quarta-feira, 15 de março de 2017

Caso dos offshores chega ao Parlamento Europeu com perguntas a Rocha Andrade


Pedro Crisóstomo
14 de Março de 2017, 18:31



Requerimento de Nuno Melo acolhido na comissão de inquérito aos Panama Papers.
Eurodeputado do CDS quer saber mais detalhes sobre as transferências desconhecidas.

A comissão de inquérito do Parlamento Europeu aos Panama Papers deu seguimento a um requerimento do eurodeputado do CDS Nuno Melo para o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, explicar o caso das transferências para offshores que não foram alvo de processamento no sistema central do fisco português, em especial os fluxos financeiros relacionados com o Panamá.

A proposta do eurodeputado centrista surgiu na sequência da audição de Rocha Andrade no Parlamento português há duas semanas e foi agora aprovada na PANA, a comissão de inquérito do Parlamento Europeu onde, no rescaldo dos Panama Papers, se discutem temas relacionados com o combate ao branqueamento de capitais, elisão e evasão fiscais.

Três quartos dos fluxos para o Panamá desconhecidos do fisco
A notícia de que o Parlamento Europeu vai pedir a Rocha Andrade uma série de informações sobre o caso foi avançada pelo semanário Expresso e confirmada ao PÚBLICO pelo eurodeputado.

Ao ouvir Rocha Andrade afirmar na Assembleia da República que o Panamá é um dos paraísos fiscais de destino de uma parte das transferências desconhecidas do fisco até há pouco tempo por falhas no tratamento da informação recebida pelos bancos, Nuno Melo considerou que o governante estava a lançar “uma suspeição para o ar” e movimentou-se em Bruxelas para que Rocha Andrade prestasse mais esclarecimentos.
Logo no dia seguinte, a 2 de Março, elaborou um requerimento à comissão de inquérito em Bruxelas, contando o que o governante português dissera em Lisboa: que de todas as transferências hoje conhecidas em relação ao Panamá no ano de 2014, 97,7% estão nos valores ocultos; e que Rocha Andrade invocara o sigilo bancário para não especificar quais foram as instituições financeiras por onde passaram as transferências ocultas.
Os números globais sobre os fluxos para o Panamá referidos pelo governante no Parlamento podem ser aferidos através das estatísticas públicas do Portal das Finanças, quando se comparam os valores que foram publicados em Abril do ano passado, pela primeira vez desde 2010 – dados que o PÚBLICO tem em arquivo e que foram o ponto de partida para a notícia sobre os 10.000 milhões de euros que não foram alvo de tratamento no fisco – com as estatísticas mais recentes.

Nuno Melo sustenta ao PÚBLICO que o Governo português, pela voz do secretário de Estado, deve dizer tudo o que sabe sobre “essas transferências” e que o governante não se pode escudar no segredo bancário.
As informações que pede, justifica, são um “trabalho fino” que importa à comissão PANA e que cabe dentro do seu objecto como comissão de inquérito.
Nuno Melo pede no requerimento para Rocha Andrade “informar sobre as datas concretas, beneficiários e operações relativas às transferências para o Panamá”, enviar todos os documentos que o Governo tenha sobre estes fluxos e dizer explicitamente quais são as entidades financeiras relacionadas.

Outro ponto que o eurodeputado centrista quer esclarecer é se “essas operações foram legais ou ilegais”.
E de uma forma geral, quer saber qual a razão de as declarações não terem sido correctamente transferidas para o sistema central do fisco, algo que está a ser investigado na auditoria da Inspecção-Geral de Finanças (IGF).
Não é claro se estas informações serão prestadas por escrito pelo governante ou através de uma audição do secretário de Estado no Parlamento Europeu, porque o requerimento não é explícito em relação a isso.

O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças para saber se Rocha Andrade está disponível para ser ouvido pelos eurodeputados, mas até ao momento não foi possível obter uma reacção.
Como o PÚBLICO já noticiou a partir da comparação das estatísticas do fisco (as divulgadas em Abril de 2016 e as actuais, que foram corrigidas), mais de um quarto do valor das transferências ocultas teve como destino o Panamá (2600 milhões de euros de 2011 a 2014).

Ao mesmo tempo, é possível perceber que 77% do montante transferido para o Panamá estava oculto (2011 a 2014).
Pensava-se que tinham sido enviados para esta praça financeira 770,3 milhões de euros ao longo daqueles quatro anos, mas o valor hoje conhecido é de 3380 milhões.

Ano a ano, sabe-se hoje que 91% das transferências feitas em 2012 para o Panamá não apareciam no sistema central do fisco; em 2013, isso aconteceu com 89% dos valores transferidos; e é em 2014 que esta percentagem é de 98% (o valor especificado no Parlamento por Rocha Andrade).


tp.ocilbup@omotsosirc.ordep

Offshores: Governo anterior deixou na gaveta sete acordos para troca de informação

Paulo Pena
15 de Março de 2017, 6:30


Portugal assinou vários acordos internacionais de troca de informação fiscal com paraísos fiscais, mas, por decisão do Governo liderado por Passos Coelho, deixou sete deles “na gaveta”. Porquê?

Entre Julho e Dezembro de 2010, o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, andou atarefado em reuniões com diplomacias distantes.
Em Janeiro de 2011, pouco antes de cair o Governo que integrava, liderado por José Sócrates, tinha assinado 15 acordos bilaterais para “troca de informações em matéria fiscal” com 15 Estados e jurisdições que tinham uma coisa em comum: eram offshores, territórios com legislação fiscal secreta e taxas de imposto muito abaixo do normal.
Quando o Governo caiu, destes acordos, ficaram dez para o Governo PSD-CDS ratificar.

