JOSÉ SÓCRATES
Hugo Daniel Sousa
4 de Maio de 2018, 6:26 actualizada às 8:46
Ex-líder socialista reage às críticas de que foi alvo nos últimos dias, dizendo que colegas de partido estão a fazer “condenação sem julgamento”.
Sai para acabar com “embaraço mútuo”.
José Sócrates anunciou que vai abandonar o PS, depois de nos últimos dias vários militantes socialistas, incluindo o presidente e o secretário-geral do partido, terem quebrado o silêncio e considerado uma vergonha e uma "desonra" as suspeitas que recaem sobre o ex-primeiro-ministro e sobre Manuel Pinho, ex-ministro da Economia.
“A injustiça que a direcção do PS comete comigo, juntando-se à direita política na tentativa de criminalizar uma governação, ultrapassa os limites do que é aceitável no convívio pessoal e político.
Considero, por isso, ter chegado o momento de pôr fim a este embaraço mútuo.
Enderecei hoje uma carta ao Partido Socialista pedindo a minha desfiliação do partido”, escreveu Sócrates num artigo de opinião com data de quinta-feira e publicado nesta sexta-feira no Jornal de Notícias.
Queixando-se de durante quatro anos o PS nunca ter saído em sua defesa contra o que qualificou como os “abusos” da justiça, Sócrates diz que interpreta as declarações dos últimos dias como “uma espécie de condenação sem julgamento”.
A reacção de Sócrates surge depois de Carlos César, presidente e líder parlamentar do PS, ter assumido que o PS se sente “envergonhado” com suspeitas como as que recaem sobre o antigo ministro Manuel Pinho e até “enraivecido” com situações deste tipo.
E que a vergonha é vergonha é “ainda maior” quanto ao processo de José Sócrates”, por se tratar de um ex-primeiro-ministro.
O artigo de Sócrates, aliás, foi escrito para defender Manuel Pinho das acusações que lhe têm sido feitas nos últimos dias.
É esse o primeiro ponto (e mais extenso) do texto no Jornal de Notícias.
Só depois das declarações de Carlos César é que o ex-primeiro-ministro acrescentou um segundo ponto ao artigo (um post scriptum), em que critica a direcção de António Costa e assume a ruptura com o partido.
Às declarações de César, seguiram-se as de outros dirigentes socialistas, como João Galamba e Augusto Santos Silva.
“Ver ex-dirigentes – no caso um secretário-geral do PS que foi ex-primeiro-ministro – acusado de corrupção, branqueamento de capitais, etc – é algo que envergonha qualquer socialista, sobretudo se as matérias pelas quais é acusado se vierem a confirmar”, disse João Galamba na quarta-feira à noite na SIC Notícias.
E o ministro dos Negócios Estrangeiros, que falou como primeiro-ministro em exercício dada a ausência de António Costa no Canadá, afirmou que recaem sobre ex-governantes "suspeitas sobre comportamentos que, a terem existido, significam crimes gravíssimos" e admitiu que se sentirá enganado se essas suspeitas se comprovarem.
“Sentir-me-ei [enganado] se se verificar que algum dos meus colegas de Governo, seja ele quem for, cometeu crimes no exercício.
Sentir-me-ei evidentemente enganado e sentiria que, mais importante que o meu engano pessoal, a confiança que as pessoas depositaram em sicrano ou beltrano teria sido traída.”
A quebra de silêncio da cúpula do PS ficou completa, quando o secretário-geral António Costa também comentou as suspeitas que recaem sobre Sócrates e Pinho.
Mas, se não se vierem a confirmar, é a demonstração que o nosso sistema de justiça funciona”, disse o primeiro-ministro no Canadá.
José Sócrates filiou-se no PS em 1981, após ter saído do PSD, e foi secretário-geral dos socialistas entre Setembro de 2004 e Julho de 2011.
Curiosamente, Sócrates corta com o PS, precisamente no dia em que o partido, na campanha que vem assinalando os seus 45 anos, partilhou no Twitter o rosto do ex-secretário-geral.
O ex-primeiro-ministro foi foi acusado de 31 crimes no âmbito da Operação Marquês: três de corrupção passiva, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documento e três de fraude fiscal qualificada.
Na acusação, o Ministério Público especifica que o antigo primeiro-ministro acumulou na Suíça 24 milhões de euros "com origem nos grupos Lena, Espírito Santo e Vale de Lobo".
Sócrates defende Pinho mas pede desmentido
No artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias, José Sócrates começa por defender Manuel Pinho, considerando-o um amigo e um “homem honesto, incapaz de uma coisa dessas tal como é descrita – receber um vencimento privado enquanto exercia funções públicas.”
Sócrates volta ainda a criticar o Ministério Público, acusando a justiça de inverter o ónus da prova.
“Não é o próprio que tem de se defender ou de provar que é honesto ou inocente; é quem acusa que tem o dever de provar o que diz”.
E desmente que Manuel Pinho tenha entrado para o seu Governo por sugestão de Ricardo Salgado.
A escolha de "Manuel Pinho como porta-voz do PS para a área da economia, e mais tarde para o Governo, aconteceu naturalmente na decorrência da colaboração que este há muito prestava na condição de independente, ao PS, como conselheiro económico, do então líder Ferro Rodrigues", escreveu Sócrates: "Foi aí, nessa condição de membro do chamado grupo económico da Lapa (por reunir regularmente no Hotel da Lapa), que o conheci e que desenvolvemos um trabalho comum que viria a culminar no convite que lhe fiz."
Ainda assim, o ex-primeiro-ministro reconhece que Manuel Pinho devia ter falado sobre as suspeitas de que é alvo.
“Compreendo e partilho o desejo dos seus amigos e colegas de Governo de que Manuel Pinho negue imediatamente as alegações.
Não me parece que ele ignore as responsabilidades que também tem connosco.
Todavia, não sobreponho o meu desejo de esclarecimento imediato ao seu direito de se defender de tão graves imputações quando achar que o deve fazer”, escreve ainda Sócrates no artigo publicado no Jornal de Notícias.
Manuel Pinho é arguido na chamada Operação Ciclone, sendo suspeito de ter recebido dois milhões de euros do Grupo Espírito Santo (GES) entre 2006 e 2012, período que inclui o tempo que em que foi ministro da Economia (2005-2009) do Governo Sócrates.
As transferências, de acordo com o jornal Observador, que cita um despacho de 11 de Abril dos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto consultado nos autos do caso EDP, "terão sido realizadas 'por ordem de Ricardo Salgado' [antigo presidente do Banco Espírito Santo] ao "aqui arguido, ex-ministro da Economia Manuel Pinho'", através de offshores.
hdsousa@público.pt
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