta-se à manipulação por oportunistas. 
Mas há duas coisas inegáveis. 
A primeira é que o ISIS usou o mito de Dabiq para conquistar uma parte dos seus seguidores, que assim julgavam ter um bilhete rápido para a vida eterna do lado dos vencedores. 
A segunda é que não pode deixar de ter um efeito desmoralizador para essa gente verem o ISIS desmascarado pela realidade.

Muitas seitas e religiões falharam previsões para o fim do mundo e passaram pelo mesmo que o ISIS está a passar. 
Umas ficam ainda mais perigosas e lançam-se numa orgia de destruição final. 
É o que temo que aconteça ao ISIS, principalmente quando está em vias de perder Mosul que, ao contrário de Dabiq, tem dois milhões e meio de habitantes e uma importância estratégica inegável. 
Outras perdem a maior parte dos seus seguidores e apenas uma minoria fica com a ingrata tarefa de inventar novas datas e novos lugares para o fim do mundo, explicar as razões do engano e convencer os céticos a não abandonarem o barco. 
Outras ainda integram o erro, seguem em frente e normalizam-se, mas este é um caminho inacessível para o ISIS. 
Por mais que tentem explicar que a batalha de Dabiq ainda vem aí, a verdade é que foram expostos à pior arma de destruição moral que pode haver: o ridículo.

Para todos nós, fica a consolação de que não houve fim do mundo. 
A partir de agora, prioridade à preocupação com o fim do mês.

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