A lista dos dez incluía Antígua e Barbuda, Belize, Guernesey, Ilha de Man, Jersey, Libéria, São Cristovão e Nevis, Santa Lúcia, Ilhas Turks e Ilhas Virgens Britânicas.
Mas destes acordos, em quatro anos e meio, o então secretário de Estado Paulo Núncio e os ministros dos Negócios Estrangeiros do Governo de coligação PSD-CDS, Paulo Portas e Rui Machete, apenas levaram três ao Parlamento para ratificação.
Dos outros sete, cinco foram ratificado pelo actual Governo e os restantes dois continuam por avançar.

Em regra, como o PÚBLICO constatou verificando o histórico de ratificações deste tipo de acordos, entre a assinatura e a promulgação não é habitual passar mais de um ou dois anos.
Neste caso, os acordos ficaram no limbo durante toda a legislatura.

O PÚBLICO contactou Núncio, Portas e Machete, mas nenhum destes ex-governantes aceitou prestar declarações.
Uma fonte do Governo anterior, que não quis ser citada, reconheceu a demora: “O assunto foi deixado na gaveta, para proteger o interesse nacional.”
Para o Governo anterior, os acordos de cooperação sobre informação fiscal assinados com aqueles offshores “não acautelavam que a troca de informação fosse efectiva”.
E isso levantava um problema: se fossem ratificados permitiriam àquelas jurisdições invocar a sua cooperação junto de instâncias internacionais, como a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), e até almejar a sair da “lista negra” de paraísos fiscais – que elenca os destinos mais comuns para a evasão fiscal por praticarem taxas de imposto muito mais baixas do que é habitual nos países onde foi efectivamente criada a riqueza.
A mesma fonte lembra que o Governo decidiu então, por sugestão da equipa que trabalhou na proposta de revisão do IRC, liderada pelo advogado António Lobo Xavier, alterar a Lei Geral Tributária para “apertar os critérios” sobre os offshores.
Por isso, aprovou uma nova redacção do artigo 63.º D relativo aos “Países, territórios ou regiões com um regime fiscal claramente mais favorável”.
Aí foram definidos os critérios para que os países requeressem ao Governo português a sua retirada da “lista negra”.
Só o podiam fazer, à luz da lei portuguesa, se cobrassem um imposto do tipo IRC, e se a respectiva taxa não fosse 60% inferior à praticada em Portugal; se as regras para o imposto de rendimentos (IRS) fossem aceitáveis pelos padrões da OCDE; se não praticassem “regimes especiais ou de benefícios fiscais, designadamente isenções, deduções ou créditos fiscais, mais favoráveis do que os estabelecidos na legislação nacional” e, por último, que permitissem “o acesso e a troca efectiva de informações relevantes para efeitos fiscais, nomeadamente informações de natureza fiscal, contabilística, societária, bancária ou outras que identifiquem os respectivos sócios ou outras pessoas relevantes, os titulares de rendimentos, bens ou direitos e a realização de operações económicas.”
Mas nem com esta alteração, que salvaguardava os receios do Governo da altura, aprovada em 2013, foram ratificados os acordos que permaneciam à espera.
Isto, apesar de haver, como o PÚBLICO apurou, diversos alertas por parte da rede diplomática e do Centro de Estudos Fiscais da Autoridade Tributária.
Esta era uma matéria em que Paulo Núncio não decidia sozinho.
Podia ser sua a responsabilidade pela informação técnica e legal, mas a última palavra caberia ao Ministro dos Negócios Estrangeiros – responsável pela monitorização dos acordos.
Para terem sido “deixados na gaveta”, teve de haver concordância entre estes dois membros do Governo.

A vantagem de ter acordos com alguns dos principais destinos da evasão fiscal, e da criminalidade económica complexa, parece evidente, e é muito apreciada pela Autoridade Tributária e pelos organismos de investigação da criminalidade económica.
Estes acordos prevêem o acesso das autoridades portuguesas a informações que nem às autoridades judiciais costumam ser fornecidas.
Aliás, Portugal pode, com estes tratados, requerer informação fiscal mesmo sem alegar que o fazia para fins de uma investigação judicial.
Mas nem todos os acordos ficaram na gaveta.
Dois deles foram ratificados (em 2011 e 2012) pelo mesmo Governo: Jersey e Ilha de Man, ambos territórios dependentes da Coroa Britânica, no Canal da Mancha.
Posteriormente, já com o actual Governo, estes dois territórios, e o Uruguai, acabaram por sair da “lista negra”.
A justificação para esta alteração (que já não acontecia há cinco anos) foi dada pelas Finanças “tendo em conta os desenvolvimentos entretanto ocorridos ao nível da implementação de mecanismos antiabuso no plano da tributação internacional, os quais tornam, nalguns casos, desnecessária a manutenção de determinados países, territórios e regiões na lista”.
Portugal permanece na segunda divisão dos países da OCDE signatários do Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações para efeitos Fiscais.
Ao contrário de dez parceiros da União Europeia, que cumprem todas as regras definidas pela organização internacional, Portugal é apenas “largely compliant”, ou seja, satisfaz a maioria dessas regras, mas não a totalidade.
Um dos critérios é, precisamente, a existência de acordos de troca de informação fiscal.