António Freitas de Sousa
12:31
O Kremlin e a Casa Branca querem organizar uma cimeira entre os dois presidentes. Enquanto isso não acontece, lá se vão entretendo com uma cimeira feita à medida de Angela Merkel.
Desde que Mikhail Gorbachev declarou extinta a Guerra Fria – no final dos anos 80 do século passado – que um encontro entre os presidentes da Rússia e dos Estados Unidos não era alvo de tanta especulação, análise e antecipação como o encontro de hoje, o primeiro entre ambos, nos corredores da cimeira do G20, em Hamburgo, Alemanha – num edifício que teve ao longo de toda a noite uma pequena guerra à porta.
Depois do primeiro encontro e do primeiro aperto de mãos, a primeira notícia importante: o Kremlin e a Casa Branca acordaram para mais tarde mas para breve um encontro a dois – longe da balbúrdia de uma cimeira onde se atabalhoam 20 interlocutores diferentes – onde Rússia e Estados Unidos possam conversar sobre aquilo que os une e aquilo que os separa.
Sendo a agenda sobre o que os une uma verdadeira incógnita – ninguém arrisca avançar qualquer tema – o que os separa é aquilo que verdadeiramente os obriga ao encontro a sós: a Ucrânia, a Crimeia, a Síria, a Coreia do Norte, o Irão, o Médio Oriente, Israel e por último mas não menos importante, a muito conversada mas nunca devidamente explicada intromissão de uma qualquer entidade russa nas eleições presidenciais norte-americanas de 2016.
“Estou ansioso com todas as reuniões hoje com líderes mundiais, incluindo o meu encontro com Vladimir Putin.
Há muito para discutir”, escreveu Donald Trump no sítio do costume, um tweet.
Vladimir Putin – que há umas duas décadas saltita entre o lugar de presidente da Rússia e de primeiro-ministro do governo do Kremlin – deve estar bem menos ansioso: já leva no currículo uma série considerável de cimeiras do G20, do G7 e até do G8 – com os números a seguir à letra G a variar ao sabor dos acordos internacionais de circunstância.
Já apertou a mão a vários presidentes dos Estados Unidos e possivelmente a muitos homens de negócio norte-americanos.
Trump, por seu turno, nunca apertou a mão a nenhum presidente russo, mas talvez já tenha apertado a mão a um ex-espião (como é Putin) do Kremlin.
No encontro dos dois homens há, contudo, um objetivo – estranhamente comum aos dois homens: cada um deles está encarregue (por si próprio em primeiro lugar e pelos que neles votaram maioritariamente em segundo lugar) de fazer regressar os seus antigos impérios nacionais ao seu lugar na história.
A mãe-Rússia, lugar de todas as lendas, efabulações, sonhos e desertos, e o país da fronteira, que transformou a democracia numa necessidade primária, estarão hoje pela primeira vez frente-a-frente – num diálogo que será necessariamente desinteressante: não é ali, na cimeira do G20 que as duas nações vão esgrimir as suas agendas.
Até porque Angela Merkel, e não apenas por ser a anfitriã, decidiu que esta será a ‘sua’ cimeira, com a ‘sua’ agenda, as ‘suas’ decisões e as ‘suas’ conclusões.
Mas, como afirmam os analistas e os ’expert’ neste tipo de acontecimentos, todos os olhares, todos os sorrisos, todos os esgares e todos os trejeitos de Putin e Trump enquanto estiverem um com o outro serão analisados ao pormenor.
Ou à luz da diplomacia internacional. O que será não apenas um exercício levemente disparatado, como também uma forma de atirar pressão para essa outra cimeira futura, a do Kremlin com a Casa Branca.
Como se essa, apesar de nem ainda sequer estar marcada, fosse a cimeira de todas as cimeiras: aí se verá se o mundo continua em frente ou se virará outra vez para trás – à procura da porta que Gorbachev sonhou ter fechado para sempre.
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